O IPO da PagSeguro deixou claro o potencial do mercado de micro e pequenas empresas e empreendedores — um exército de mais de 10 milhões de CNPJs espalhados pelo País que haviam sido relegados pelas grandes adquirentes.
Explorando esse nicho, a ContaAzul, uma startup de Joinville, quer ser uma espécie de “Moderninha” do mercado de software de gestão empresarial (ERP), oferecendo planos que variam de R$ 39 a R$ 279 por mês, voltados para empresas de até 20 funcionários.
Nesta esquina do mercado, as gigantes SAP e Oracle sequer aparecem. A Totvs, que atende empresas de porte médio, também tem tido dificuldade em prosperar ali, deixando a concorrência da ContaAzul na mão de pequenos fornecedores pouco profissionalizados — quando não a mera caderneta de papel ou o Excel.
Fundada em 2011, a ContaAzul não divulga faturamento e nem o número de clientes pagantes, mas acaba de conquistar um investidor de peso. No início do mês, o Tiger Global, um dos maiores gestores focados em tecnologia do mundo, liderou uma rodada de capital de R$ 100 milhões, a maior da companhia.
Entre 2010 e 2015, o Tiger investiu em mais de uma dezena de startups brasileiras, fez grandes aportes na Netshoes, B2W e 99, e mais recentemente no Nubank.
O Tiger já havia colocado uns trocados na ContaAzul em 2015, numa rodada de R$ 20 milhões liderada pela Ribbit Capital, de Palo Alto, um dos primeiros VCs com foco em fintechs. “Eles entraram para sondar nosso modelo de negócio e gostaram do que viram”, diz Vinícius Roveda, CEO e fundador do negócio, de 35 anos.
Vinícius nasceu no interior do Rio Grande do Sul e se mudou para Joinville aos 17 anos para cursar ciência da computação. A ideia da ContaAzul veio quando ele trabalhava como desenvolvedor em empresas pequenas e viu a dificuldade dos empreendedores de tocar o negócio e controlar a parte burocrática e financeira.
Enquanto trabalhava de dia e fazia um MBA em gestão à noite, virou madrugadas desenvolvendo uma solução voltada para este tipo de cliente. Lançou a Ágil ERP e conquistou seu primeiro contrato. Pediu as contas no seu ‘day job’ e…. quase quebrou.
O modelo da Ágil já era disruptivo: o software era oferecido na nuvem, com um esquema de mensalidade, ao contrário dos outros programas voltados para esse público e comercializados por meio de licenças pagas na entrada. Mas o software ainda era pouco intuitivo e o principal problema era a distribuição. “Montamos uma rede de revendas, mas os vendedores preferiam vender os softwares de licença, que rendiam uma comissão maior na frente, do que o nosso produto”, diz.
A sorte virou quando, em 2011, ele e seus sócios — José Sardagna, um colega dos tempos de faculdade, e João Zaratine, que tinha sido seu estagiário — foram selecionados por uma aceleradora para passar quatro meses no Vale do Silício.
A ContaAzul saiu do Vale com um aporte da Monashees, e meses depois levantou outra rodada da Ribbit Capital. Até agora, a startup já levantou cerca de R$ 150 milhões, de acordo com um relatório do Bradesco que lista a companhia como uma das fintechs mais promissoras do País. A lista de investidores inclui ainda a Valar Ventures, de Peter Thiel, fundador do PayPal, e a Endeavor Catalyst, que entrou na última rodada.
A experiência no Vale foi transformadora. A ContaAzul simplificou sua interface de forma a torná-la intuitiva. Agora, o usuário pode emitir boletos, fazer o controle financeiro, controle de estoque, tirar relatórios e centralizar as informações que vão para o contador. Um app no smartphone permite acompanhar as vendas em tempo real. Para os casos em que o usuário precisa de ajuda, há uma equipe de suporte, treinada para conversar de forma natural e sem script.
A Totvs tenta há anos fazer uma incursão em direção à base da pirâmide, mas ainda não chega perto do estrato onde a ContaAzul está prosperando. Discretamente, a empresa de Laércio Cosentino lançou no ano passado a Fly 01, uma solução para microempresas a partir de R$ 79,90 por mês. Mas as vendas ainda não engrenaram.
“Quando a empresa tem a expertise de atender clientes grandes, a capacidade de atender a pequena vai se perdendo”, diz um ex-executivo da Totvs. “Pelo engessamento de processos e até pelo envelhecimento da liderança, a Totvs não tem condições de trabalhar nisso com a mesma agilidade”.
A ContaAzul atende algumas empresas médias — com faturamento na casa de R$ 2 milhões por mês — normalmente dos setores de serviços e tecnologia, que tem pouca complexidade de gestão e estoques.
Em vez de revendas, a força de vendas do ContaAzul são os escritórios de contabilidade — os contadores ganham uma comissão por cada cliente, que vai aumentando de acordo com o número de assinantes adicionados. O incentivo vem também na forma de produtividade: os contadores têm um software próprio desenvolvido pela ContaAzul que centraliza as informações dos clientes que usam a solução, e facilita os fechamentos contábeis.
“Fizemos um longo processo para mostrar que agregamos valor para aos contadores”, diz Vinícius. “Cerca de 90% do tempo deles era usado para coletar e bater informações. Com o sistema, eles fazem ações mais estratégicas, como ajudar a planejar o fluxo de caixa.”
O maior desafio do negócio é o churn — o percentual de usuários que cancelam o plano após alguns meses de uso. “Como o custo de mudança é baixo, já que a complexidade dos processos de gestão é pequena, o cara pode decidir simplesmente que não quer usar mais e cancelar, isso para não falar das empresas que simplesmente quebram”, diz um executivo do setor.
Para isso, a ContaAzul precisa ‘pedalar’ e constantemente adicionar novos usuários. Desde 2012, mais de 800 mil empresas foram atendidas pela companhia e atualmente, cerca de 2 mil usuários são adicionados a base a cada mês.
Além das ferramentas padrão de backoffice, a ContaAzul vem adicionando funcionalidades. O software já é integrado ao sistema dos grandes bancos: o usuário vê seu saldo em tempo real na plataforma de ERP.
Uma parceria piloto com o Banco do Brasil, que vai na direção do conceito de open banking, permite que o cliente veja suas movimentações detalhadas direto no ContaAzul. Num segundo momento, ele poderá fazer transações bancárias direto no software de ERP, sem entrar no app do banco.
Em tese, a parceria com o BB pode ser usada para dar acesso aos dados de saúde financeira do cliente e ajudar a medir seu risco de crédito — precificando melhor empréstimos para capital de giro, por exemplo. “Somos agnósticos, isso pode acontecer com os bancos ou com outras fintechs para concessão de crédito, para auxiliar na cobrança de clientes”, diz Vinícius.
Ele trabalha para levar a ContaAzul à Bolsa num horizonte de três a cinco anos. Celso Nunes, que foi diretor da Locaweb na época em que a companhia planejava seu IPO (que acabou não saindo), foi contratado ano passado como CFO. O sonho: transformar a ContaAzul na maior plataforma de ‘cloud accounting’ do mundo — superando a Xero, uma neozelandesa que fez IPO em 2007 e hoje vale US$ 4 bilhões.