O ex-superintendente da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Adriano Pires, continua sendo nosso maior especialista em Petrobras.Adriano Pires

Nos últimos anos, ele não deu trégua ao governos do PT, criticando tudo que levou a Petrobras ao estado atual:  preços artificiais, política de conteúdo nacional, ufanismo com o pré-sal, gigantismo e corporativismo.

O Brazil Journal conversou com ele hoje à noite sobre a nova política de preços anunciada pela Petrobras.

 
 
 

Você passou os últimos 10 anos batendo forte no governos do PT porque eles usaram a Petrobras como instrumento de política econômica — congelando preços para não gerar inflação e criando uma política de conteúdo nacional que se tornou uma estufa de corrupção e ineficiência.  Essa nova política de preços põe fim a essa instrumentalização?

Começa a por fim na medida em que atende a duas coisas que há muito tempo o mercado pede à Petrobras:  uma política de preços transparente e com previsibilidade. O presidente da Petrobras falou que daqui para frente o preço da gasolina e do diesel não será inferior ao do mercado internacional. Com isso, ele garante que a empresa não será mais usada de forma populista para ajudar a eleger políticos e controlar a inflação. É sempre bom lembrar que a Petrobras perdeu no primeiro mandato da Presidente Dilma US$ 40 bilhões com os subsídios à gasolina e ao diesel. [Pedro Parente] também anunciou que será criado um grupo dentro da empresa para acompanhar os movimentos do mercado internacional, a taxa de câmbio e o market share da empresa no mercado interno. 

Houve outros avanços?

Outra medida é que a empresa poderá praticar preços diferenciados por região no Brasil, com o objetivo de preservar seu market share. Exemplo: se houver uma grande importação de diesel pelo porto de Suape, a Petrobras poderá reduzir naquela localidade o preço do diesel para manter o seu share. Foram esses anúncios que agradaram o mercado. Além do mais, nesse momento em que a empresa anuncia a venda da BR, de refinarias e de terminais de importação de líquidos, ter um política conectada aos movimentos do mercado internacional, câmbio e mercado interno é fundamental para atrair investidores e parceiros de qualidade. 

A Petrobras também anunciou a redução de 3,2% no preço da gasolina na refinaria e de 2,7% no diesel.

O que surpreendeu foi essa redução dos preços. Ela vai impactar e causar uma redução do EBITDA e não vai reduzir os preços na bomba. Eu acho que o correto seria anunciar a nova política e manter os preços da gasolina e do diesel. Até porque, nas últimas semanas o prêmio [do mercado interno com relação aos preços internacionais] tem caído com o aumento do preço do barril, na expectativa de que na reunião da OPEP em novembro haverá um acordo para reduzir a produção. Ou seja, para que reduzir os preços da gasolina e do diesel num momento em que o preço do petróleo está subindo?

O consumidor vai sentir essa queda?  O preço vai cair na bomba?

Não vai. Isso porque o preço que está sendo reduzido é o da gasolina A, e a que consumimos é a C (que mistura etanol anidro, enquanto o diesel mistura biodisel). Além do mais, devido à crise econômica as margens dos donos de postos tem sido muito achatadas, o que vai fazer com que o preço não se altere. Ou seja, a Petrobras perde geração de caixa e o consumidor não vê queda na bomba. A única explicação para a redução no preço pode ser de origem econômica. Reduzir agora o preço da gasolina — que é integrante do IPCA — pode dar mais conforto para que o COPOM na próxima semana reduza os juros.

A fórmula deixa espaço para a Petrobras mexer no preço conforme ela perder ou ganhar participação de mercado.   Do ponto de vista da previsibilidade, seria preferível uma fórmula ‘limpa’, que atrelasse o preço doméstico APENAS aos preços internacionais?

O presidente da Petrobras rejeita o termo ‘fórmula’. Ele fala em uma política de preços sintonizada com os movimentos do mercado internacional, câmbio e mercado interno. Conceitualmente ele está correto, mas a fala é subjetiva e não deixa claro como serão feitas as contas. Hoje, o mercado admira e aplaude, com muita razão aliás, o Pedro Parente, mas o que acontece o dia que ele não estiver mais lá?  

Essa questão de como fazer as contas é muito importante. Por exemplo: pelo anúncio de hoje, se você fosse seguir o critério dos movimentos do mercado internacional e do interno, a redução no preço do diesel deveria ter sido superior ao da gasolina, já que o prêmio do diesel tem sido muito superior ao da gasolina e a perda de mercado pela Petrobras também tem sido maior no diesel. Sendo assim, uma fórmula como a que existiu no governo FHC — em que todo início de mês os preços eram reajustados pelo ocorrido no mercado internacional e no câmbio — daria mais transparência e previsibilidade. De todo modo, acho que a médio prazo a tendência é termos no Brasil preços alinhados ao mercado internacional pelo fato do monopólio da Petrobras estar diminuindo, na medida que a empresa precisa vender ativos, o que vai promover uma maior concorrência.

Nesse momento, o Governo poderia ter aproveitado os preços baixos do petróleo lá fora para reduzir o preço aqui e ao mesmo tempo aumentar a CIDE, o que seria uma forma do Governo arrecadar mais e ajudar no ajuste fiscal.  Por que você acha que o Governo não aproveitou para fazer isso?

Acho que o governo tem uma visão míope do papel da CIDE. Ela tem de ser encarada como um imposto ambiental, como um mecanismo para dar competitividade ao etanol hidratado e aumentar a arrecadação da União, Estados e Municípios. O Brasil não pode e não deve caminhar na direção contrária ao mundo, onde se promovem cada vez mais politicas de incentivo ao consumo de combustiveis renováveis e limpos e que desestimulam o consumo de combustíveis fósseis. O governo precisa deixar de olhar para a CIDE exclusivamente sob o ângulo da inflação, deixando de lado os beneficios ambientais e um papel mais relevante do etanol hidratado e do biodiesel na matriz. Caso ocorra uma queda no consumo de etanol hidratado, não cumpriremos as metas da COP 21 de Paris. 

Quais as consequências dessa nova política de preços para o setor de etanol?

As consequências para o etanol estão ligadas à CIDE, e não à política de preços da Petrobras. Enquanto o governo não entender que a CIDE é um imposto ambiental, será difícil incentivar investimentos no etanol e o resultado será uma queda na sua produção e um aumento na produção de açúcar.

Qual sua avaliação sobre os avanços que a Petrobras tem feito em seu programa de venda de ativos e na recuperação de sua credibilidade no mercado?

A Petrobras tem avançado muito. Mas o que me preocupa é essa venda estar sendo feita com muito pouco cuidado com a regulação. Caso não se adeque a regulação a esse cenário de venda de ativos, poderemos ter no futuro problemas graves no mercado de petróleo e gás no Brasil, promovendo insegurança jurídica e instabilidade regulatória.

Dê um exemplo.

Na venda recente dos dutos da Petrobras para a Brookfield, na prática você transformou um monopólio estatal num monopólio privado, com pouca preocupação com o que pode acontecer lá na frente. Em casos como esse, o Governo e a Petrobras tem que jogar juntos para reformar o marco regulatório com rapidez e de tal forma que não prejudique o programa de desinvestimento da empresa.