Ele tem apenas 2% ou 3% das intenções de voto, mas já começa a preocupar Geraldo Alckmin. Com uma agenda de centro, o senador Álvaro Dias, ex-PSDB e hoje candidato pelo Podemos, aparece à frente de Alckmin nas intenções de voto no Paraná, seu estado natal, e em Santa Catarina.

Dias reza pela cartilha liberal, mas com ressalvas que parecem fora de lugar no Brasil pós-Lava Jato. Defende a privatização de estatais, mas rejeita mexer no Banco do Brasil, na Caixa e na Petrobras.

Incorpora discursos caros à esquerda, como uma maior distribuição de renda por meio de impostos progressivos, mas quer instituir uma porta de saída para os beneficiários do Bolsa Família.

Admirador de Juscelino Kubitschek, acalenta o sonho de se candidatar a presidente desde 1989, quando perdeu as prévias para Ulysses Guimarães. Motivado por este sonho, já trocou meia dúzia de vezes de partido. Está na política desde os anos 70, mas adota um discurso de oposição à política como ela é (ou está). Chegou a ser expulso do PSDB por apoiar uma CPI para investigar corrupção no governo FHC. Anos depois, voltou ao ninho tucano e virou líder no Senado. Defendeu o impeachment de Dilma. E também o de Michel Temer.

Em conversa com o Brazil Journal, Dias diz que o jogo eleitoral só começa pra valer depois da Copa, quando se formarão as alianças partidárias. Se depender dele, a bola no centro seguirá dividida.

 

Qual a primeira empresa que o senhor pretende privatizar, se for eleito?

Primeiramente há que se recuperar o valor patrimonial de empresas que se desvalorizaram em razão de corrupção e da incompetência administrativa. E inaugurar um grande programa de privatização já que temos 146 empresas estatais federais. Muitas delas, parece que mais de 30%, foram criadas durante os governos do PT, inclusive como cabide de emprego.

Começaria por essas?

Sim. De 146, excluiria poucas, como Banco do Brasil, Caixa e Petrobras. A privatização de modo geral é inevitável. Mas, repito, com um trabalho preliminar de valorização das empresas.

Esse processo de valorização vai demorar?

Não, isso são alguns meses de ajuste, de recuperação de imagem. Boa parte são subsidiárias.

Alguma em particular que gostaria de vender?

Não, na verdade boa parte delas são subsidiárias de Petrobras, de Eletrobras…

10481 03459fdd 8dcd 0024 068b f7d37a1a9ce4A Eletrobras o sr. também já declarou que não tem intenção de vender.

Num primeiro momento não, pois está na bacia das almas e seria prejuízo enorme para o País. Mas haveria uma preparação para eventualmente, no futuro, privatizar. Obviamente, levando em consideração questões essenciais como segurança em relação às tarifas e uso múltiplo das águas. Mas é possível antecipar privatizações de subsidiárias. A Eletrobras como carro-chefe teria que ser preservada como estatal por um bom tempo.

As intocáveis seriam as três que o sr. mencionou?

Isso: Petrobras, Caixa e BB.

Correios?

Se discute. É preciso rearrumar. Obviamente não pode privatizar nada na bacia das almas. Aí você comete crime contra o patrimônio público.

O senhor defende uma reforma trabalhista, mas discordou da proposta de Temer.  O que o senhor mudaria?

Não posso antecipar qualquer proposta de alteração antes de conhecer efetivamente o resultado do que foi proposto. Temos que esperar. O que combati foi o modelo de imposição do Executivo que inviabilizou a proposta do Senado, que é a casa revisora. Há desrespeito.

Aproveitei – quando verifiquei que o meu voto não comprometeria a votação e que a reforma seria aprovada por ampla margem – para registrar meu protesto em relação ao modelo proposto, que não procurou eliminar conflitos e sim alimentá-los, ao impor uma reforma que acaba desagradando setores importantes, principalmente na área do trabalho.

É a favor do fim do imposto sindical?

Sim.

Reforma da previdência: qual a sua proposta?

Necessária, imprescindível, mas há pressupostos importantes a se considerar. Fica a discussão: é deficitária, é superavitária? O governo tem que ser transparente e cobrar [a dívida com a Previdência] dos poderosos. Até como justificativa para a reforma. Evidentemente que não resolve, pois é questão de estoque, não de fluxo. Mas é preciso demonstrar a coragem de cobrar de grandes empresas: JBS, Eike Batista (sic), bancos, clubes de futebol, partidos. R$ 400 bilhões para o brasileiro é um valor excepcional. Difícil obter autoridade para uma reforma que contraria interesses sem obviamente demonstrar força junto aos poderosos. Ser fraco com os poderosos e valente com os fracos não é didático nem pedagógico no momento de você propor uma reforma tão polêmica. Mas é inevitável que ocorra. Se não fizermos uma reforma modernizadora, atualizando a legislação, verificando inclusive o desempenho de outras nações, no futuro correremos o risco de não poder pagar aposentadoria.

O senhor fala em reforma tributária. Como propor redução de impostos diante da situação fiscal do país?

Na verdade o que não se pode admitir mais é aumento de impostos. A reforma tributária tem que simplificar o modelo sem prejuízo da receita, obviamente, mas com uma distribuição adequada. Quem pode mais paga mais, quem pode menos paga menos. E todos pagam. Porque hoje alguns pagam demais, outros de menos, outros nada pagam. Tem que valorizar um sistema progressivo, tributando menos no consumo e mais na renda. Um modelo que se aproxime dos mais avançados do mundo. Essa distância nos coloca em desvantagem no momento da competição das exportações. Há que se descolar a economia da atividade pública. Dizer: “olha, não estamos ajudando, mas não vamos atrapalhar”.

O que pretende fazer com o Bolsa Família?

Tem que ser encarado como investimento, não despesa, e como um programa de transição, qualificando mão de obra para inserção no mercado de trabalho. Há uma pobreza imensa contrastando com riqueza enorme que há no país.

Alguns pré-candidatos dizem ser a favor do liberalismo na economia e do conservadorismo nos costumes. O senhor reza pela mesma cartilha?

Bom, liberalismo da economia com toda certeza. Esses paradigmas do século passado devem ser superados. O empreendedorismo é a força motora do desenvolvimento. A melhor forma de derrotar a pobreza é valorizar a produção. O empreendedorismo tem que ser a chave para o desenvolvimento. Em relação a conservadorismo, é complexo. É preciso entender bem o que se considera conservador. Respeito convicções religiosas e valores familiares que muitos consideram essenciais. Há muita esquizofrenia nesse debate de valores.

Sua visão em relação a formas alternativas de família?

Casamento gay é uma decisão consagrada pelo Supremo. Se respeita e não se discute mais. Os avanços da sociedade devem ser assimilados sem violentar convicções religiosas, pessoais. A liberdade de opção deve prevalecer sempre.

Mas em uma campanha eleitoral isso deve ser tratado mais como curiosidade. Não é papel do Presidente da República determinar isso. Acho que esse tipo de discussão durante as campanhas é um desperdício de tempo. Mas em todas as campanhas isso volta. Muito mais na esperança de fulminar e desgastar os adversários do que propriamente construir o futuro do país.

Segurança pública?

Sempre trombamos com uma realidade dura: falta de recursos. Sem recursos é impossível fazer o que os especialistas pregam. Defendo política de Estado, não de governo. Algo continuado. Armar o Estado, instrumentalizar o aparato policial competentemente, investir em inteligência, monitoramento das fronteiras, interação entre as polícias. Sem isso estamos alimentando a violência.

É essencial conferir autoridade a quem comanda, para que tenham a segurança de adotar as medidas mais rigorosas em função das circunstâncias. Quando a autoridade não se impõe, a marginalidade se sobrepõe. Tolerância zero em relação a crime e corrupção. A autoridade tem que se impor, e se inevitável, até matar. O que não se pode é favorecer a marginalidade com postura de complacência, condescendência e de medo. Existe forma de planejar e organizar o combate ao crime. O Estado sabe onde ocorre a maior parte dos crimes: bairro, horário… Tem que ter um pouco de gestão também.

Você costuma dizer que mudou muito de partido para “não mudar suas convicções pessoais”. Que convicções foram feridas quando o senhor saiu do PSDB e de todos os demais partidos?

Na verdade, nunca mudei de partido. Mudei de sigla. No Brasil não existe partido. Existem siglas para registro de candidatura, administradas cartorialmente. E muitas delas estimuladas pelo fundo partidário. Por isso temos uma fábrica de siglas, alimentada pelo fundo partidário: 35 partidos registrados, 70 na fila de espera. Não me acusem de mudar de partido. Eu mudo de sigla para não mudar de lado. Às vezes o partido começa a usar uma linguagem com a qual eu não compactuo. Fui expulso do PSDB por tentar instalar uma CPI para investigar corrupção no governo do PSDB. O desconforto me fazia mudar de sigla, tentando buscar um ar onde pudesse respirar melhor. Não encontrei até hoje. Podemos é um movimento. Só a reforma política vai proporcionar oportunidade de construção de partidos de verdade. Todas as mudanças ocorreram em nome da coerência. E só sofri prejuízo eleitoral, desarrumando minhas bases de apoio.

O senhor acha possível termos uma candidatura de centro, ou o centro ficará pulverizado?

O centro vai acabar dividido. Ou aquilo que consideram centro.

O senhor se considera centro?

Me considero progressista. Talvez centro democrático progressista. Existem valores essenciais à direita e valores bem indispensáveis à esquerda. Ideias, conceitos. E não vejo ninguém como proprietário de conceitos. Há muita esquizofrenia no debate. Acho que tem valores na direita: Estado mais moderno, eficaz, enxuto. Valorizar a produção como forma de combater a pobreza. Conceitos tidos como de direita que incorporo muito bem. E à esquerda tem reforma tributária progressiva, distribuir melhor a renda, reduzir desigualdade social. Se isso é discurso de esquerda, eu pronuncio ele todo dia. Então imagino que as pessoas podem me considerar de centro. Não se caminha para a direita nem para a esquerda, se caminha para a frente.

Como estão as alianças partidárias?

Muito cedo para definições. As convenções são a partir de julho. Esses partidos que podem buscar alianças possuem candidaturas próprias que naturalmente serão testadas mais um tempo. Imagino que vai haver uma redução, mas não uma redução desejada. O debate fica mais qualificado com menos candidatos. Mas acho que pode caminhar até julho. A Copa também vai dar uma esfriada. Só depois da Copa é que começa o jogo eleitoral.

O centro deve continuar pulverizado até o dia do pleito?

Serão pelo menos duas vertentes. PSDB e PMDB me parece que são uma vertente. E aí outros partidos menores: nosso caso, DEM, PRB… Pode-se buscar alguns outros partidos menores: PMN, PPR, esses podem ter um alinhamento. E existem aqueles que ficam soltos: PP, PR. Esses não se vinculam. O objetivo é eleger deputados, então muitas vezes é melhor ficar solto.

O tempo de TV pode fazer diferença?

É importante, mas o tempo já foi reduzido e o prazo de campanha também ficou muito curto. Serão 45 dias. Tem componente das redes sociais que a gente não sabe qual será o resultado prático. Tem prós e contras, ataques e fake news. Não sei qual será o alcance positivo das redes, mas certamente é importante.

Mas o sr. depende bastante de redes sociais.  

Também. Mas eu aposto muito na mídia nacional oferecendo espaço por tratar-se da eleição mais importante desde a redemocratização. Mais entrevistas, debates, sabatinas. Isso pode dar visibilidade nacional.

O sr. tem uma estrutura de redes sociais?

Tenho minha equipe de sempre, de gabinete. Mas por falta de recursos, ainda não profissionalizamos. Primeiramente temos que ver que recursos teremos para a campanha.

Como está a perspectiva de arrecadação?

Começou agora, mas não temos ainda nenhum contrato de doação. É ainda uma incógnita. O fundo eleitoral é pequeno, não é suficiente.

Pretende fazer crowdfunding?

Sim. É a forma mais correta de doação. Você não tem o contato direto, a barganha. É espontâneo. “Vou ajudar porque acredito.” As campanhas vão ficar muito mais baratas. Os marqueteiros estão sofrendo. As propostas estão sendo recusadas liminarmente.

Se não for para o segundo turno, apoiaria quem?

Eu vou para o segundo turno. Não falo de hipóteses improváveis. (risos)

 

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