“O Congresso já nos ajudou muito na agenda econômica e temos que fazer de tudo para isso continuar,” diz o Secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, nesta conversa com o Brazil Journal.
Para ele, a Câmara está respondendo à demanda — “excessiva, é verdade” — que vem dos estados, mas “não está agindo irresponsavelmente nem quer tocar fogo no País.”
“Não há dúvida que os estados e municípios precisam de ajuda. O debate é sobre o tamanho da ajuda e os critérios que vamos usar.”
Quanto a União já tinha dado aos Estados antes da aprovação do PL de segunda à noite?
Entre medidas que o Governo já havia aprovado, outras que estavam em debate, e o alívio imposto pelo STF, a ajuda federal já estava na casa de R$ 100 bilhões.
E o PL aumentou essa conta para quanto?
O substitutivo cria uma conta nova de cerca de R$ 93 bilhões, sendo cerca de R$ 84 bilhões para compensar uma perda estimada de 30% no ICMS e ISS por um período de seis meses e um valor adicional de R$ 9 bilhões que trata do não-pagamento da dívida dos estados e municípios junto aos bancos públicos.
Como o governo já estava pensando na suspensão da dívida junto aos bancos públicos e numa ajuda adicional de R$ 32 bilhões em transferências diretas (como parte dos R$ 100 bi que eu falei), o custo adicional do projeto aprovado é de R$ 52 bilhões, mais ou menos 0,7% do PIB, e há uma diferença nos critérios de transferência.
No PL aprovado, o governo federal compensa qualquer perda de arrecadação (com ICMS e ISS) por seis meses. Nossa preferência é por um valor fixo e baseado em dois critérios: transferência per capita e um adicional para o sistema de saúde a depender da demanda de cada município e estado, pois as internações e a pressão no sistema de saúde não serão as mesmas em todas as cidades e estados.
Como essas transferências vão impactar a trajetória de endividamento da União?
Mesmo antes desse socorro adicional aos estados e municípios, estávamos caminhando para um déficit primário do setor público perto de R$ 500 bilhões (7% do PIB) que agora vai para perto de R$ 600 bilhões (cerca de 8% do PIB). Isso significa uma dívida bruta que vai passar de 75,8% do PIB em 2019 para algo entre 85% e 90% do PIB em 2020.
Não há dúvida que os estados e municípios precisam de ajuda do governo federal e que essa ajuda já começou e seria ampliada. Mas precisamos de um cuidado extra com o tamanho da conta.
A posição da equipe econômica, com todo o respeito ao bom debate político no Congresso, é que essa ajuda seja um valor fixo com distribuição per capita limitada a três meses. Se os recursos não forem suficientes, sentamos à mesa novamente em três meses para ver a necessidade de recursos adicionais.
Do ponto de vista técnico (ou moral), o maior problema do PL é não exigir contrapartida dos Estados?
Acho que o projeto poderia ser aprimorado e a melhor forma de fazê-lo é por meio de um debate político transparente com o respeito ao contraditório.
Primeiro, acho que o ideal seria uma transferência fixa por três meses limitada a R$ 40 bilhões no total. Se o recurso não for suficiente, depois sentamos à mesa novamente para rediscutir.
Segundo, não podemos permitir a concessão de benefícios tributários, mesmo que seja para manutenção do emprego, porque já há um programa federal com essa finalidade. Terceiro, acho que o governo tem que tentar negociar um conjunto de contrapartidas possíveis para que todos os entes da federação tenham o compromisso de ajudar a pagar a conta nos próximos anos.
Se o Senado aprovar, você e o Ministro Paulo Guedes vão recomendar ao Presidente que vete o projeto?
Isso não cabe a mim. E eu confio no bom debate político. O bom debate político nos deu uma reforma da Previdência robusta que só foi possível porque contou com o apoio do Congresso Nacional. Eu nunca vi um parlamento tão engajado no debate da reforma tributária, algo que é essencial para o crescimento do Brasil.
O meu ponto é que nós temos que respeitar a divergências naturais entre o que quer a equipe econômica e o que querem os governadores e tentar chegar a um meio termo. Eu confio no bom debate político e na formação de consensos e foi isso que nos levou à aprovação da Previdência, que é difícil em qualquer país do mundo.
Nos últimos anos o Brasil fez diversos avanços institucionais para garantir um mínimo de sanidade fiscal, como a LRF, a Lei do Teto dos Gastos e a Regra de Ouro. A aprovação de um PL como este representa um retrocesso de qual magnitude?
Eu não usaria esses termos. Ele é um projeto que tem uma conta acima do que gostaríamos de pagar e por um tempo (seis meses) que consideramos excessivo. E como ele cria uma espécie de seguro-arrecadação para estados e municípios, corre-se o risco da conta ficar muito alta para o governo federal se estados e municípios concederem incentivos sob a justificativa genérica de manutenção do emprego.
Mas por meio de um bom diálogo político se pode chegar a um meio termo. Eu acredito muito no senso de responsabilidade de todos e no bom diálogo político. Se for preciso vetar algo, vamos recomendar e cabe ao Congresso analisar o veto do presidente. Isso faz parte do processo político legítimo de aprovação de qualquer projeto de lei. Não é uma guerra.
O que mais te preocupa neste momento?
Um projeto que me preocupa muito é o PL 873, que já foi aprovado no Senado. Este projeto estende aquele benefício de R$ 600 a muito mais gente, até trabalhadores da economia formal, e gera uma conta que pode ficar acima de R$ 140 bilhões.
É um projeto generoso demais num momento em há recursos de menos. Ele aumenta o BPC em R$ 20 bilhões, o que é uma despesa permanente, e cria um programa de auxílio-emprego que vai custar R$ 114 bilhões em apenas quatro meses. Isso é realmente necessário? Não, porque o governo já criou programas para proteger os trabalhadores em situação vulnerável.
Governadores que nunca fizeram o dever de casa estão tendo o mesmo benefício dado a outros que fizeram das tripas coração para botar a casa em ordem. Não dá vontade de jogar a toalha?
Claro que não. Ajuste fiscal passa, necessariamente, por um debate político e por mudanças de regras que precisam ser aprovadas no congresso nacional. Cabe a todos nós no governo encaminhar as propostas e tentar construir o consenso político para a aprovação de tudo que ajuda no equilíbrio fiscal. E os governadores precisam se aliar ao governo federal nessa agenda de equilíbrio fiscal.
Se isso não acontecer, todo mundo perde.
Mas o debate aqui é o tamanho do socorro emergencial aos municípios e estados e não condições de maior acesso a crédito com garantia da União, que precisa sim premiar aqueles estados que já fizeram ajuste fiscal. Não vamos misturar o debate de socorro emergencial com acesso a crédito para novos investimentos baseado na capacidade de pagamento dos estados, a CAPAG, que reflete a situação fiscal de cada ente.
Como a curva de juros longa do Brasil respondeu à aprovação do PL? Há risco de um downgrade pelas agências se o Presidente vetar e o Congresso reverter o veto?
A curva de juros não foi afetada pelo PL. A queda do veto do presidente ao aumento do BPC teve um efeito muito maior na curva de juros porque se tratava da criação de uma despesa elevada permanente. O que importa não são projetos isolados, mas o conjunto da obra.
Mas o que é fundamental na agenda do ajuste fiscal estrutural do Brasil é o cumprimento do teto dos gastos e a agenda de reformas econômicas que, se aprovada, vai aumentar o crescimento do PIB potencial do Brasil e influenciar na arrecadação e na dinâmica da dívida pública.
Se esse PL virar lei, o Governo vai ter que aumentar impostos ou reduzir a renúncia fiscal já no ano que vem?
Novamente, se nós como sociedade exageramos no crescimento da despesa, há o risco da conta da crise ficar excessivamente elevada. Mas ninguém quer criar ou aumentar imposto, e por isso é necessário ser cauteloso com a criação de novas despesas, mesmo as temporárias.
Mas o fundamental é que, a partir do próximo ano, o país volte ao processo de ajuste fiscal com o cumprimento do teto dos gastos e a aprovação das reformas econômicas que nos possibilitem crescer mais rápido. E para isso vamos precisar do Congresso.