Para voltar a crescer, o Brasil precisará aumentar o investimento e, para isso, convém refletir sobre a regra que hoje define a Taxa de Longo Prazo (TLP).
 
Como se sabe, a TLP veio para substituir a antiga TJLP. Na época, as autoridades da equipe econômica diziam – com razão – ser necessário fechar a fonte de pressão fiscal representada pela diferença entre o custo ao qual o Tesouro se endividava e a taxa que o BNDES cobrava de juros nos empréstimos indexados à TJLP. 
 
Com base na situação de então, definiu-se que seria necessário ter como referência o vértice de 5 anos associado a uma média da colocação de títulos do Governo. Que esse parâmetro não era representativo dos prazos aos quais o BNDES iria emprestar seus recursos estava explícito no argumento de que, dada a inclinação da estrutura a termo da taxa de juros (ETTJ), os empréstimos de 10 a 20 anos para infraestrutura continuariam a ser beneficiados mesmo quando o BNDES operasse com a TLP cheia em 2023, após a transição de 5 anos. Ou seja, o elemento-chave para que o Tesouro não sofra prejuízos com a TLP é que esta capture o custo médio ao qual o Governo, na margem, tem que ir ao mercado. 
 
É exatamente o que proporemos aqui.

A situação de mercado era favorável aos investimentos, em termos de custo dos mesmos – noves fora as flutuações associadas à nossa cacofonia política – até o começo do ano. Para que se tenha uma ideia, o componente real da TLP, que no primeiro mês de vigência da taxa – janeiro de 2018 – havia sido de 2,7%, caíra para 1,8% em março deste ano. 

Sobreveio então a covid-19. O surgimento desse fenômeno – o tipo de desastre que ocorre uma vez por geração — colocou o mundo de cabeça pra baixo – incluindo a economia brasileira. 

 
A taxa de juros das NTN-Bs de 5 anos, que ensaiava se aproximar de 2%, subiu em pouco tempo até perto de 5%, embora depois tenha caído novamente. Na esteira dos elementos que mudaram completamente o panorama – o alastramento da doença em si, o lockdown e sua extensão, o aumento do desemprego, a perspectiva de elevada mortalidade de muitas empresas, etc. – surgiu algo que parecia estar em vias de desaparecer depois da aprovação da reforma da Previdência ano passado: dúvidas acerca da sustentabilidade da trajetória da dívida pública. 
 
Ao invés de uma dívida bruta que aumentaria até em torno de 80% do PIB e em breve começaria a declinar como proporção do PIB, passou-se a lidar com uma variável que ameaçava ir além de 100% rapidamente e, mesmo num cenário favorável, só começaria a cair em relação ao PIB para o final da década de 2020. E, se as coisas dessem errado e novas reformas se frustrassem … bom, nesse caso era melhor não pensar nas consequências.

Em tais circunstâncias, o Brasil recriou, para uma inflação esperada da ordem de 3% a.a. um ambiente parecido, mal comparando, ao que se vivia quando a inflação era de 3% ao dia, no final do Governo Sarney. Ninguém em sã consciência imagina um “calote” do Governo no curto prazo mas, ao mesmo tempo, ninguém que conheça a situação fiscal botará a mão no fogo afirmando que é inteiramente certo que a dívida voltará a cair como fração do PIB antes de 2030.

 
Frente a este quadro, o que os detentores de títulos fizeram? O mesmo que em 1989. Ter títulos públicos é bom, desde que seja possível se desfazer deles rapidamente quando, como dizem os argentinos – calejados em calotes – las papas queman. Ocorreu então o “empinamento” da curva de juros: não há problema em que os juros curtos diminuam e até mesmo em que eles se tornem negativos em termos reais. Já emprestar ao Governo a prazos longos (20 ou 30 anos) é outra história – e sai caro.
Chegamos assim à situação atual. O PIB cairá provavelmente entre 6% e 7% este ano, e faz todo sentido imaginar que, neste ambiente, o investimento desabará em torno de 15%. Nada será mais importante para o país em 2021 que voltar a crescer a um bom ritmo. E nada será melhor para sustentar o crescimento de 2022 em diante que ele seja liderado pelo investimento. Caso contrário, teremos novo “vôo de galinha” com as restrições de sempre: escassez de plantas a serem ocupadas e de máquinas a serem utilizadas. 

Nesse contexto, o que acontece com o arranjo institucional que, por uma combinação zodiacal única, era impossível prever quando o país aprovou a TLP? O Governo, na margem, caminha para se endividar a uma taxa média nominal entre 2% e 3%, enquanto o seu principal fator de alavancagem de investimento indexa seus empréstimos a uma taxa nominal da ordem de 5%. Isso soa estranho. O prazo médio de emissão de pré-fixados, que em 2019 era de mais de 3 anos, caiu para menos de 2 anos recentemente. As emissões de NTN-Bs, que estavam se tornando relevantes até poucos meses atrás, se tornaram menos de 10% das emissões de títulos, na margem. Vender títulos longos? Eis uma tarefa árdua nos últimos tempos. O Governo tende a se endividar, basicamente, em LFT – cujo prazo não conta, uma vez que, se os juros tiverem que subir rapidamente não geram perda de capital – e prefixados de vencimento muito curto e juros baixos. Em outras palavras, exatamente no momento em que o país precisa se preparar para o pós-covid, para retomar a agenda do investimento, iremos aplicar à principal taxa de referência para este um plus em relação ao custo médio de endividamento do Tesouro.

 
Ou seja, com o financiamento, na margem, se dando em LFTs e LTNs curtas, o custo médio nominal do endividamento público será cada vez mais próximo da SELIC, que está a caminho de 2%, quando o da TLP tende a ficar em torno de mais de duas vezes isso. É uma distorção. Não faz sentido o Tesouro ter um lucro extra com as operações do BNDES – um “subsídio ao contrário” – quando o investimento se aproxima do piso histórico.

Diante do exposto, há uma proposta simples a adotar: o Governo publicar uma MP que altere a TLP, de modo a que o componente real desta – atualmente de pouco mais de 2% – ao invés de ser baseado no vértice de 5 anos das NTN-Bs, o seja em função da maturidade média das colocações do Tesouro, com um prazo mínimo de referência de 2 anos e um máximo de 5 anos, como o atual. Assim, todo começo de novembro o BC informaria, com base na duration média das emissões de títulos nos 12 meses anteriores, se o vértice ao qual seria aplicado o fator “alfa” da fórmula – hoje em 0,74 – incidente sobre a taxa real da NTN-B seria de 2, de 3 ou de 5 anos. Esse prazo seria utilizado de janeiro a dezembro do ano posterior. A mudança permitiria “desinchar” a TLP real em 1%, o que faz toda a diferença e poderia ser um item importante de uma agenda positiva para 2021. É claro que será importante evitar que, na esteira do envio da MP, o plenário depois distorça a proposta, mas assim como o relator da MP da TLP abortou em 2017 as emendas que mutilariam a MP, não é nada que uma boa articulação parlamentar não possa contornar.

A proposta teria um ingrediente que faz sentido: caso já vigorasse, em momentos como o atual, com a economia no chão e o Governo se financiando no curto prazo e tendo uma política monetária expansionista, o prazo médio tende a ser menor e o custo do investimento tenderia a cair, pois a taxa curta e baixa afeta a ETTJ, tornando a TLP mais próxima das taxas curtas que das longas. Com a economia se recuperando, a tendência é que o ciclo de juros aponte para uma alta e o prazo de referência retorne a 5 anos, com uma TLP maior. Seria um instrumento anti-cíclico. É o que as circunstâncias recomendam.

 
Fabio Giambiagi é economista e funcionário de carreira do BNDES.  Este artigo reflete uma opinião pessoal e não necessariamente a posição do banco.