Ao longo de 15 anos, Claudio Roberto Ely transformou a pequena Drogasil numa das empresas mais respeitadas — e caras — da Bovespa.
Numa espécie de grand finale de sua gestão, ele ainda estruturou a fusão da Drogasil com a Raia, multiplicando o valor da empresa exponencialmente.
Em 2013, Ely deixou a Raia Drogasil e disse que ia ‘cuidar dos netos’, que moram em Porto Alegre. Parecia um descanso merecido para um dos melhores (e ainda pouco reconhecido) CEOs brasileiros — a aposentadoria de quem não tem mais nada a provar.
Para a sorte dos acionistas da Restoque — dona das marcas Le Lis Blanc Deux, Bo.Bô, John John e Rosa Chá — Ely não viu muita graça nem no descanso, nem na carreira de avô. Na semana passada, ele assumiu o cargo de CEO da empresa, que acaba de fazer uma fusão com a Dudalina.
“Descobri que os netos têm vida própria,” diz o executivo de 66 anos. “Eles te adoram, mas o primeiro amiguinho que passa, eles te trocam por ele.”
A fusão da Restoque com a Dudalina, em outubro do ano passado, criou uma empresa com um valor de mercado, à época, de 3,4 bilhões de reais. A fusão fez bem à Restoque: encolheu dramaticamente a dívida da empresa e gerou um benefício fiscal de 1,5 bilhão de reais, reduzindo os impostos que a empresa terá que pagar nos próximos anos.
Mas essa foi a parte fácil. Agora, em meio a uma economia claudicante, Ely terá que casar duas companhias com culturas diferentes no altar da harmonia operacional, de forma que o valor da nova empresa seja maior do que apenas a soma das partes.
Por exemplo: o novo CEO vai tentar aproveitar as lojas multimarcas que vendem Dudalina — onde a marca faz 70% de seu faturamento por meio de 4.500 pontos de venda — para aumentar as vendas da Restoque, que ainda explora mal este canal. Outra avenida para criar valor que pode ser explorada: usar as seis plantas da Dudalina para fabricar roupas para as marcas da Restoque.
Finalmente, Ely vai ter que unificar as áreas administrativas das duas empresas, conseguir melhores acordos com fornecedores, otimizar os gastos com marketing e logística, e azeitar a supervisão das lojas, que têm imagens (e até aromas) próprios.
“A Dudalina não tem know-how de operar varejo, ela é uma empresa com DNA industrial,” diz um analista do setor. “Além disso, a Dudalina é praticamente uma empresa monoproduto — até recentemente ela só fazia camisas — e vende um produto caro, que pode já ter batido no teto. Eu não sei se as pessoas estão dispostas a pagar caro pela percepção de valor da marca.”
Mas para este e vários outros analistas ouvidos por VEJA Mercados , “as chances da empresa dar certo agora, com o Ely, são maiores do que antes.”
Os acionistas da Restoque torcem para que Ely repita a trajetória de outro gaúcho — José Galló, o CEO da Renner — cuja performance tem ignorado solenemente os problemas na economia. Nos últimos doze meses, a ação da Restoque está em alta de 25%, a segunda melhor performance do varejo nacional, atrás apenas da Renner, que sobe 60%.
Assim como a Renner, a Restoque hoje é uma corporação de capital pulverizado — ou seja, nenhum acionista controla individualmente a empresa. Os fundos de private equity Warburg Pincus e Advent têm, cada um, 21% da companhia. Os ex-controladores, Márcio Camargo e Marcelo Lima, têm juntos 27,5%. A família Hess, que era dona da Dudalina, tem 7%.
“Até recentemente, o esporte preferido do mercado era falar mal da Restoque, porque a empresa cresceu muito rápido sem testar os modelos de lojas e quebrou a cara,” diz um gestor. “Com o Claudio Ely, vem a expectativa de que ele possa repetir o sucesso que teve na Drogasil.”
Considerando-se o histórico de Ely, não há por que duvidar. Quando ele assumiu a Drogasil, em 1998, a empresa tinha um valor patrimonial de 60 milhões de reais e pouca liquidez na Bolsa. Em 2013, quando ela se juntou à Raia, a soma do valor de mercado das duas empresas era de 3,3 bilhões de reais. Hoje, a Raia Drogasil vale 12 bilhões de reais. “O Ely deixou a empresa melhor do que a encontrou, e conseguiu perenizar o negócio,” diz um empresário do varejo.
Na Drogasil, em vez de grandes aquisições, Ely focou no crescimento orgânico. Em vez de prometer demais, entregava a mais. Cobrava duro dos executivos e se envolvia nos detalhes da operação, frequentemente distribuindo pérolas de sabedoria (veja abaixo).
Ely não é o primeiro CEO de farmácias a tentar fazer bonito no mundo da moda. Glenn Murphy, que acaba de deixar a Gap depois de sete anos, foi recrutado da Shoppers Drug Mart, a maior rede de drogarias no Canadá, onde foi chairman e CEO por seis anos. Murphy fez um bom trabalho: pegou uma Gap desacreditada e a colocou nos trilhos. No entanto, não resolveu o problema fundamental da empresa, que é tornar suas coleções tão interessantes quanto as de novos concorrentes, como a Uniqlo. “A Gap vende a mesma coisa há 20 anos, ela se perdeu no conceito,” diz um analista que acompanha a empresa.
Esse não parece ser o problema da Restoque, mas é um lembrete de que, entre vender moda e medicamentos, ‘uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.’
‘Elyanas’
Pílulas de sabedoria de Claudio Ely (*anotadas há anos no caderno do repórter)
Não adianta ter loja longe. Você tem que ter ‘clusters’.
A frustração varia com o cubo da expectativa.
Existem empresas conservadoras e as quebradas.
Tenho que gerar valor para a empresa, não para o acionista.