A Smiles anunciou ontem um acordo com a Rocketmiles, a plataforma de reservas de hotéis da Priceline, a maior agência de viagens online do mundo e dona do Booking.com.
O que aparenta ser um acordo despretensioso — dos muitos que são anunciados toda semana — tem implicações estratégicas importantes e pode sinalizar um caminho para as empresas de fidelidade se tornarem menos dependentes das empresas aéreas (suas controladoras e fornecedoras de passagens) e dos bancos, que têm enorme poder de barganha como os maiores compradores de pontos.
Na luta (contínua e talvez inglória) para reduzir a relevância das aéreas em seu mix de troca de pontos, Multiplus e Smiles têm atirado para todos os lados, criando parcerias com quem aparecer na frente — de supermercados como o Pão de Açúcar a vendedores de calçados como a Netshoes.
Mas o tiro dado ontem pela Smiles foi mais certeiro, e por uma razão simples.
“A percepção de valor do consumidor ao trocar pontos por viagens é muito maior, porque a experiência de viajar é muito maior do que trocar pontos por uma torradeira,” diz um investidor que acompanha o setor.
Quando comparados às passagens aéreas, os outros prêmios oferecidos pelos programas de fidelidade têm relações de troca tão desfavoráveis que lembram o velho quadro do Programa Silvio Santos em que Silvio perguntava a um participante isolado de dentro da cabine, ‘você troca este carro zero por uma geladeira usada?” O participante, obviamente, não tinha o áudio da pergunta, e respondia com um sonoro ‘Siiimmmmm’.
O CEO da Smiles, Leonel Andrade, parece ter uma visão clara da direção que o setor deveria tomar.
“Queremos deixar de ser uma empresa de fidelidade e nos tornar uma empresa de turismo,” ele disse ao Brazil Journal. “Daqui a três anos, quando uma pessoa for tirar férias, eu quero que ela resolva tudo no site da Smiles. Quando eu tirei férias recentemente, tive que lidar com sete ambientes diferentes: reservei a passagem no site da Smiles, o hotel no site do hotel, um cruzeiro marítimo por uma operadora, o trem no site da companhia de trem e o show no site da Ticketmaster.”
A Rocketmiles dá acesso a mais de 400 mil hoteis, e o usuário recebe de volta parte do valor gasto com a diária na forma de milhas. “Estamos focando no cliente como viajante,” diz Andrade.
Fundada por ex-consultores da McKinsey há apenas três anos, a Rocketmiles é uma startup com um modelo de negócios diferente. Enquanto a regra das operadoras de hotel é trabalhar com uma comissão de 20%, a Rocketmiles devolve 80% de sua comissão para os clientes na forma de milhas. A empresa não investe em publicidade e tem 45 acordos com programas de fidelidade em todo o mundo.
A Priceline viu a Rocketmiles como uma ferramenta para competir com os programas de fidelidade dos hotéis, e comprou a empresa no início de 2015 por US$ 20 milhões, segundo o The Wall Street Journal (a Priceline nunca confirmou o preço).
No ano passado, a Smiles analisou a compra da CVC, a maior operadora de turismo do Brasil, mas, segundo nossos colegas do Estadão, a transação esbarrou num risco importante: como a CVC depende de parcerias com todas as empresas aéreas, ela poderia perder poder de negociação com as concorrentes da Gol (LATAM, Azul e Avianca) se fosse adquirida pela Smiles.