Numa das trocas de CEO mais mal comunicadas da história recente, a Azul mudou as atribuições de seu fundador, David Neeleman, mandou seu CEO para Portugal e promoveu dois veteranos que estão na companhia desde sua fundação.
Como a lei que limita a participação do capital estrangeiro nas aéreas ainda não mudou, a Azul fez as coisas de forma a permitir que John Rodgerson, um cidadão americano, assuma de fato a operação, mas sem ocupar o cargo de Antonoaldo Neves, que deixa a companhia.
Como Rodgerson é americano, o artigo 181 do Código Brasileiro de Aeronáutica impede que ele assuma o cargo de Antonoaldo, de CEO da Azul Linhas Aéreas, a detentora da concessão. O inciso III do artigo 181 diz que a concessão somente será dada à pessoa jurídica que tiver “direção confiada exclusivamente a brasileiros.”
Ao invés disso, Rodgerson, que até agora era o CFO da Azul, assumiu a presidência da Azul SA, a holding listada na Bolsa. Até agora, o cargo era ocupado por Neeleman, que tem dupla cidadania por ter nascido no Brasil, e que na Azul SA acumulava as funções de chairman e CEO.
Mas em suas comunicações com o mercado, a Azul teve que usar um contorcionismo verbal para explicar que, “na prática”, Rodgerson está substituindo Antonoaldo. Ex-consultor da McKinsey, Antonoaldo se juntou à Azul na fusão com a Trip e está indo embora menos de quatro meses depois do IPO. Ele assumirá um assento no conselho de administração da TAP, a aérea portuguesa na qual Neeleman é investidor.
Rodgerson trabalha com Neeleman desde 2003. Foi diretor de planejamento e análise financeira da JetBlue, outra companhia fundada por Neeleman, e peça-chave no processo de levantar capital para a Azul.
Alex Malfitani, que já foi responsável pelas relações com investidores e nos últimos três anos comandava o programa de fidelidade TudoAzul, substituiu Rodgerson como CFO. Antes da Azul, Malfitani foi diretor de tesouraria da United Airlines e gestor de fundos de investimento no Deutsche Bank.
Quinta-feira passada, ainda como CFO, Rodgerson conversou com os analistas do Santander.
Num relatório para clientes, o banco disse que o executivo enfatizou o crescimento do TudoAzul, que deve se beneficiar da maior oferta de assentos decorrente da entrada em operação dos Airbus A-320, que substituem os Embraer em rotas mais longas dentro do Brasil.
Rodgerson também disse que o mercado doméstico segue ‘disciplinado’ — com os poucos players defendendo suas margens — e que por concentrar seus hubs em Campinas e Confins, a empresa não deve ser afetada por eventuais aumentos de oferta por parte da concorrência, principalmente a Avianca.
O Santander saiu da conversa acreditando que a empresa está no caminho para entregar o prometido no guidance para o ano de 2017 (de 9% a 11% de margem Ebit). Obviamente, a queda do preço do petróleo e o real mais forte também contam a favor.
A comunicação da mudança chamou atenção pela escolha cuidadosa de palavras, mas não deixa dúvidas de que Neeleman continua sendo o ‘big boss’ da Azul.
No comunicado ao mercado, quando fala do novo posto de Antonoaldo, Neeleman faz questão de dizer que é um desafio “para o qual o convidei.” E, mesmo quando expressa sua confiança no management, o fundador afirma que continuará “intimamente envolvido no dia a dia dos negócios da companhia, ajudando a tomar as decisões estratégicas.”
A frase revela a ambiguidade da situação de Neeleman, dono de um histórico imbatível como fundador serial de empresas, mas com um histórico de gestão menos reluzente.
A confusão de papeis ficou expressa nas manchetes dos jornais. Para o Valor, “Neeleman será chefe da Azul Brasil; na prática, Rodgerson vai comandar,” enquanto, para a Folha, “Fundador da Azul deixa presidência da empresa.”