No final do ano passado, a Cosan levantou R$ 1,3 bilhão vendendo direitos creditórios referentes a ações judiciais para investidores sofisticados como o Farallon Capital Management e a Jus Capital. Eram causas que se arrastam há anos, e a Cosan encontrou investidores dispostos a pagar na frente e esperar para receber o valor de face: R$ 3,5 bilhões.
A operação foi apenas a ponta mais visível de um mercado bilionário que está ganhando cada vez mais liquidez e atraindo novos players.
Num Brasil de Selic a 6%, os ativos judiciais incontroversos — ações que já transitaram em julgado e têm valor definido — têm sido negociados com um retorno anual para o investidor de 13% a 15% acima da inflação. Causas controversas — cujo mérito já foi decidido mas o valor ainda está sub judice — rendem ainda mais: de 15% a 25% ao ano, e envolvem estruturas mais complexas que dividem o risco entre o vendedor e o comprador.
Estes retornos selvagens num mundo de taxas domesticadas têm atraído family offices e investidores institucionais em busca de maior performance em seus portfólios.
Mas, com a Lava Jato colocando na cadeia alguns dos maiores empresários do País e até um ex-presidente, os investidores internacionais também estão olhando este mercado com novos olhos. “O sistema jurídico brasileiro está se tornando confiável. Por um lado, muitos casos antigos estão maturando e mostrando que o sistema demora mas funciona, e a prisão do Lula e do Marcelo Odebrecht também ajuda,” diz uma fonte que participa do mercado.
De longe, o maior segmento do mercado de ativos judiciais é aquele formado por ações indenizatórias movidas contra a União na qualidade de sucessora do Instituto Brasileiro do Açúcar e do Álcool, o IAA. Nos anos 80, o IAA fixou os preços do açúcar e do álcool abaixo de seu custo de produção, gerando prejuízos bilionários a usineiros do Sudeste e Nordeste. Para os usineiros, a Justiça tardou mas não falhou, e acabou gerando um estoque estimado em R$ 150 bilhões de indenizações em vários estágios de trâmite na Justiça.
A crescente demanda por papeis judiciais está criando intermediadores de nicho: investidores dizem que a casa mais ativa em originar legal claims tem sido a Makalu Partners, cujos sócios são Luiz Prado, que montou a boutique ano passado depois de trabalhar no turnaround operacional e na reestruturação da dívida das Usinas Itamarati; Gustavo Tachibana, ex-Rothschild; e Victor Mello, ex-banqueiro do Bradesco BBI.
A Makalu fez um acordo operacional com a Czarnikow, uma trading company londrina que negocia cerca de 10% de todo açúcar no mundo. A Czarnikow abre as portas de seus fornecedores para a Makalu, que empacota as ações judiciais e busca investidores. Prado disse ao Brazil Journal que a firma tem mandatos para vender cerca de R$ 16 bilhões em ativos judiciais, a grande maioria relativos ao IAA.
O Brasil já teve ondas anteriores de monetização de créditos judiciais. Entre 2006 e 2009, investidores como o Deutsche Bank, Spinnaker, Oppenheimer e Fortress foram ativos no mercado, comprando principalmente ativos judiciais públicos contra o governo federal, como precatórios e pré-precatórios contra o IAA. Num segundo momento, após 2012, o mercado teve como principais compradores a Jive Asset Management, que acaba de levantar um fundo de R$ 1,2 bilhão; a Canvas Capital, do ex-CEO do Credit Suisse Antonio Quintella; a Jus Capital, que comprou os créditos da Cosan; e um fundo de investimentos do banqueiro José Safra.
Mas desde o ano passado, pesos-pesados internacionais estão cada vez mais colocando cheques na mesa, atravessando e dando mais liquidez a um mercado onde antes todos os players se conheciam. Os novos entrantes incluem o Elliott Associates — o fundo abutre mais agressivo do mundo, que confiscou um navio da Marinha argentina para pressionar pelo pagamento da dívida — e uma lista de fundos americanos como OakTree; Aurelius, que se envolveu recentemente na briga da Oi; Lone Star Funds; e o CarVal, hedge fund cujo maior cotista é a Cargill.
Por trás do robustecimento do mercado: um Judiciário que está ficando mais previsível com a maturação de teses jurídicas. “Nada é livre de risco, mas quando você consegue mensurar o risco, você consegue precificá-lo,” diz Fabio Ozi, sócio da prática de contencioso e arbitragem do Mattos Filho. “No passado, se um cliente me perguntasse ‘qual a chance de eu ganhar essa causa considerando a jurisprudência atual?’, eu simularia um infarto, porque não tinha como responder essa pergunta com nenhum grau de segurança.”
Mas as coisas estão mudando para melhor. Com a reforma do Código de Processo Civil em 2015, o precedente passou a ter importância muito maior no Direito brasileiro. Antes, um juiz podia considerar o precedente ou simplesmente criar uma nova tese. “Agora o precedente é vinculante, tem que ser observado, e se o juiz quiser tomar uma posição diferente ele tem que embasá-la,” diz Ozi.
Outro avanço da reforma do CPC foi o fortalecimento do instituto da ‘repercussão geral’, pelo qual as cortes superiores podem decidir um caso que se repete em milhares de varas e fazer com que aquela decisão valha para todos.
Mas enquanto o Judiciário avança, as barbeiragens do Poder Executivo garantirão o fornecimento de matéria-prima para o mercado de ações judiciais por muito anos. A safra de ações que provavelmente serão decididas em 2028 está sendo semeada agora: empresas de etanol estão indo à Justiça contra a União pelos prejuizos sofridos quando o Governo Dilma manteve os preços da gasolina abaixo do mercado internacional, inviabilizando o etanol e jogando uma pá de cal num setor que já andava cambaleante. Acionistas da Eletrobras e da Petrobras — que também se estreparam no governo passado — podem engrossar o pipeline.
A lição é simples, e deve ser lembrada em ano eleitoral: quanto maior for o Estado e mais intervencionista for o Governo, mais prejuízos eles causam, gerando mais oportunidade de lucro para os grandes investidores.
Siga o Brazil Journal no Instagram e no YouTube.