Depois de fundar três startups da nova economia, Josué Gomes de Alencar resolveu abraçar a velha.
Mergulhou no negócio da família — a Springs Global — onde está desenvolvendo a operação de e-commerce da tradicional fabricante e varejista de cama, mesa e banho, dona das marcas Artex, Santista, MMartan e Casa Moisés.
Neto do fundador — o ex-vice presidente da República José Alencar — Josué entrou na empresa há três anos a convite do pai, o CEO da empresa. Trouxe com ele cinco funcionários da Experience, sua última startup.
Os resultados estão começando a aparecer.
As vendas do e-commerce passaram de apenas R$ 15 milhões em 2017 para R$ 50 milhões ano passado e devem fechar este ano em mais de R$ 100 milhões. Hoje, o e-commerce já responde por 18% das vendas do negócio de “varejo” da Springs, que engloba 230 lojas (a maior parte franquias) e o e-commerce. A Springs opera também no “atacado”, com a venda de seus produtos para 30 mil lojas multimarcas — essa unidade responde por 82% da receita.
O envolvimento de Josué é parte da tentativa da Springs, uma empresa de 53 anos, de se reinventar como uma holding de marcas do varejo de cama, mesa e banho. “Nascemos só como indústria, mas agora nosso foco é ter uma visão mais centrada no consumidor final”, Josué disse ao Brazil Journal. “Queremos atender melhor e dar uma experiência mais completa para esse cliente.”
A mudança passa pelo investimento no e-commerce, mas também pelo lançamento de novas categorias e uma melhor experiência nas lojas, agregando serviços como o click & collect — hoje, 40% dos pedidos do e-commerce já são retirados nas lojas, gerando vendas adicionais.
A Springs também tem melhorado seu balanço, com uma redução significativa da dívida líquida.
Em dezembro, a empresa vendeu sua operação nos Estados Unidos por US$ 126 milhões — recebendo US$ 90 milhões em cash e o restante em ações da Keeko, a compradora. A companhia brasileira ficou com 17% da americana.
A venda resolveu um problema histórico da Springs: seu alto endividamento. A dívida, que chegou a quase R$ 900 milhões no final de 2018, deve cair para cerca de R$ 500 milhões em 2020. Além da venda de ativos, a Springs se beneficia do ganho de causa sobre a cobrança indevida do PIS/Cofins sobre ICMS.
Com quase 50% de share em produtos de cama, mesa e banho, “a Springs tem o potencial de ser neste setor o que a Ambev é para a cerveja ou a Souza Cruz é para os cigarros,” diz um gestor que investe no papel.
Os comprados apontam para o avanço da geração de caixa para dizer que a empresa está barata. Este ano, a companhia deve fazer um EBITDA de R$ 200 milhões, número que sobe facilmente para R$ 300 milhões em dois anos.
“Assumindo um múltiplo de 8 vezes e tirando as dívidas, a Springs valeria R$ 2 bilhões,” diz outro gestor. Hoje, o valor de mercado da companhia está abaixo de R$ 600 milhões. Desde o low, em 2016, o papel já se multiplicou por seis, passando de R$ 2 para R$ 12.
O contraste entre as duas realidades da Springs é palpável.
Em sua sede, um prédio ao lado do Banco Central, na Avenida Paulista, há praticamente dois mundos paralelos. No primeiro andar, que abriga a área comercial, a impressão é de estar num galpão industrial dos anos 90. Quatro andares acima, o ambiente lembra uma startup do Vale do Silício.
Ali se acomodam mais de 100 funcionários — a maioria com 20 e poucos anos e menos de um ano de casa — que se dividem em células independentes focadas em criar soluções de ecommerce, redes sociais, marketing digital, e outras áreas de tech.
Foi dali, por exemplo, que surgiu o PIX — acrônimo para ponto de incríveis experiências — liderado por Josué. A solução, uma das grandes sacadas da Springs, permitiu desenvolver o e-commerce sem gerar atrito com os franqueados, que poderiam enxergar o canal como um competidor.
Na prática, a plataforma integra as lojas e o e-commerce e permite que os franqueados recebam as vendas virtuais de duas formas: ou fazendo a entrega direto da loja, como uma espécie de hub logístico, ou servindo de ponto de retirada para o consumidor, no modelo de click & collect. É o franqueado que fatura a venda, expede e fica com a margem.
“O PIX funciona como o Uber: quando recebemos um pedido do e-commerce viramos pra nossa rede de lojas e o software analisa quem tem o produto, quem tem o custo logístico mais competitivo e quem conseguiria entregar mais rápido,” diz Josué.
O resultado: os franqueados estão comprando mais da Springs, já que estão vendendo num canal que não tinham antes, o que tem aumentado a utilização de capacidade da indústria, que havia despencado na crise.
A Springs já tinha uma loja virtual, de sua marca MMartan. Mas o e-commerce estava esquecido e tinha uma representatividade pífia. Em 2017, Josué lançou uma nova plataforma da marca, abriu o e-commerce da Artex, e, um ano depois, lançou o site da Santista.
Recentemente, inaugurou uma plataforma B2B — chamada Do Ramo — que vende produtos próprios e de terceiros para pequenos e médios negócios (salões de beleza, hotéis e restaurantes).
A Do Ramo ainda não é um marketplace: a Springs vende suas marcas e compra produtos de terceiros revendendo com uma pequena margem. Mas conforme ganhe tráfego, a ideia é que o site migre para o modelo 3P.
A Springs também está se preparando para entrar em novas categorias, ampliando seu mercado endereçável. Nos próximos meses, vai começar a vender colchões, num modelo de bed-in-a-box, que ganhou visibilidade no Brasil com startups como a Zissou. Os colchões são prensados a vácuo e entregues dentro de uma caixa. Segundo Josué, os preços serão bem mais competitivos que os oferecidos pelos players que operam hoje no modelo.
Outra plano: entrar na categoria de móveis, um mercado que movimenta R$ 50 bilhões/ano no País.
A Springs vai começar a vender sofás e poltronas modulares e personalizados. Os móveis também serão entregues numa caixa e o consumidor montará o produto em casa. O grande diferencial, no entanto, é a personalização: a Springs comprou um equipamento que permite customizar os produtos a custos comparáveis ao de produções em massa.
“Vamos conseguir fazer uma estampa personalizada com a foto ou o design do cliente com um custo que é competitivo em relação ao produto padrão que você encontra em qualquer loja. O consumidor vai poder escolher a estampa do sofá e depois trocar com a mesma facilidade com que troca uma capa,” diz Josué. “Esse equipamento que compramos só existem cinco iguais no mundo.”
O mercado ainda não está precificando as iniciativas da Springs. Apesar da valorização dos últimos anos, a empresa negocia com um desconto relevante em relação a seus pares (veja o quadro abaixo).
Mas o papel tem ganho liquidez. Hoje, gira uma média de R$ 1 milhão/dia, frente a menos de R$ 100 mil três anos atrás.