O Whatsapp no Brasil tem sido muito usado para compartilhar fake news.
Agora, o dinheiro também vai chegar por ali.
O aplicativo lançou hoje uma carteira digital que permite transferências de pessoa para pessoa, bem como o pagamento de compras, que serão processadas pela Cielo.
Mas o que à primeira vista parece o início de uma revolução no setor, nos moldes do que o WeChat fez na China, em segunda análise tem um impacto mais limitado.
É verdade que a escala do Whatsapp salta aos olhos: o aplicativo é usado diariamente por 130 milhões de brasileiros, ou mais da metade da população. Mas, pelo menos num primeiro momento, o mercado endereçável é bem menor.
A carteira digital só poderá ser usada por quem tem conta no Banco do Brasil, Sicredi e Nubank, e cartões das bandeiras Visa e Mastercard. Do lado dos lojistas, além de ter conta nesses bancos será preciso se cadastrar no Whatsapp for Business.
“A possibilidade de usar o Whatsapp como meio de pagamentos é fantástica, mas da forma como está desenhada agora vejo limitações grandes de uso,” diz Edson Santos, especialista em meios de pagamento com 21 anos de mercado. “Além disso, não acredito que vamos ter no Brasil um ‘superapp’ que vai abocanhar uma quantidade enorme de transações, como aconteceu na China com o WeChat.”
Isso sem falar no nível de adesão a um aplicativo controlado pelo Facebook, que tem enfrentado inúmeros escândalos de vazamento de dados. Em outras palavras, as pessoas confiam no Facebook com suas fotos de gatinhos e comentários políticos, mas não está claro que confiarão com seu dinheiro.
A transferência dos recursos também não será instantânea, como deu a entender o anúncio.
O app vai ficar disponível 24/7 e a comunicação será instantânea. “Mas a liquidação não. Escrituralmente pode estar no extrato, mas o dinheiro só vai estar disponível depois que passar pela CIP,” ou seja, a liquidação será em um dia (para débito) ou dois dias (para crédito), diz uma fonte próxima à empresa.
O PIX, o sistema de pagamentos que será lançado em novembro pelo Banco Central, será instantâneo, permitindo que em poucos segundos o valor já esteja na conta do recebedor.
Para a Cielo, apesar do acordo dar acesso à base gigantesca de usuários do Whatsapp, ele não parece ser transformacional: não há nenhum acordo de exclusividade, segundo apurou o Brazil Journal, e a única vantagem da Cielo é estar saindo na frente na largada.
“Quantas transações a Cielo vai conseguir capturar com isso? E quantos estabelecimentos comerciais ela vai conseguir atrair?,” questiona um executivo do setor. “Ainda é difícil saber.”
A ação da Cielo respondeu com euforia — a primeira boa notícia em muitos trimestres — disparando mais de 30% no início do pregão, e aumentando o valor de mercado da companhia em R$ 3 bilhões. O papel fechou o dia em alta de 14% a R$ 4,80.
Para o analista de uma gestora, a alta da ação foi exagerada e pode ter a ver com aspectos técnicos.
“Havia uma assimetria muito grande no papel, o que faz com que qualquer boa notícia gere uma alta expressiva. Além disso, hoje era dia de vencimento de opções e pode ter ocorrido também algum short squeeze,” diz ele, que tem posição comprada em Cielo.
Uma das dúvidas do mercado é por que o Bradesco, um dos controladores da Cielo junto com o Banco do Brasil, não entrou no negócio?
Segundo fontes do setor, o banco não participou porque estaria desenvolvendo sua própria carteira digital — nos moldes do Iti, do Itaú, e que deve ser lançada em breve com o nome de Bitz.
O Facebook disse que as transações peer to peer serão gratuitas, mas que os lojistas pagarão uma merchant discount rate de 3,99% nas transações processadas pelo aplicativo, tanto no crédito quanto no débito.
A taxa de débito é sensivelmente maior que o padrão praticado no mercado (a PagSeguro, por exemplo, cobra 2,39%), mas é ela que vai subsidiar o custo das transações P2P.
O movimento do Whatsapp aumenta a concorrência num mercado já disputado — milímetro a milímetro — por players como o PicPay (que tem mais de 20 milhões de usuários); Mercado Pago, do MercadoLivre; a Ame, da B2W; e o próprio Iti.
Quem talvez tenha mais a perder seja a PagSeguro.
“Considerando o tíquete baixo dos microempreendedores (os clientes da PagSeguro tem um TPV médio mensal de cerca de R$ 2 mil), as transações poderiam ser feitas peer to peer [na plataforma do Whatsapp] sem a cobrança da MDR e a necessidade de alugar/comprar uma maquininha,” escreveram os analistas do UBS em relatório divulgado hoje.