Por trás da venda do Biocor para a Rede D’Or existe um legado pouco conhecido fora do meio médico de Minas Gerais, mas que remete a um Brasil fundado sobre padrões de excelência — um exemplo a ser emulado num momento em que a ciência e a saúde precisam ser ainda mais valorizadas.
No espaço de uma vida, Mario Vrandecic adotou o Brasil como País, lutou uma guerra pelos Estados Unidos, inventou uma válvula cardíaca inovadora, treinou centenas de médicos e deixou um hospital de referência.
Filho de um croata católico que fugiu dos horrores da Segunda Guerra, Mario Vrandecic nasceu na Bolívia e se mudou para o Brasil com 15 anos para cursar medicina na Universidade Federal de Minas Gerais.
Em seguida, como queria seguir carreira na cirurgia cardíaca — uma especialidade ainda muito atrasada no Brasil dos anos 60 — Mario rumou para os EUA, onde passaria os próximos 11 anos.
Mas havia uma guerra no meio do caminho: o Vietnã.
Pouco depois de chegar, Mario foi recrutado para servir como oficial médico do exército numa base americana na Coréia do Sul. “Naquela época, os estudantes internacionais eram obrigados a ir para a guerra, ou então eram tachados de desertor e tinham que sair do país,” lembra a filha, Erika.
Mario chegou a major, e mais tarde o Governo Nixon reconheceu seu trabalho.
Foram dois anos na guerra, e, na volta aos EUA, mais dois anos de cirurgia geral, dois de vascular, e enfim a especialização em cirurgia cardíaca.
Foi ali, trabalhando num hospital de campanha de quase 500 leitos, que Mario pela primeira vez se imaginou administrando um hospital.
Na volta ao Brasil, Mario inventou uma válvula biológica inovadora, cujo desenho aumentava sua hemodinâmica, e que durava mais. O nome comercial: Bioprótese Biocor.
A St. Jude Medical — referência mundial de válvula mecânica, mas que não tinha uma linha de válvula biológica de sucesso — acabaria comprando a patente em meados dos anos 90.
Cinco anos atrás, a St. Jude foi vendida para a Abbott, mas ainda fabrica as válvulas em Belo Horizonte, de onde exporta para o mundo inteiro.
Com o dinheiro da venda de suas próteses e cirurgias, Mario primeiro abriu um hospital modesto, de 12 leitos, em 1985. Era a origem do Biocor. (Mario mais tarde investiu os recursos da venda para a St Jude para construir mais dois prédios e transformá-lo num hospital de alta complexidade.)
O fundador também ficou conhecido por seu lado humano: visitava os pacientes do hospital de domingo a domingo.
Mario morreu em 11 de setembro de 2019, aos 75 anos. Sua esposa, Heloísa, ainda trabalha no Biocor. A filha Erika é cardiologista, especializada em CTI, pediatria, e ecocardiograma. Seu irmão, Ektor, é cirurgião geral e cardiovascular.
Nos últimos dois anos, os filhos de Mario ampliaram e modernizaram todo o hospital, mantendo o legado do pai vivo. O novo Biocor está sendo entregue este mês. As 11 salas de cirurgia se tornaram 19.
Mario fundou o Biocor em Nova Lima quando tudo ali era mato. Hoje, o município é um hub de condomínios de alto padrão, startups e a nova fronteira de crescimento da Grande Belo Horizonte. Estudos da Prefeitura mostram que o Biocor desviou o vetor de expansão de BH.