A política de covid zero e o fim do boom na construção civil derrubaram o crescimento chinês — que continuará fraco nos próximos meses.
Para piorar: as medidas restritivas à circulação no país não devem ser relaxadas antes de abril, depois do encerramento do ciclo político na segunda maior economia do planeta.
Essa é a avaliação de Arthur Kroeber, diretor de pesquisa da consultoria Gavekal, uma das fontes mais influentes de informações sobre a economia chinesa.
Para as exportações brasileiras, a queda na construção civil deverá representar menor demanda por minério de ferro. O cenário para os alimentos, entretanto, segue positivo.
“Há na China um desejo de consumir alimentos de melhor qualidade,” Kroeber disse ao Brazil Journal. “Vejo muitas oportunidades para o setor agrícola, seja em soja ou em proteínas.”
Kroeber, autor do livro “China’s Economy: What Everyone Needs to Know”, acompanha o país por dentro desde 2002, quando fundou em Pequim o serviço de análises Dragonomics. Vive atualmente entre a capital chinesa e Nova York.
Em sua opinião, pode ser prematuro afirmar que as multinacionais reduzirão de fato os seus investimentos na China, apesar da piora na confiança em relação ao país ocorrida nos últimos meses. “Vejo uma divergência entre o que os executivos falam e o que as estatísticas mostram.”
A seguir, os principais trechos da conversa:
Os três principais motores da economia mundial, que são os Estados Unidos, a Europa e a China, enfrentam dificuldades. Qual o cenário base da Gavekal para os próximos meses?
Os EUA provavelmente estão caminhando para uma recessão. A questão é o quão profunda e por quanto tempo. Uma preocupação é que, embora os preços do petróleo tenham recuado bastante, todo o resto dos componentes do índice de preços não está caindo tanto. O Fed vai ter que fazer um pouco mais, em termos de aperto monetário, para manter a inflação sob controle de forma sustentável.
A Europa está definitivamente caminhando para uma recessão e muito disso tem a ver com os efeitos negativos da invasão russa da Ucrânia. Por fim, o terceiro maior motor da economia global, a China, passa por um momento de dificuldades.
Quais os principais fatores que ameaçam o crescimento chinês?
Vou destacar dois que considero os mais relevantes.
Os chineses têm um problema do lado da demanda, resultado de suas políticas de controle da Covid, que restringem a mobilidade e os serviços ao consumidor. Isso levou a um declínio na confiança do consumidor. Em nossa opinião, as políticas restritivas deverão permanecer em vigor pelo menos até abril do próximo ano.
Mas talvez o maior problema seja o mercado imobiliário, que está em uma recessão histórica. O governo vê a necessidade de uma reestruturação, porque a era do crescimento perpétuo das vendas acabou. Querem criar um setor imobiliário mais consolidado e financeiramente estável.
Para chegar lá serão necessários alguns trimestres. Haverá uma recuperação bastante modesta e, do ponto de vista de commodities, houve uma superprodução de aço. Não ocorreram ajustes em linha com o ritmo da construção. Vemos um desafio para o mercado de minério de ferro.
A China continuará crescendo, mas de maneira mais fraca. Algo como 3% ou 3,5% neste ano e 4% a 4,5% no próximo.
Uma grande diferença é que a China não está lutando contra um problema de inflação, ao contrário dos EUA e da Europa. Tem mais margem de manobra. Mas eles não querem aumentar muito o endividamento.
Por que, ao contrário da maior parte dos países, a China ainda não relaxou as restrições em sua política de combate à Covid?
A maioria dos outros países aceitou que haveria um número significativo de internações e muitos morreriam. É assim que o mundo funciona. A maioria dos países está agora confiante de que pode reabrir a economia sem correr o risco de um colapso nos hospitais.
A China seguiu a política de zero Covid por duas razões. A credibilidade política do governo está em jogo, então Xi Jinping definiu essa orientação para o controle da pandemia. Além disso, existe uma preocupação quanto a qualidade do sistema de saúde pública fora das grandes cidades.
O debate agora entre os analistas é quanto dessa rigidez se deve ao ciclo político. Teremos o Congresso do Partido Comunista, que deve ocorrer em outubro ou novembro. Xi Jinping quer demonstrar que sua estratégia foi vitoriosa.
Alguns acreditam que, após o congresso, o governo poderá relaxar os controles. Somos mais cautelosos quanto a isso. A temporada política não termina em novembro. Ela se estende até março, quando ocorre o Congresso Nacional do Povo, em Pequim. Haverá muitas pessoas viajando de diferentes partes do país. É uma parte importante da transição, quando novos funcionários assumem seus postos no governo.
Por isso não acreditamos num grande relaxamento das restrições antes de sete ou oito meses.
Temos visto notícias de agitação social na China – protestos contra os lockdowns e agora dos compradores de imóveis não entregues pelas construtoras. São eventos isolados ou estamos diante de algo que possa colocar o regime sob ameaça?
Não vejo o regime sob ameaça. São eventos isolados.
Entre as elites, pessoas cujos filhos estudam nos Estados Unidos e acostumadas a tirar férias no exterior, há queixas sobre o quão inconveniente e caro ficou viajar, coisas do tipo. Mas a grande massa da população aceita a situação relativamente bem.
Os chineses olham para os Estados Unidos e dizem: como um governo pode permitir que 1 milhão de pessoas morram dessa pandemia? Elas se sentem mais seguras na China. Aceitam a narrativa oficial de que o país lida com a situação melhor do que outras sociedades. Precisamos distinguir entre visões de elite, que são muito negativas, e visões mais amplas, mais tolerantes.
Se pensamos na narrativa de legitimidade do Partido Comunista, ela é baseada em sua capacidade de fornecer governança eficaz. Não apenas aumentando a renda, mas também limpando as ruas, fornecendo um bom serviço de trens e aviões, boas oportunidades educacionais. Eles precisam manter o monopólio do poder, e, portanto, o controle da pandemia é usado como exemplo de governança eficaz.
Os protestos dos compradores de imóveis foram de fato uma surpresa. O governo certamente vai agir. Não querem ter uma situação em que as pessoas simplesmente se levantem e se revoltem, recusando-se a pagar as prestações dos imóveis ou de suas hipotecas.
Diante das forças negativas contra o crescimento econômico, o que esperar do governo? Mais dinheiro para a infraestrutura?
Sim, vão antecipar o dinheiro previsto para os projetos de infraestrutura. Autorizaram os governos locais a emitir muitos títulos especiais para financiar essa expansão. Mas o efeito multiplicador desses investimentos é agora mais baixo do que era até algum tempo atrás. A China, francamente, construiu muito nos últimos 20 anos.
Dez anos atrás, a construção de uma estrada impactava diversas outras atividades. Não ocorre mais na mesma intensidade.
A China passou a ser vista com maior desconfiança pelas multinacionais nos últimos meses. Isso vai afetar o investimento internacional no país?
Não há dúvida de que houve uma deterioração da confiança das multinacionais em relação à China nos últimos seis meses. Foi algo muito rápido. Um dos motivos foi a Rússia, depois da invasão à Ucrânia, ter sido atingida por sanções bastante pesadas. As empresas começam a pensar que isso também pode acontecer com a China, seja por causa do eventual apoio à Rússia ou por controvérsias relacionadas a Taiwan.
Os lockdowns em Xangai também impactaram a confiança dos estrangeiros. Saiu abalada a ideia de que poderiam contar com a China como um fornecedor seguro na cadeia de suprimentos.
As pessoas estão dizendo que talvez seja melhor diversificar e não investir tanto na China. Mas se olharmos para as estatísticas de investimentos diretos, eles continuam mostrando entradas fortes e crescentes, mesmo no primeiro trimestre. Temos uma divergência entre o que os executivos falam e o que eles estão realmente fazendo. Precisamos de alguns meses para ver qual a tendência de fato.
Para o Brasil, particularmente no que diz respeito à exportação de commodities, quais serão as consequências da desaceleração chinesa?
Se pensarmos no minério de ferro, o longo boom imobiliário chinês chegou ao fim. A tendência estrutural é de estabilização. Ainda haverá muita demanda por ferro. Mas o ritmo de crescimento será outro.
No que diz respeito a commodities agrícolas, as evidências são mais positivas. Os chineses continuam a diversificar sua dieta. Há um desejo de consumir alimentos de melhor qualidade. Vejo muitas oportunidades para o setor agrícola, seja em soja ou em proteínas.
Houve um grande aumento na demanda na China por produtos orgânicos. Os consumidores estão desconfiados em relação ao uso de produtos químicos na produção agrícola local. As mercadorias importadas têm uma imagem melhor, mais verde.
Essa é uma oportunidade para o Brasil: criar uma marca em torno de uma produção sustentável e saudável. À medida que os consumidores chineses ficam mais ricos, estão dispostos a pagar um pouco mais para investir em qualidade.
Mas será preciso manter boas relações diplomáticas, para que os chineses não inventem motivos para bloquear importações por motivos políticos.