Um ano e meio depois de chegar à Bolsa, o Grupo Mateus está tendo que lidar com a falta de confiança dos investidores na execução de seu plano de expansão.
A rede de supermercados e atacarejo do Norte e Nordeste levantou R$ 3 bilhões num IPO em outubro de 2020 para financiar esse plano, num momento em que o setor era impulsionado pelo auxílio emergencial e o lockdown da pandemia. No pricing, a empresa foi avaliada em R$ 20 bilhões, mas a ação nunca voltou a esse patamar, e a companhia hoje vale R$ 12 bilhões, 40% menos.
Com o ambiente macro mais difícil e a maior pressão de custos, o vento virou contra – mas o Mateus pisou no acelerador.
O grupo falava em abrir entre 35 e 40 lojas em 2021 e encerrou o ano com 44 inaugurações. Para 2022, anunciou que prepara 50 novas lojas e até março já inaugurou 12.
Além disso, o Mateus comprou terrenos e criou uma nova regional para expandir para novos estados que não estavam nos planos no IPO.
A rede está fazendo isso queimando muito caixa: já usou todo o dinheiro do IPO e, como mostram os números do quarto trimestre, está perdendo rentabilidade.
Os analistas dos bancos estão olhando o copo meio cheio. Apesar das margens mais fracas e do lucro abaixo do esperado no quarto tri, as vendas mesmas lojas cresceram, o que mostra a resiliência do negócio. Além disso, o sellside aposta que no longo prazo o Mateus será o consolidador da região – e que por isso a ação, hoje ao redor de R$ 5,20, estaria num bom ponto de entrada.
Já o buyside vê o copo meio vazio: gestores acham que a empresa está acelerando demais num cenário (muito) mais arriscado e sem se comunicar adequadamente com o mercado.
“O fundador do Mateus é um empresário diferenciado que virou um gigante no Nordeste, onde muitas empresas têm dificuldade de operar,” disse um gestor. “Acredito que ele saiba o que está fazendo, mas o mercado não está entendendo nem comprando a história, e a empresa não está conseguindo explicar.”
Um exemplo: o aumento acelerado nos estoques da companhia, que cresceram 30% em 2021, com piora na margem bruta dado que a empresa teve que fazer mais promoções.
“Eu já entendi que a empresa opera com estoques mais altos. Mas toda vez que perguntamos como é a gestão disso, ainda mais num cenário de pressão de custos, a resposta é muito vaga, algo como ‘ah, no próximo trimestre, vai melhorar’,” disse este gestor.
O Grupo Mateus foi criado há 35 anos no Maranhão por Ilson Mateus Rodrigues. Ele investiu num caminhão e saiu pelo interior do estado construindo rotas para vender refrigerantes. Com o tempo, foi adicionando outros produtos, até que abriu uma mercearia na cidade de Balsas. A partir daí o grupo começou a crescer abrindo lojas e centros de distribuição pelo interior a partir de suas próprias rotas comerciais.
É um modelo diferente das redes do Sul e Sudeste, que estão mais concentradas nas capitais e trabalham com menos estoques.
Ano passado, o Mateus fez uma receita bruta de R$ 18 bilhões. Desse total, as 202 lojas representaram mais de 80% – o atacarejo respondeu por 50%; o varejo, que inclui supermercados, mercados e lojas de vizinhança, por cerca de 28%; e as lojas de eletrodomésticos por 5,5%. (Os cerca de 17% restantes vieram do negócio de distribuição, em que o Mateus abastece outros varejistas.)
No atacarejo, perto de 30% das receitas vêm de serviços como peixaria, padaria, frutas, legumes e açougue, que precisam de abastecimento constante. Por conta da logística necessária para essa reestocagem diária no interior do País, o Mateus é um negócio de capital intensivo que o mercado ainda está tentando entender.
Desde que a empresa chegou à Bolsa, o mercado cobra a presença de um CFO que fale a linguagem da Faria Lima.
“Eu tenho certeza que o sr. Ilson conhece a região e o negócio e tem na cabeça qual é o custo e quando cada loja vai começar a dar retorno. Mas preciso saber como estão os controles dessa expansão e quais são esses números para eu colocar na planilha,” diz um outro gestor, que acabou se desfazendo da posição.
Desde 2015, o CFO do Mateus é José Morgado Filho, que trabalhou por quase 34 anos no Banco da Amazônia.
A empresa tem dito a investidores que abriu um processo para contratar um novo CFO, mas o primeiro passo concreto de aproximação com o mercado veio na indicação da economista Isabella Saboya para uma vaga no conselho da empresa. Ela foi sócia das gestoras IP e Jardim Botânico e conselheira de companhias como BR Malls e Vale.
A operação do Mateus ainda é muito concentrada no Maranhão, onde a empresa nasceu e tem 126 lojas, e no Pará, onde chegou em 2012 e já abriu 71. Segundo investidores, a empresa dizia no IPO que queria crescer nesses estados e expandir para o Piauí – o que fez logo depois do IPO – no Ceará, onde chegou no ano passado, e no Tocantins, onde ainda não está.
Mas em junho passado, o Mateus surpreendeu: contratou Sandro Oliveira, um veterano com oito anos de Assaí e 20 de Atacadão, para comandar a sua nova regional Nordeste e levar o Mateus a seis novos estados.
Desde o início do ano, o grupo já abriu lojas em Pernambuco e na Bahia, e planeja entrar em Alagoas, Paraíba, Rio Grande do Norte e Sergipe nos próximos anos.
“Parte do mercado questiona se eles vão conseguir o mesmo sucesso nesses novos estados,” disse um analista do buyside. “Acredito que sim, se o Mateus optar por lojas menores em cidades em que a competição ainda não chegou. Ele consegue fazer isso porque é forte na distribuição.”
Quando o Mateus fez seu IPO, alguns investidores avaliavam que o grupo não precisaria de tanto dinheiro, mas o capex se mostrou muito acima do esperado. Ao longo do ano passado, a posição de caixa do Mateus deteriorou rapidamente: a empresa foi de um caixa líquido de R$ 1,1 bilhão no 2Q para R$ 430 milhões no 3Q – e finalmente uma dívida líquida de R$ 162 milhões no final do ano.
A queima furiosa de caixa também tem a ver com uma mudança no jeito de operar. Antes do IPO, o Mateus não tinha lojas próprias. Atuava com parceiros, que compravam ou já tinham os terrenos e eram responsáveis pelo capex das lojas – repassando o custo no aluguel.
Com o dinheiro do IPO na mão, o Mateus resolveu comprar terrenos e assumir as obras, antecipando inclusive a compra de materiais de construção. Em 2020, o Mateus gastou R$ 35 milhões em terrenos. Em 2021, multiplicou esse gasto por quatro, para R$ 146 milhões. Já os gastos com obras dobraram de um ano para o outro, para R$ 392 milhões.
Como a concorrência anda meio ocupada – com o Assaí incorporando o Extra, e o Carrefour digerindo o Big – faz sentido que o Mateus tenha aproveitado para garantir espaço em praças maiores, disse um outro analista que ainda acredita no papel. “Mas isso exigiu mais capex, e a empresa falhou em administrar as expectativas do mercado.”
O cenário atual é de consumo de caixa, aumento de estoques e muitas lojas em maturação num momento de alta da inflação, e numa região onde a renda é menor – aumentando o risco da empresa.
“O Mateus fez um IPO num momento de bons resultados e cenário macro a favor e saiu num valor elevado. Agora, o mercado está mais difícil, tanto que as concorrentes na bolsa também tiveram retornos menores. Mas o problema do Mateus é ser uma small cap novata que está sendo colocada em dúvida e não está sabendo passar confiança ao investidor.”
O mercado estima que o Mateus negocia a 9,6x o lucro para 2023 – um desconto sobre o Assaí (11,5x) e o Atacadão (15x). No IPO, o P/E do Mateus era de 20x. Se o Mateus se confirmar como o principal player do Nordeste, numa expansão bem-sucedida, disseram os analistas, passará a negociar com prêmio em relação aos concorrentes.
Os analistas também têm dificuldades em entender qual é o ROIC do Mateus, já que a empresa tem benefício fiscal via ICMS no Maranhão e usa uma engenharia que deixa o máximo de lucro possível em seus centros de distribuição naquele estado – inclusive parte do lucro do Pará – e com isso zera a base de IR e CSLL.
Como o grupo está expandindo para outros estados, o mercado ainda não tem visibilidade de como ficarão os incentivos daqui para a frente. (A empresa já conseguiu a isenção de ICMS em Pernambuco por 20 anos – os incentivos são dados a atacadistas a partir de critérios de investimento e geração de empregos.)
Nas estimativas de um analista, antes do IPO o ROIC do Mateus ficou entre 18-20% – o que cairia para 12-15% na ausência dos incentivos fiscais.
Em 2020, o ROIC aumentou para 21% – um nível mais próximo de Assaí e Atacadão – mas no quarto tri, por conta dos investimentos em expansão, alta de custos e estoques, caiu para 14% “sem pagar imposto, o que é muito ruim”, disse o analista. O ROIC do quarto trimestre está abaixo do patamar “normalizado”, por conta do elevado capital investido que ainda não está gerando receita — e a empresa está sinalizando ao mercado que no primeiro trimestre os estoques diminuíram e as receitas estão aumentando.
Numa mensagem por escrito, atribuída a Ilson Mateus, a empresa disse ao Brazil Journal que está executando o plano de expansão em linha com os objetivos e na velocidade que se propôs, e que é natural que isso tenha impacto sobre os níveis de retorno no curto prazo.
Sobre a alta dos estoques, disse que está “trabalhando com muita seriedade, e encontrando possibilidades de ganhos de eficiência que serão demonstrados ao longo deste ano.”
Sobre a formação de um banco de terrenos, disse que procurou garantir localizações mais estratégicas e que o investimento de 2021 será a base para a abertura de novas lojas no biênio 2022-2023. “Não há como executar um projeto de expansão dessa magnitude sem emprego de capital.”
Apesar do momento macro desafiador, a empresa disse que enxerga uma janela de oportunidade única para crescer no Nordeste.
“O avanço acelerado é decorrente da experiência acumulada em um legado de 35 anos e, consequentemente, da visão antecipada da companhia em relação aos movimentos do mercado de varejo e atacado no país. Não fazemos investimentos com horizontes trimestrais ou anuais. Estamos implantando o crescimento dos próximos dez anos da companhia, o que depende intensamente da execução deste plano nos próximos três anos e, por isso, faz todo sentido sustentar os planos de expansão em curto prazo.”