LISBOA — Nos últimos meses, Frances Haugen ganhou os holofotes da opinião pública global depois de vazar documentos sigilosos do Facebook — no que ficou conhecido como os ‘Facebook Papers’.
O episódio criou o enésimo pesadelo de relações públicas para a big tech, que até decidiu trocar de nome — ainda que a motivação oficial seja posicionar a companhia para a nova era da internet (o “metaverso”).
Os documentos de Haugen mostraram o que muita gente já intuía: pesquisas feitas pelo próprio Facebook (e mantidas em sigilo até agora) comprovam que a rede social amplifica o que há de pior no ser humano — o ódio, a violência, a insegurança, a desinformação.
O vazamento também mostrou uma companhia incapaz de controlar as fake news postados em suas redes e — mais grave ainda — morosa em lidar com crimes hediondos como o tráfico humano. (Segundo um dos documentos, o Facebook só aumentou a fiscalização da venda de escravos no Instagram e outras redes do grupo depois que a Apple ameaçou banir seus apps da Apple Store).
Para Haugen, essa inação é uma escolha pensada, e não uma incapacidade técnica.
“O Facebook fez a escolha de privilegiar o lucro, a expansão dos negócios a qualquer custo em detrimento de criar uma plataforma segura para a sociedade,” Hagen disse agora há pouco na abertura do Web Summit, em sua primeira aparição num evento público desde os vazamentos.
Segundo ela, parte do problema tem a ver com a forma como o algoritmo do Facebook prioriza os conteúdos no feed, dando preferência a postagens que geram “engajamento” (dão mais curtidas e comentários).
Naturalmente, posts que apelam para as emoções — como os discursos de ódio e polarização política — acabam engajando mais, o que faz com que ganhem mais espaço dentro da plataforma.
“Pessoas ruins e ideias ruins não são o problema, o problema é quem tem o maior megafone. E o Facebook tem sido conivente com esses grupos,” disse ela.
Haugen — que é especializada em data science — deixou o Facebook depois de trabalhar dois anos como product manager da divisão de integridade civil, onde mapeou justamente a disseminação de desinformação na plataforma. Antes, trabalhou em outras quatro redes sociais.
“De todas as redes sociais que trabalhei, o Facebook é disparado o pior nesse assunto,” disse ela. “E eles tentam criar um falso dilema, uma narrativa, de que precisamos escolher entre a censura ou a liberdade de expressão, quando claramente existem outros caminhos.”
Sobre o rebranding e novo posicionamento do Face (que já rendeu milhares de memes mundo afora), a whistle blower não usou meias palavras.
“Em vez de investirem em melhorar as coisas básicas da plataforma, em deixá-la mais segura para a sociedade, eles colocam dez mil engenheiros para trabalhar em videogames e VR…”