Os EUA vão escapar da recessão e as ações americanas podem subir quase 40% até o fim do ano.
É o que diz o estrategista John Stoltzfus, CIO da Oppenheimer e um veterano de Wall Street. Stoltzfus começou a carreira em 1983, quando Paul Volcker combatia o surto inflacionário com doses cavalares de juros. Já viu muitas altas e baixas do mercado. O bear market atual não o assusta.
“O mundo de hoje é muito diferente daquele dos anos 1980,” Stoltzfus disse ao Brazil Journal. “Acredito que o Fed possa esfriar a alta de preços sem provocar uma retração. Podemos evitar a recessão.”
O otimismo de Stoltzfus deriva de sua confiança na capacidade do Fed de reequilibrar a economia. Para ele, desde a crise de 2008, quando Ben Bernanke estava no comando do Fed, o BC americano tem demonstrado grande habilidade em mitigar os choques de queda acentuada nos preços, como ocorreu no início da pandemia, e também os choques inflacionários, como ocorre agora.
Ele mantém sua previsão de que o S&P 500, atualmente em 3.825 pontos, encerre o ano em 5.330 pontos. Para chegar lá, a alta, aos preços atuais, seria de 39%.
Uma sondagem da CNBC com 15 dos principais estrategistas de Wall Street indica que, na média, eles prevêem que o S&P vai terminar 2022 em 4.684 pontos – o CIO da Oppenheimer é o mais otimista.
E quando vai começar esse rali nas ações? “Ele já começou”, disse Stoltzfus.
A Oppenheimer tem US$ 113 bilhões sob administração.
A seguir, os principais trechos da conversa:
Por que as bolsas tiveram um começo de ano tão ruim?
O Federal Reserve reverteu a sua política no quatro trimestre do ano passado, com o anúncio de que reduziria a compra de ativos e passaria a aumentar os juros. A reação inicial do mercado foi negativa. É algo automático.
Foi uma reação exagerada?
Estou nesse negócio há 39 anos. Você aprende a nunca ser complacente. Mas quando o Fed anuncia uma redução da liquidez, logo aparecem os seus detratores, gente que vai dizer que as ações do Fed não terão o efeito desejado. Acredito que o Fed possa esfriar a alta dos preços sem provocar uma retração. Podemos evitar a recessão.
Muitos analistas e gestores, entretanto, argumentam que será improvável controlar de fato a inflação sem que haja uma recessão. De onde vem seu otimismo?
Em primeiro lugar porque o Fed agiu relativamente rápido contra a inflação. Ele elevou os juros, ainda que tenha ficado atrás da curva por seis ou nove meses. Não é como nos anos 60 e 70, quando o Fed praticamente nada fez enquanto a inflação mostrava a sua face horrível. Quando comecei minha vida profissional, me lembro de a inflação atingir 14%.
O mundo hoje é muito diferente do que aquele dos anos 80, quando Volcker precisou atuar decisivamente com juros acima de 10% para derrubar a inflação.
Naquele tempo, a economia era dominada pela indústria tradicional, soluções analógicas. Hoje uma empresa relativamente pequena pode ser competitiva e desafiar companhias já estabelecidas em um espaço relativamente curto de tempo.
Quando pensamos em todo esse incentivo da tecnologia, da acessibilidade, existe um efeito contrainflacionário relevante. Já estamos vendo o preço de muitas mercadorias perder intensidade. Isso vale para as commodities, como o petróleo. As cotações recuaram em relação ao pico de março.
Se teremos uma recessão ou não, apenas saberemos mais tarde. Toda essa conversa sobre recessão é natural quando o Fed dá início a um aperto monetário. Existem dúvidas sobre a ação do Fed. Mas eu acredito no Fed.
Do ponto de vista dos investidores em ações, o Fed ganhou proeminência desde Ben Bernanke. Isso por causa de suas ações tanto inflacionárias como desinflacionárias.
De onde vem a pressão nos preços?
As pessoas parecem não se lembrar, mas em abril de 2020 as cotações do petróleo ficaram negativas. Não havia capacidade para estocar a produção. Graças às vacinas, o mundo começou a se abrir, as pessoas voltaram a viajar, estão dirigindo mais, a vida vai voltando à normalidade.
Cresceu a demanda por todo tipo de mercadoria. Além disso, a China fez estoques de petróleo, antecipando o aumento da atividade manufatureira. Houve um salto na demanda por commodities.
Os consumidores agora se preocupam com a inflação, e há sinais de desaceleração na atividade do varejo. Vejo isso como prudência das pessoas, não uma queda no consumo.
Mas a guerra na Ucrânia e o aumento nos preços de energia na Europa não são pontos para preocupação?
De fato, é mais provável que vejamos uma recessão na Europa. Eles são muito dependentes do gás e outros combustíveis fósseis originários da Rússia. Como os europeus estão entre os maiores parceiros comerciais dos EUA, é algo que preocupa – para além dos efeitos trágicos da incursão militar russa na Ucrânia.
Mas, de novo, acredito que o Fed esteja fazendo a coisa certa. Os mercados devem se acalmar daqui para a frente, quando ficarem mais evidentes os efeitos das medidas para controlar o ritmo de alta dos preços.
A inflação poderá permanecer por algum tempo um pouco acima do nível com o qual havíamos nos acostumado. Precisamos aguardar o equilíbrio entre a oferta e a demanda. Em alguns setores, esse processo é mais lento.
Estamos observando também um processo de diversificação das cadeias de produção, com a saída de empresas da China e da Rússia. Parte da produção deverá voltar para os EUA e parte deverá ser transferida para os mercados emergentes. Em várias partes do mundo, vemos a intenção de reduzir a dependência em relação à China – não apenas os EUA, mas também a Europa, em países da Ásia.
O Brasil pode ser um dos beneficiados por esse rearranjo das cadeias globais de produção?
Sem dúvida. Países como o Brasil estão diante de uma grande oportunidade. Em primeiro lugar, como fornecedor de produtos agrícolas. Mas não apenas. Na manufatura também. Conhecemos a capacidade brasileira de fabricar jatos regionais e militares. O Brasil tem muito potencial, assim como o México. Os países vão diversificar os seus fornecedores, buscarão ser menos dependentes da manufatura chinesa e dos recursos minerais russos.
Qual a exposição da Oppenheimer a ativos brasileiros?
Não posso falar de empresas específicas, mas temos dois portfólios principais, um global e outro focado em dividendos de ações, basicamente dos EUA. Temos exposição ao Brasil seja por causa da importância do País para as empresas de nossos portfólios ou pela participação de empresas brasileiras em nossas posições nos mercados emergentes.
E quais os setores mais promissores na Bolsa hoje?
Como você sabe, acreditamos na estratégia de comprar na baixa e vender na alta. É muito difícil fazer isso, particularmente em um bull market. Durante um bear market também pode ser difícil, porque os investidores ficam receosos em comprar quando as ações ainda estão em queda.
Vemos preços ótimos em muitas áreas do setor de tecnologia. Empresas lucrativas e com grande capitalização, bom fluxo de caixa e ótimos produtos. Gostamos de tech. Gostamos também de manufaturas. Se houver essa diversificação nas cadeias globais de produção, será necessário o investimento em equipamentos industriais.
Outro setor interessante é o financeiro. Estamos abandonando a era do juro zero, mas não acreditamos que teremos juros extremamente elevados. O Fed não deverá exagerar em sua ação contra a alta de preços. Deverá agir com cuidado, como tem feito desde que Bernanke mudou a maneira de agir do Fed, dando mais atenção aos efeitos de sua política no crescimento e no emprego.
Quando então vai começar o rali nos mercados, no segundo semestre?
O rali já começou. Mas haverá altos e baixos. Estaremos todos atentos aos dados da economia. Talvez as ações do Fed não pareçam surtir efeito nos próximos dois ou três meses, e os ursos no mercado encontrarão motivos para vender. O catalisador para a venda pode ser, por exemplo, um aumento nos casos de covid na China que leve ao fechamento de portos. Ou indícios de que a inflação seja mais resistente do que o previsto.
É sempre difícil saber o ponto de virada quando estamos passando por ele. Será que estamos no meio de um rali ou passando por um intervalo dentro de um bear market. Só saberemos lá na frente.
Os mercados, como as nossas vidas, têm dias excepcionais, dias apenas OK, alguns dias ruins. Mas posso assegurar que, historicamente, eles oferecem grandes oportunidades, especialmente quando as ações estão oversold.
Os investidores precisam calibrar as expectativas e buscar ajuda de consultores em que eles confiem por causa da complexidade dos mercados. Estamos vendo ações de empresas fantásticas serem descartadas ao lado de outras que nunca foram promissoras de fato. Estão jogando o bebê junto com a água do banho.