A Máquina de Vendas, dona das lojas Ricardo Eletro, chegou a um acordo com seus bancos credores para equacionar uma dívida de cerca de R$ 1,5 bilhão e recuperar o fôlego num momento em que seus concorrentes estão capitalizados e o PIB começa uma retomada.

Os maiores credores da empresa — Bradesco, Santander e Itaú — estão capitalizando a rede com a dívida velha, uma arquitetura engenhosa que preserva a viabilidade da companhia e captura a recuperação do valor do ativo para os bancos no caso de uma venda.  

10353 11f006cd 8b2e 0000 0000 797c91387c14“Do jeito que o negócio estava, ele tinha valor negativo.  Agora, com o Brasil se recuperando, passa a ter algum valor,” diz uma fonte que conhece a companhia por dentro. “Os bancos acharam uma forma de tomar a empresa sem levar ativo e passivo junto.”

Os credores constituíram uma nova holding que controlará a Máquina de Vendas.  Esta holding emitirá debêntures de sete anos, que serão subscritas pelos bancos usando a dívida velha. Num evento de liquidez — isto é, a venda da empresa ou capitalização por um terceiro — os bancos têm direito a converter a dívida em equity, ficando com um percentual que varia entre 51% e 90% do capital da empresa, dependendo do valor da venda.

Depois da operação, a Máquina de Vendas terá cerca de R$ 200 milhões em dívida (toda de longo prazo), e mais de R$ 450 milhões entre recebíveis de cartão de crédito e caixa, segundo pessoas familiarizadas com os termos do negócio.

Ricardo Nunes, o carismático fundador do Ricardo Eletro que deu origem à Máquina de Vendas, deve ficar com 52% do que restou do equity, enquanto seu sócio Luiz Carlos Batista, ex-controlador das Lojas Insinuante, deve ficar com cerca de 48%.

Resultado da fusão do Ricardo Eletro com a Insinuante, a Máquina de Vendas nasceu em março de 2010 como reação à compra das Casas Bahia pelo Ponto Frio. O Brasil ainda crescia e a ascensão da classe C empolgava. Em seguida, a Máquina comprou as redes regionais City Lar (junho de 2010), Eletro Shopping (junho de 2011) e Salfer (abril de 2012).

O dínamo por trás das aquisições foi Nunes, um empreendedor que começou a vida vendendo tangerina na porta de uma faculdade depois de perder o pai precocemente, nunca aceitou um não como resposta, e desde cedo apostou no mantra ‘cobrir qualquer oferta’.
Esta é a segunda restruturação da dívida da Máquina em dois anos — mas desta vez, o plano deixa a empresa redonda.

Na primeira restruturação, assinada no segundo semestre no ano passado, os bancos haviam alongado a dívida — que vencia quase toda no curto prazo — para sete anos, com dois de carência.

Ainda assim, com o fluxo de caixa da companhia no Brasil pós-Dilma, a nova estrutura de capital não parava em pé.  Os fornecedores estavam com medo e não liberavam crédito.

Vendo que a dívida continuaria impagável neste novo arranjo, os dois lados concordaram em buscar uma alternativa.  As conversas começaram em novembro.  

No final do ano, a companhia contratou a McKinsey para um diagnóstico, e em fevereiro os bancos bateram o martelo: capitalizariam a empresa.

Nos últimos dois anos, a companhia passou por uma restruturação operacional que talvez entre para os anais de um setor que já testemunhou a morte de ícones como a Arapuã, o Mappin e o G Aronson.

 
Até bem recentemente a Máquina de Vendas era, também, uma máquina de ineficiências — e algumas chegavam a ser bizarras.
 
Num raio de dois quarteirões no Centro de Recife, a companhia tinha 15 lojas: cinco de cada bandeira.  Em vários Estados, a presença das três bandeiras exigia… três centros de distribuição. E, como os CNPJs eram separados, às vezes um CD da Eletro Shopping tinha uma geladeira em estoque — mas não podia entregar porque a venda fora feita pela Insinuante.
Agora, o número de lojas, que chegou a 1050, foi reduzido para 660.  A companhia fechou todas as lojas na região Norte — onde o estoque era alto e o giro, baixo — para alocar recursos no Sudeste e no ecommerce. A folha de pagamentos, que consumia R$ 25 milhões por mês, caiu para R$ 15 milhões.  O número de CDs caiu de 25 para 7, e a companhia unificou todas as marcas sob a bandeira ‘Ricardo Eletro’, gerando sinergias cavalares em todo o negócio.
 
Nunes — um gênio do marketing conhecido por campanhas espalhafatosas — trabalha na restruturação desde janeiro de 2016 e foi instrumental para a execução do plano, no relato de pessoas que acompanharam o processo de perto.  “A empresa só esta de pé porque os bancos acreditaram no Ricardo, porque ele é um cara bom neste negócio.  Podiam ter puxado o pino da granada, mas apostaram nele.”
 
No ano passado, Nunes recebeu uma ligação da Rede Globo.  Um grande varejista havia desistido de patrocinar o futebol, e a Globo queria saber se o Ricardo Eletro se interessava pela cota.  “Cê tá doido. Eu não tenho esse dinheiro!” disse o empresário em seu sotaque belo-horizontino, segundo uma pessoa que ouviu seu relato.  A Globo insistiu: ter um varejista entre os patrocinadores era importante.  Nunes chorou o preço como se fosse um cliente em uma de suas lojas. Em seguida, pegou o telefone e ligou para seus maiores fornecedores, pedindo verba em troca de deixar que eles anunciassem em parte do horário. Levantou mais de um terço do valor da cota e o Ricardo Eletro, mesmo vergando sob uma dívida de R$1,5 bi, conseguiu estar no Brasileirão.
 
Nos últimos meses, as vendas de eletroportáteis na companhia subiram cerca de 30% em relação ao ano passado, e a linha branca caminha para o quarto mês de crescimento consecutivo. O único segmento em que a empresa ainda sofre são TVs e celulares — e por falta de produto, resultado da desconfiança dos fornecedores. Mas até isso está começando a mudar.
 
Ontem, a Samsung voltou a dar crédito à empresa.
 
Num áudio enviado por Whatsapp a seus vendedores, Nunes — conhecido por ser ligado no 220 volts — comemorou o fato.  Estava mais elétrico que nunca, mas sua mensagem não escondia o fato de que o trabalho está só começando.  (Ouça o áudio abaixo)
 
“Aí, pessoal: notícia muuuuito boa, muuuuito boa! Acabamos de receber agora a primeira nota fiscal da Samsung. É isso mesmo pessoal: a Samsung voltou!!! Com muito trabalho, muita luta, muita confiança na gente. … Vai ser o melhor Natal nosso! O melhor Black Friday!  Muito obrigado a vocês da Samsung, que estão confiando na gente.  …. Vamos trabalhar, confiar no nosso trabalho, na nossa honestidade, que eu tenho certeza que nós vamos fazer muita história aí! Esse comunicado é para a equipe de todo o Brasil. Parabéns para todos nós que estamos acreditando e trabalhando sério e duro nesta empresa.”