A PagSeguro, plataforma de pagamentos online do UOL, entrou com um pedido de abertura de capital na SEC ontem à noite — a segunda empresa de tecnologia brasileira a buscar uma listagem diretamente nos EUA depois da Netshoes, em abril deste ano.
A oferta vem num momento em que ‘inclusão financeira’ e ‘fintechs’ se tornaram quase uma classe de ativos, facilitando o discurso de uma companhia que se descreve no prospecto da oferta como “um provedor de soluções de tecnologia financeira disruptivo,” e se orgulha de desbravar o nicho de mercado formado por microempreendedores, pequenas e médias empresas.
“Antes da PagSeguro, muitos desses micro-comerciantes e PMEs eram ignorados ou sub-atendidos pelos provedores de pagamento líderes e pelas grandes instituições financeiras do Brasil,” a PagSeguro afirma no prospecto. “Por exemplo, de acordo com uma pesquisa realizada por nós em junho de 2017, 75% dos comerciantes que possuem nosso dispositivo de POS mais básico, a Minizinha, não aceitavam pagamentos com cartão antes de começar a trabalhar com a PagSeguro.”
Ainda assim, a oferta acontece numa época em que o chamado mercado de adquirência — a captura das transações de cartões de crédito — enfrenta o maior nível de concorrência de sua história.
Depois de décadas de duopólio entre Cielo e Redecard (agora Rede), o Brasil tem hoje 12 adquirentes — Cielo, Rede, GetNet, Global Payments, Stone, First Data, Safra Pay, Adyen, WorldPay, Adiq (do BS2, antigo Banco Bonsucesso), Vero (do Banrisul) e PagSeguro — e pelo menos mais dois players planejam entrar no mercado, segundo fontes do setor. Além disso, a PagSeguro concorre com mais de 100 sub-credenciadores: alguns focados no ecommerce — como a Moip, o PayPal e o MercadoPago — e outros focados em seu nicho de microcomerciantes, como a SumUp/Payleven.
Lançada há 11 anos para aumentar a segurança dos pagamentos nos sites de ecommerce, a PagSeguro decidiu entrar no mercado de POS (“pontos de venda”, na sigla em inglês) em 2013, passando a disputar espaço com outras maquininhas com uma linha de produtos que hoje vai da ‘Minizinha’ à ‘Moderninha Pro’.
Mas em vez de alugar as maquininhas aos clientes, como fazem as maiores empresas do ramo, a PagSeguro vende o hardware para os lojistas em 12 prestações, e diz que o custo para o cliente equivale a algo entre três e seis meses do aluguel cobrado por suas maiores concorrentes.
A PagSeguro afirma no prospecto que tinha 2,45 milhões de clientes ativos ao final de setembro, mais que o dobro dos 1,2 milhão que tinha um ano antes. (Na Cielo, para efeito de comparação, o número de ‘pontos de venda ativos’ era de 1,5 milhão ao final de setembro, uma queda de 11,6% sobre o mesmo trimestre do ano anterior.)
Mas a comparação contém uma pegadinha: a PagSeguro define como ‘cliente ativo’ qualquer cliente que tenha processado pelo menos uma transação nos últimos 12 meses, enquanto a Cielo só considera ‘ativo’ quem processou alguma transação nos últimos 30 dias.
A PagSeguro processou R$ 24,8 bilhões de transações nos primeiros nove meses deste ano, quase o triplo dos R$ 9,3 bilhões processados no mesmo período de 2016. (Para se entender a ordem de grandeza, a Cielo captura R$ 155 bilhões em apenas um trimestre.)
Na média, o total por cliente processado pela PagSeguro foi de pouco mais de R$ 15 mil reais ao longo dos primeiros nove meses do ano, ou cerca de R$ 1.680 por mês.
“Essa companhia cresce rapidamente, mas o volume de transações por cliente processadas por ela é baixo, o que se traduz num nível de eficiência diferente de uma Cielo,” diz Edson Santos, especialista em meios de pagamento com 18 anos de experiência no setor. “Para atingir os pouco mais de 2% de share que ela tem hoje, a PagSeguro teve que adicionar mais merchants que a própria Cielo, que é líder. Ela é uma credenciadora de nicho.”
Os números da PagSeguro atestam o crescimento robusto: a companhia faturou R$ 1,7 bilhão nos primeiros nove meses deste ano, mais que o dobro dos R$ 757 milhões do mesmo período do ano passado. E o lucro líquido em nove meses bateu R$ 290 milhões, contra apenas R$ 90 milhões nos três primeiros trimestres de 2016. (O lucro em 2016 foi de R$ 128 milhões, 260% mais que em 2015.)
A PagSeguro vai listar seus papeis na Bolsa de Nova York sob o símbolo PAGS.
O UOL venderá uma parte indeterminada de suas ações na companhia, que também levantará recursos para financiar “aquisições seletivas e investimentos em negócios e tecnologias que sejam complementares ao nosso negócio,” além de usar parte dos recursos para capital de giro, segundo o prospecto da oferta.
A companhia foi estruturada com duas classes de ações: as ações “Class A” — que são objeto da oferta — têm direito a um voto por ação, enquanto as ações “Class B” tem 10 votos por ação. O UOL é dono de todas as “Class B”. O fosso de representatividade no mercado de capitais
é um fenômeno cada vez mais comum.
Sete bancos coordenarão a oferta: Goldman Sachs, Morgan Stanley, Bank of America-Merrill Lynch, Citibank, Credit Suisse, Deutsche Bank e JP Morgan.
Os beneficiários indiretos da oferta incluem os acionistas do UOL: a Folhapar, holding da família Frias, dona de 64,4% do UOL; o empresário João Alves de Queiroz Filho, o ‘Júnior’, controlador da Hypermarcas e dono de 15%; um grupo de empresários mexicanos sócios de Júnior na Hypermarcas, com outros 10,8%; e o BTG Pactual, que tem 6,4%.
Para o UOL, o IPO da PagSeguro marca uma volta ao mercado de capitais apenas seis anos depois de fechar seu próprio capital. Em dezembro 2005, os Frias listaram o UOL na Bovespa a R$ 18 por ação; seis anos depois, fecharam o capital da empresa pagando R$ 19,50 por ação. Agora, decorridos outros seis anos, tentam monetizar o ativo que mais cresce no grupo.
Geraldo Samor