Nos últimos cinco anos, a Marisa resolveu mudar de vida.
A rede que fala “de mulher pra mulher” reviu seu portfólio de produtos, tornou a experiência da cliente mais agradável e buscou monetizar cada centímetro quadrado de suas 354 lojas.
Depois de anos perdendo dinheiro tentando ser fast fashion, a Marisa entendeu que sua cliente é sensível a preço e precisa de um guarda-roupa de qualidade e com toques de moda, mas não de várias coleções efêmeras.
“Deixamos de ser uma empresa que acabava tendo que remarcar muito, e passamos a ter mais sortimento, mas com muito mais assertividade,” diz o CEO Marcelo Pimentel, que passou 14 anos no Wal-Mart e cujos colegas de diretoria somam décadas de experiência em concorrentes como Renner, Riachuelo, C&A e Pernambucanas.
Como parte do reboot, a companhia controlada pela família Goldfarb abandonou suas famosas liquidações — chamadas de “bananas” — e meteu a faca nos custos: a despesa por metro quadrado caiu pela metade em cinco anos, enquanto o fechamento de lojas deficitárias encolheu a área de vendas em apenas 8%.
A hora da colheita — a retomada das vendas — começou ano passado. No quarto tri, as vendas no conceito mesmas lojas cresceram 9,5% (a melhor performance da indústria), e mantinham o mesmo ritmo no primeiro tri deste ano quando a covid-19 obrigou o mundo a um pouso forçado.
Agora, a empresa aposta que os perrengues dos últimos anos a deixaram livre, leve e solta para ser ainda mais rentável quando a vida voltar ao normal.
“Não vai ser só celebrar ‘eu sobrevivi’,” Pimentel disse ao Brazil Journal. “É buscar market share! Agora temos muita alavancagem operacional.”
Desde que a pandemia fechou o comércio (literalmente), a Marisa levantou R$ 400 milhões (entre dinheiro novo, rolagem de linhas existentes, e linhas de financiamento a fornecedores); cortou os salários dos executivos pela metade por 3 meses, inclusive do conselho; e começou a renegociar todos os seus aluguéis e contratos.
O CFO Adalberto Santos diz que a companhia “está com um estoque equilibrado e atemporal, e com capacidade de caixa para bancar campanhas comerciais.”
A pandemia antecipou a implementação do ‘ship from store’, a logística que envia os produtos a partir de cada loja, sem passar pelo CD, e que nas últimas semanas está dando nova tração ao ecommerce da empresa.
Em um mês, a Marisa botou 70 de suas 354 lojas no ‘ship from store’; e espera colocar outras 120 até o fim de maio.
Hoje, as vendas online são 8% do total, quatro vezes mais que em 2017 — e quase todas as lojas já estão ligadas no ‘click and collect’, que responde por metade das vendas online. “Boa parte das nossas lojas está perto de estações de trem, ônibus e metrô, o que facilita a retirada,” diz o CEO.
Quando o comércio reabrir, a Marisa também pode ser beneficiada por ter metade de suas lojas na rua, enquanto concorrentes como Renner e Riachuelo chegam a ser 85% dependentes dos shoppings.
“As lojas de rua tendem a reabrir primeiro, e as pessoas provavelmente vão evitar lugares fechados, o que tende a nos beneficiar na retomada,” diz Pimentel.
Como parte do turnaround, a Marisa foi além de seu ‘core business’ de moda feminina e lingerie, dando mais foco a categorias como acessórios, calçados, moda masculina, infantil e plus size. As vendas dessas categorias já são 40% da venda e cresceram acima de 30% em 2019.
No final do ano, a Marisa também entrou em celulares e cosméticos por meio de parcerias com o Magazine Luiza e a Jequiti.
O mercado estava começando a comprar o turnaround. Em novembro, a companhia levantou R$ 550 milhões emitindo novas ações a R$ 10. Depois da oferta, a ação chegou a negociar acima de R$ 16 antes do vírus colocar o papel no respirador; hoje, sai a R$ 6.
A família Goldfarb, que controla a Marisa e deixou a gestão há quatro anos, foi diluída de 75% para 58% do capital no follow-on, que decuplicou o volume diário da ação, o que deve permitir a entrada de novos investidores institucionais. Hoje, nenhum gestor tem 5% da empresa.
Além disso, os recursos da oferta reduziram o endividamento para menos de uma vez EBITDA.
“Fizemos projeções pessimistas para a retomada, mas nas 41 lojas que já reabrimos, a venda está vindo acima do esperado,” diz Pimentel. “Se houver um comportamento de trade down da consumidora, isso vai ser bom pra gente.”