Enquanto o Brasil acompanhava mesmerizado a arrastada entrega de Lula à Justiça, 40 policiais civis do Rio de Janeiro invadiam, sob resistência de criminosos fortemente armados, uma festa para 400 convidados num sítio que era o quartel-general do crime no Estado.
O resultado: 149 presos e a apreensão, de uma só vez, de 13 fuzis, 15 pistolas, quatro revólveres, carregadores, coletes à prova de bala, granadas e dez veículos roubados. O trabalho foi fruto de longa investigação e é a maior operação contra o crime organizado da história do Rio de Janeiro. Tudo isso ocorre ainda sem sequer R$ 1 do R$ 1,2 bilhão prometidos para a intervenção, com policiais com salários atrasados e fornecedores sem receber, muitos dos quais não resistiram ao inadimplemento do Estado e também faliram.
Depois de um longo inverno carioca, as notícias da semana passada trazem um sopro de esperança no profundo desamparo que assolou o Rio.
Após o sucesso fugaz da política de UPPs, quando vários índices de criminalidade caíram aos menores níveis históricos e encheram a população de esperança, a falência deste programa e do estado fez a violência recrudescer e chocou a todos na emblemática morte do médico Jaime Gold, na Lagoa, em maio de 2015. Assassinado por três adolescentes — dois dos quais já estão soltos, sendo que um já cometeu crime novamente — a morte de Jaime funcionou como um despertador.
Aquela tragédia fez muita gente — que não aguentava mais viver com medo de se tornar também uma estatística — se levantar do sofá e se perguntar o que poderiam fazer para ajudar a segurança pública. Sugiram diferentes núcleos de mobilização.
Um grupo de empreendedores e profissionais liberais — entre os quais me incluo — começou a se reunir, e as iniciativas rapidamente convergiram para ajudar a polícia através de soluções tecnológicas, geralmente aquelas capazes de causar grande impacto na solução de problemas, vide todas as inovações que transformaram nossas vidas nas últimas décadas.
Ao tentar fazer diagnósticos preliminares, percebemos que tanto nós como a polícia não dispúnhamos de dados — essa maravilha que permite análise e soluções eficazes para diferentes problemas — de uma forma organizada, simples e rápida sobre os crimes. Sobretudo dados de geolocalização, para compreender onde está a chamada ‘mancha criminal’.
Em resumo, o policial militar que patrulha um bairro hoje não tem à sua disposição um sistema que lhe mostre onde ocorreram os crimes registrados na delegacia do mesmo bairro, seja ontem ou no mês passado. Vários problemas que seriam simples de resolver para uma startup de tecnologia se tornam altamente complexos nas mãos do estado.
Diante disso, nosso grupo foi à Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro oferecer este serviço de graça e entregue pronto. Fomos recebidos por pessoas altamente capacitadas, conhecedoras dos problemas da segurança pública e que gostariam de ter a solução imediatamente, mas, quando o assunto chegou aos que tinham a caneta à época, foi para a geladeira. Descobrimos que, para um mau gestor, até doação atrapalha.
Mais ou menos na mesma época, um grupo de empresários procurou o Instituto Igarapé, um think thank de segurança pública, para fazer um diagnóstico de como poderiam ajudar. Chegaram à conclusão de que a necessidade mais urgente era o tal sistema. Com dinheiro doado por este grupo, nasceu o ISPGeo, um sistema utilizado pela secretaria de segurança internamente para mapeamento e análise dos crimes. Ao grupo original coube fazer (também em parceria com o Igarapé) o projeto irmão que daria transparência — e o poder — desses dados ao cidadão, como em países desenvolvidos.
Nesta frente, entretanto, havia uma dificuldade extra: tornar públicos os dados básicos sobre os crimes, como o tipo, local e horário. Com alguma criatividade para superar essa limitação, nasceu o CrimeRadar: uma ferramenta que se alimenta de dados passados para prever, com base em algoritmos de ‘machine learning’, padrões de crime para as áreas da cidade. Infelizmente, o sonho de dar total transparência dos dados em tempo real ainda não se tornou possível. Os dados têm ‘delay’ de alguns meses para serem atualizados e ainda não são feitos de forma sistemática. Ainda há muito a evoluir.
A sociedade tem direito de ser informada sobre o crime com base em fatos — e não em casos contados nas redes sociais. Precisa dos dados para cobrar as autoridades e tomar decisões informadas. Imagine receber uma notificação em seu celular de que algum tipo de crime aconteceu em sua vizinhança — quem sabe você poderia contribuir com informações para elucidá-lo? — ou mesmo ver gráficos para saber se algum local está mais ou menos seguro. Imagine essa massa de dados sendo transformado em rota para o policial militar seguir e evitar crimes, uma espécie de Waze de policiamento ostensivo. Imagine se soubéssemos a produtividade do patrulhamento da polícia nos quilômetros percorridos no tal caminho sugerido. Imagine se os policiais militares carregassem celulares junto a seu corpo e suas abordagens fossem filmadas?
Nos Estados Unidos, os registros de crimes são públicos: as prefeituras colocam os dados de forma digital à disposição dos cidadãos. Existe uma miríade de sites e aplicativos que organizam esta informação de forma simples.
Depois de um longo inverno carioca, as notícias da semana passada trazem um sopro de esperança no profundo desamparo que assolou o Rio.
Após o sucesso fugaz da política de UPPs, quando vários índices de criminalidade caíram aos menores níveis históricos e encheram a população de esperança, a falência deste programa e do estado fez a violência recrudescer e chocou a todos na emblemática morte do médico Jaime Gold, na Lagoa, em maio de 2015. Assassinado por três adolescentes — dois dos quais já estão soltos, sendo que um já cometeu crime novamente — a morte de Jaime funcionou como um despertador.
Aquela tragédia fez muita gente — que não aguentava mais viver com medo de se tornar também uma estatística — se levantar do sofá e se perguntar o que poderiam fazer para ajudar a segurança pública. Sugiram diferentes núcleos de mobilização.
Um grupo de empreendedores e profissionais liberais — entre os quais me incluo — começou a se reunir, e as iniciativas rapidamente convergiram para ajudar a polícia através de soluções tecnológicas, geralmente aquelas capazes de causar grande impacto na solução de problemas, vide todas as inovações que transformaram nossas vidas nas últimas décadas.
Ao tentar fazer diagnósticos preliminares, percebemos que tanto nós como a polícia não dispúnhamos de dados — essa maravilha que permite análise e soluções eficazes para diferentes problemas — de uma forma organizada, simples e rápida sobre os crimes. Sobretudo dados de geolocalização, para compreender onde está a chamada ‘mancha criminal’.
Em resumo, o policial militar que patrulha um bairro hoje não tem à sua disposição um sistema que lhe mostre onde ocorreram os crimes registrados na delegacia do mesmo bairro, seja ontem ou no mês passado. Vários problemas que seriam simples de resolver para uma startup de tecnologia se tornam altamente complexos nas mãos do estado.
Diante disso, nosso grupo foi à Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro oferecer este serviço de graça e entregue pronto. Fomos recebidos por pessoas altamente capacitadas, conhecedoras dos problemas da segurança pública e que gostariam de ter a solução imediatamente, mas, quando o assunto chegou aos que tinham a caneta à época, foi para a geladeira. Descobrimos que, para um mau gestor, até doação atrapalha.
Mais ou menos na mesma época, um grupo de empresários procurou o Instituto Igarapé, um think thank de segurança pública, para fazer um diagnóstico de como poderiam ajudar. Chegaram à conclusão de que a necessidade mais urgente era o tal sistema. Com dinheiro doado por este grupo, nasceu o ISPGeo, um sistema utilizado pela secretaria de segurança internamente para mapeamento e análise dos crimes. Ao grupo original coube fazer (também em parceria com o Igarapé) o projeto irmão que daria transparência — e o poder — desses dados ao cidadão, como em países desenvolvidos.
Nesta frente, entretanto, havia uma dificuldade extra: tornar públicos os dados básicos sobre os crimes, como o tipo, local e horário. Com alguma criatividade para superar essa limitação, nasceu o CrimeRadar: uma ferramenta que se alimenta de dados passados para prever, com base em algoritmos de ‘machine learning’, padrões de crime para as áreas da cidade. Infelizmente, o sonho de dar total transparência dos dados em tempo real ainda não se tornou possível. Os dados têm ‘delay’ de alguns meses para serem atualizados e ainda não são feitos de forma sistemática. Ainda há muito a evoluir.
A sociedade tem direito de ser informada sobre o crime com base em fatos — e não em casos contados nas redes sociais. Precisa dos dados para cobrar as autoridades e tomar decisões informadas. Imagine receber uma notificação em seu celular de que algum tipo de crime aconteceu em sua vizinhança — quem sabe você poderia contribuir com informações para elucidá-lo? — ou mesmo ver gráficos para saber se algum local está mais ou menos seguro. Imagine essa massa de dados sendo transformado em rota para o policial militar seguir e evitar crimes, uma espécie de Waze de policiamento ostensivo. Imagine se soubéssemos a produtividade do patrulhamento da polícia nos quilômetros percorridos no tal caminho sugerido. Imagine se os policiais militares carregassem celulares junto a seu corpo e suas abordagens fossem filmadas?
Nos Estados Unidos, os registros de crimes são públicos: as prefeituras colocam os dados de forma digital à disposição dos cidadãos. Existe uma miríade de sites e aplicativos que organizam esta informação de forma simples.
Daqui para frente
A boa notícia é que, com transparência, boa tecnologia e ajuda do setor privado, muito pode ser feito pela segurança pública. Esperamos que a Secretaria de Segurança do Rio, agora com novos ocupantes, promova uma modernização na sua forma de pensar e agir, para se adequar aos tempos que vivemos. Isso é chave para uma tão esperada virada da polícia.
A boa notícia é que, com transparência, boa tecnologia e ajuda do setor privado, muito pode ser feito pela segurança pública. Esperamos que a Secretaria de Segurança do Rio, agora com novos ocupantes, promova uma modernização na sua forma de pensar e agir, para se adequar aos tempos que vivemos. Isso é chave para uma tão esperada virada da polícia.
Muitos de nós deixamos de apoiar a polícia impactados por casos recorrentes de corrupção, desvios de conduta e excessos. Muitos policiais deixaram de se orgulhar da farda por salários baixos e atrasados, más condições de trabalho e o descrédito da população. É fácil cairmos no conformismo de dizer que “são bandidos” para não apoiá-los. Como qualquer instituição do estado, a policia tem maus profissionais, mas não podemos deixar que isso ofusque o trabalho de uma maioria do bem. Não podemos afundar o navio para matar os ratos. Todo movimento de virada da policia, seja em Nova Iorque ou Medellín, precisou do amplo apoio da população. Uma polícia fortalecida e apoiada pela sociedade tem mais condições de cumprir seu papel e se livrar de sua banda podre.
A sociedade precisa se apresentar para apoiar a polícia. Temos inúmeras formas de fazê-lo, a começar por reconhecer quando um trabalho é bem feito, seja presencialmente ou nas redes sociais. Enquanto a situação financeira do estado não se normaliza, muitas delegacias e batalhões estão recebendo ajuda fundamental na forma de doações: um programa chamado “Juntos com a Polícia” existe há dois anos. Em várias delegacias e batalhões, faltam luvas para perícia, baterias e pneus para viaturas.
Num plano mais amplo, com diálogo franco e vontade genuína de mudar, pode-se construir uma agenda com o que a sociedade pode fazer pela polícia, e como esta pode mudar para atender aos anseios da sociedade. A tecnologia, neste contexto, pode ser um fator determinante para uma virada na segurança pública.
Guilherme Pacheco é empreendedor e investidor em tecnologia, nascido e criado no Rio de Janeiro.