Qual o desconto necessário para vender uma estatal controlada por outra estatal às vésperas de um dos anos eleitorais mais imprevisíveis da história recente?

Este é o dilema que envolve, de um lado, a Petrobras e de outro, os investidores, na tentativa de IPO da BR Distribuidora no apagar das luzes de 2017.

Os bancos que coordenam a oferta estão tentando vender o peixe num intervalo entre R$ 15 e R$ 19 por ação, precificando a companhia entre R$ 17,5 bilhões e R$ 22,1 bilhões.

Dependendo das estimativas usadas, o desconto implícito nesta faixa varia de 20% a 35% em relação aos múltiplos da Ultrapar, concorrente da BR e dona de um histórico celebrado na Bolsa.

Nas próximas semanas, os investidores vão dizer se este desconto será suficiente. (Lembrando que a BR poderia ter sido privatizada, mas o corporativismo da Petrobras dificultou as coisas.)

“Quem acredita numa catástrofe na eleição do ano que vem não está nem olhando essa oferta, mas este não é o cenário que a Bolsa está precificando”, diz o analista de uma grande gestora da Faria Lima para quem o valuation é realista. “No piso da faixa, [o preço] comporta muito desaforo”.

No primeiro encontro com investidores ontem, em São Paulo, a direção da BR vendeu a ineficiência da empresa como oportunidade: como em tese há muito espaço para melhorar a margem EBITDA, o desconto não precisa ser tão agressivo. (Na sexta-feira o roadshow vai ao Rio e, na próxima semana, ao exterior.)

A BR gera um EBITDA de cerca de R$ 70 por metro cúbico vendido (quando se colocam clientes de grande porte, como termelétricas e grandes empresas) ou R$ 90/m3, quando se excluem estes clientes de margem baixa. Comparando, os postos da Ipiranga geram R$ 120 /m3. O EBITDA recorrente é de cerca de R$ 3 bilhões, o mesmo da Ipiranga e da Raízen, apesar de a BR ter 30% do mercado, contra 19% e 21% das concorrentes, respectivamente.

“Eles venderam uma história de turnaround, mas não deram um plano claro de que áreas de ineficiência querem atacar”, diz um gestor mais pessimista. “Fica difícil comprar uma grande melhora de rentabilidade para frente, especialmente com o risco eleitoral”.

Do lado dos custos, a companhia se limitou a dizer que a força de trabalho foi reduzida em 20% desde 2014 e que os trabalhadores que se aposentaram ou aderiram aos planos de demissão voluntária da companhia foram substituídos por outros com salários menores.

O CEO Ivan de Sá Pereira Jr. e o CFO Rafael Grisolia promoveram as vantagens competitivas da companhia: uma marca forte e líder de mercado, capaz de praticar preços maiores na bomba, e uma rede muito capilar, que chega onde a concorrência não consegue (ou não quer) entrar.

Mas o discurso sobre os ganhos potenciais ficou principalmente do lado das receitas: a retomada econômica por si só garantiria um aumento de vendas sem tanto capex. A BR vê ainda potencial para embandeirar postos de bandeira branca, já que a nova política de preços da Petrobras – com reajustes semanais – reduziu a visibilidade de preço e, portanto, a vantagem do combustível importado, que leva semanas para chegar ao Brasil.

Outra oportunidade é a melhora na relação de precificação com os revendedores. Hoje, a BR Distribuidora é a rede com o maior preço na bomba, mas boa parte desse ganho adicional fica na mão dos donos do posto – e a empresa quer calibrar os contratos para capturar essa margem.

“Tem de fato espaço para melhora na rentabilidade, especialmente do lado de preço, mas acho que a própria direção não acredita no discurso de que dá pra chegar em margens próximas às dos privados”, diz o analista está vendo o tanque meio cheio. “Mas parece que com o valuation que eles propuseram dá para acomodar essa diferença”.

É verdade que a retomada da economia tem reflexo direto sobre a demanda de combustíveis e deve dar fôlego ao setor – mas Raízen e Ultrapar também serão afetadas pelo mesmo movimento e, com muito menos risco, nota um gestor.

As concorrentes não tem que lidar com problemas como o fornecimento de combustíveis a fundo perdido às termelétricas da ‘irmã’ falida Eletrobras – o que abriu um rombo de R$ 16 bilhões que teve que ser retirado do balanço da BR e alocado em outra empresa para que o IPO se tornasse viável.

A BR diz que o problema já ficou no passado e hoje só fornece combustível para as térmicas com pagamento antecipado, mas os temores permanecem. “Não dá para cravar que uma situação como a da Eletrobras não vai acontecer novamente”, diz um gestor.

De acordo com a companhia, agora qualquer contrato de parte relacionada com a União tem que ser aprovado por pelo menos dois terços do conselho de administração – formado por dez membros, dos quais cinco são independentes.

Outra herança maldita é um passivo potencial de mais de R$ 10 bilhões – referente a processos judiciais contra a companhia em que o risco de perda é considerado possível, mas ainda não provável.

No caso de decisões desfavoráveis, esses valores serão baixados do balanço. Nos últimos anos, a BR vem fazendo provisões anuais de cerca de R$ 200 milhões a R$ 300 milhões, o que afeta os resultados. “Dá pra dizer que esse é quase um patamar recorrente de provisão da companhia”, diz um analista.

Se a oferta for bem sucedida, a Petrobras vai se desfazer de uma fatia entre 25% e 33,75% da companhia – a depender da alocação dos lotes adicional e suplementar – e deve levantar entre R$ 4,4 bilhões e R$ 7,5 bilhões para seu caixa. O pricing está previsto para o dia 13 de dezembro.