O novo CEO da Ambev, no cargo há um mês e meio, tem uma mensagem para os investidores: se você pensa que esta empresa bateu no teto, você bebeu.
Bernardo Pinto Paiva, o novo CEO, entrou na Ambev como trainee em 1991 e já comandou a Labatt, a subsidiária da empresa no Canadá, e a Quilmes, o negócio da Ambev na Argentina.
Mas a experiência que mais vai ajudá-lo na tarefa de liderar a maior empresa da América Latina em valor de mercado foram os três anos que passou como diretor de vendas global da Anheuser-Busch InBev (ABI), a controladora da Ambev, começando em janeiro de 2012.
Relatos de pessoas que conversaram com Paiva nas últimas semanas mostram um CEO confiante de que os 68% de ‘market share’ da Ambev no mercado de cervejas estão longe de significar que a empresa não tem mais para onde crescer.
Em vez de se fixar neste número consolidado, Paiva tem dito a investidores que o time da Ambev está focado na participação da empresa no total de bebidas consumidas no País (o ‘share of throat’). Por este critério, a Ambev tem ‘apenas’ 40% do mercado de bebidas brasileiro, disputando a garganta dos consumidores com o vinho, a vodka, a cachaça, o whisky, etc. Na Argentina, onde a Quilmes tem 78% do mercado de cerveja, seu ‘share of throat’ é de cerca de 25% (em boa parte porque o vinho é muito popular).
Para ganhar mercado destas outras bebidas, a Ambev vai cada vez mais atacar o mercado focando nas ‘ocasiões de consumo’, ou seja, criar estratégias para que suas marcas sejam líderes na balada, no consumo em casa, e entre o público feminimo, por exemplo. Isso vai exigir desafiar o modelo de vendas que a Ambev teve até agora, aumentar o foco nos canais de venda e acelerar lançamentos de novos produtos.
Neste sentido, a gestão anterior já tomou diversas iniciativas. Criou o Nosso Bar (um sistema de franquias pelo qual a Ambev dá ferramentas de gestão aos donos de bar e atrai mais clientes melhorando o ambiente dos botecos, por exemplo, com banheiros mais limpos), lançou a Brahma Zero (a primeira cerveja sem álcool com gosto de cerveja tradicional, na opinião de muitos consumidores), investiu agressivamente em novas apresentações e embalagens e negociou uma entrada da empresa em cervejas artesanais.
A Ambev também quer aumentar as possibilidades de entrega de cerveja em casa. Nos EUA, a ABI lançou mês passado um app que permite ao consumidor pedir a sua Bud Light em casa, com entrega em uma hora.
A experiência de Paiva como diretor de vendas da ABI foi especialmente valiosa porque os EUA são supostamente o mercado mais difícil do mundo: a renda disponível e as possibilidades de escolha dão enorme poder ao consumidor, exigindo das marcas ferramentas de marketing mais sofisticadas. Além disso, a ABI e as outras grandes marcas de cerveja têm apanhado com o crescimento das ‘craft beers’, tanto que a empresa embarcou numa série de aquisições de microcervejarias.
De acordo com Paiva, segundo o relato de seus interlocutores, a ABI/Ambev acredita que a explosão das craft beers nos EUA teve muito a ver com a emergência das redes sociais. A lógica é que a fragmentação da mídia abriu espaço para os pequenos fabricantes se comunicarem com o consumidor a um custo baixo. Assim, conseguiram furar o domínio de megamarcas como Budweiser, Nestlé e Danone, que gastam bilhões em marketing ‘above the line’, isto é, investindo principalmente em publicidade nos meios de comunicação de massa.
Agora, entendendo as mudanças, essas megamarcas começaram a fazer um marketing mais segmentado, gerenciando seus respectivos ‘micropúblicos’. A Skol, por exemplo, se comunica com a galera da balada e do surf. Essa segmentação se dá também em cortes regionais: há inúmeras iniciativas de marketing focadas em tendências e públicos de determinada região, em vez de apenas uma grande estratégia nacional.
A ABI e a Ambev são conhecidas por fazer seus executivos ‘rodarem’ diversas áreas da empresa ao longo da carreira, mas alguns gestores acham que a nomeação de Paiva para seu cargo anterior foi pensada propositalmente como uma preparação para o atual. “O mercado americano se parece muito com o brasileiro: lá como aqui, distribuição e escala são fatores decisivos, e poucos grandes players dominam o mercado,” diz um gestor. “Depois de conversar com o cara, você sai mais confiante no futuro do negócio, ainda que não necessariamente mais confiante no futuro da ação.”
Nos últimos dois anos, a ação da Ambev negociou numa faixa estreita de preço: a estabilidade de sua geração de caixa sempre impediu correções dramáticas, mas seu múltiplo alto (22-25 vezes o lucro) e desafios externos (como a incerteza sobre uma mudança tributária no ano passado e o medo de uma aquisição cara ) impediam que a ação decolasse. Desde o início deste ano, no entanto, a coisa começou a mudar, e a ação tem performado bem melhor que o índice Bovespa (11,3% versus 2,7%). Até sexta-feira, a Ambev sozinha era responsável por 32% da alta do Ibovespa no ano.
“A Ambev passou os últimos anos olhando para dentro,” diz outro gestor. “O João Castro Neves [o CEO anterior] tinha um mandato muito claro: negociar com o Governo a questão do imposto sobre o setor e deixar a empresa redonda em termos de execução, e ele conseguiu isso. Agora, claramente, eles vão focar no consumidor, em produtos e em marcas.”
Nos últimos doze meses, de acordo com dados da CVM, os chamados insiders — diretores e acionistas controladores da Ambev, incluindo aí a própria ABI e a fundação que representa os funcionários da velha Antarctica — compraram 1,2 bilhão de reais em ações da empresa. De acordo com vários gestores, esta é a maior compra já feita ao longo de um ano pelos insiders da Ambev.