Jeff BezosA estória mais interessante do ano no varejo global está se desenrolando há pouco mais de um mês, envolve centenas de bilhões de dólares e coloca em risco o balanço de empresas como a Kraft Heinz, Procter & Gamble, Unilever, PepsiCo, Mondelez e Kimberly-Clark. 

A concorrência entre o Wal-Mart e a Amazon está ficando simplesmente insana — e a corda está estourando do lado das grandes marcas, espremidas pela polarização entre os dois gigantes do varejo.

Enquanto o Brasil parava por uma semana no Carnaval, o Wal-Mart chamou seus maiores fornecedores para uma reunião em sua sede e disse que não estava nada satisfeito com eles.

O gigante de Bentonville — que fez seu nome em cima do mantra ‘Preço Baixo Todo Dia’ — notara que, em diversos produtos, estava praticando preços acima da Amazon, de uns anos pra cá sua arquiinimiga.

O Wal-Mart disse aos fornecedores — talvez ‘exigiu’ seja a palavra certa — que eles achassem um jeito de baixar seus preços, causando consternação entre os executivos de empresas que têm margens EBITDA de, por exemplo, 18% (Unilever), 20% (General Mills), 26% (Procter) e 27% (Kraft Heinz).  A meta: o Wal-Mart quer ter o preço mais baixo em pelo menos 80% dos produtos que vende.

A maior parte deste relato já era conhecida por quem acompanha ou trabalha no varejo de produtos de consumo, mas uma explicação mais granular do que está acontecendo só veio à tona agora, graças aos nossos colegas do Recode.

Segundo executivos ouvidos pelo site, parte do problema tem origem no algoritmo da Amazon, que trabalha para que a empresa ofereça um preço igual ou menor que as melhores ofertas de outros sites.

Ex-funcionários da Amazon dizem que o algoritmo encontra o preço mais baixo por unidade ou por peso dos produtos — mesmo que o produto seja um daqueles pacotes gigantes, vendidos num lugar como a Costco, uma espécie de atacarejo americano. O algoritmo não quer saber: ele decide que a Amazon vai praticar aquele preço, ignorando o fato da Amazon estar vendendo aquele produto em embalagens menores (que possuem, por definição, preços unitários maiores).

Imagine, por exemplo — o exemplo é do Recode — qua a Costco esteja vendendo um ‘pack’ de 10 pacotes de Doritos por US$10 — ou US$1 por pacote. O algoritmo da Amazon conclui: ‘1 pacote = US$ 1′, e reduz o preço do pacote individual de Doritos na Amazon para US$ 1.

O problema é que, com isso, a Amazon está vendendo este pacote individual como se tivesse negociado preços de atacado com o fornecedor. Em outras palavras: a Amazon está perdendo dinheiro no produto.

Historicamente, o modelo da Amazon tolera isso:  em alguns casos, Jeff Bezos está disposto a perder dinheiro durante um certo tempo se a empresa decidir que, por uma questão de sortimento, ela não tem como ficar sem aquele item. Isso é tão comum na Amazon que existe até um apelido interno para esse tipo de produto: CRaP — acrônimo para ‘Can’t Realize a Profit‘, ou ‘Incapaz de dar lucro’.  (Crap, é claro, também é sinônimo de m… no inglês menos castiço.)

Só que agora, segundo o Recode, “a Amazon está aumentando a pressão em cima dos fabricantes destes produtos em que ela não tem lucro”, pressionando ainda mais as margens das grandes empresas de consumo.  Segundo o site, muitos produtos vendidos com lucro nas lojas físicas estão se tornando deficitários quando vendidos online, ainda mais quando se leva em conta o custo do frete do fabricante para os centros de distribuição da Amazon.

Mas a espiral que pressiona os fabricantes não termina aí.  Diz o Recode:

“Quando o Wal-Mart vê isso, ele vai pra cima do fornecedor, dizem executivos dos fabricantes. Não importa para o Wal-Mart que a Amazon não esteja tendo o mesmo preço de atacado que a Costco ou outros clubes de compra recebem. Em outras palavras: mesmo que a Amazon não esteja lucrando com seus preços extremamente baixos, o Wal-Mart ainda assim está exigindo o mesmo ‘desconto de atacado’ nos itens individuais.”

“Isso já foi explicado ao Wal-Mart por mim e por outros”, disse um executivo de um fornecedor ao Recode. “Minha conclusão é que, mesmo assim, eles arrocham todos os fornecedores porque precisam que isto seja um problema nos escalões superiores dessas empresas.”

Agora, a Amazon é que está chamando as mesmas empresas para uma reunião em maio, segundo a Bloomberg. O objetivo: convencê-las a fabricar produtos pensando mais no canal online do que nas lojas físicas. Isso mudaria a forma como os produtos do dia-a-dia são desenhados, empacotados e transportados.

Diz a Bloomberg:  “Se a Amazon tiver sucesso, as grandes marcas pensarão menos em criar produtos que precisam se destacar nas gôndolas de um Wal-Mart.  Em vez disso, elas vão focar em desenhar produtos que podem ser transportados rapidamente para a casa do cliente. O detergente líquido poderia vir em embalagens mais duras, à prova de vazamento, e, em vez de pacotes finos desenhados para brilhar nas prateleiras, biscoitos e sucrilhos poderiam vir em caixas mais duráveis, menos atraentes.”

O convite para a reunião diz: “A Amazon acredita firmemente que as cadeias de suprimento projetadas para atender o consumidor diretamente [sem a intermediação das lojas físicas] têm o poder de trazer uma melhor experiência ao cliente e maior eficiência global. Para conseguir isso, é necessário uma grande mudança de mentalidade.”

A guerra entre os gigantes vem num momento em que o varejo alimentar nos EUA enfrenta uma deflação crônica de preços e o Wal-Mart encontra desafios em duas frentes. No e-commerce, a companhia praticamente entregou as chaves a Marc Lore, o fundador do Jet.com, que o Wal-Mart adquiriu recentemente. Um analista que esteve com a empresa recentemente disse ao Brazil Journal que “a impressão é que entregaram a ele não só a chave do e-commerce, mas do varejo físico também.” Nas suas 4.500 lojas nos EUA, o Wal-Mart está tendo que aumentar sua despesa operacional para reduzir a rotatividade de funcionários e melhorar o serviço, ao mesmo tempo em que mantém sua proposta de preços agressiva.

Alguém vai ter que ceder.