“Compre a Bolsa agora, porque, no final deste ano, quando o mercado olhar para 2016 e 2017, as coisas vão estar com uma cara melhor.”
Esta tese, ainda minoritária, tem circulado entre alguns gestores profissionais, pagos para ler o mercado e tomar risco todos os dias.
A matriz desta ideia é uma regra do mercado financeiro canonizada pela prática e pelo tempo: aquela que diz que “a hora certa de comprar é quando todo mundo manda vender.”
Tem gente testando a hipótese. No mês passado, a Bolsa foi o melhor investimento do País. Depois de cair mais de 6% em janeiro, a Bovespa subiu 10% em fevereiro, um sinal de que alguns investidores especulam que já é hora de “comprar as quedas”, ou, como se diz, “caçar barganhas” num mercado que, para falar a verdade, não sai do lugar há anos.
O mercado de taxas de juros também poderia servir para corroborar a percepção de que estamos na vizinhança do fundo do poço: os juros de curto prazo estão mais altos do que os longos, o que, traduzindo, significa que os investidores reconhecem que as coisas serão duríssimas agora, mas que vão melhorar ali na frente.
Infelizmente, há razões para acreditar que este não é o caso.
Há o risco de que tudo que parece barato agora possa ficar ainda mais em conta, que o fundo do poço talvez esteja uns 300 metros mais adiante, e que o investidor ainda possa sofrer uma perda de capital substancial antes de ver o tão desejado ponto de inflexão na economia.
Aqui cabe um outro ditado do mercado: “Não tente pegar uma faca enquanto ela cai.”
Há dois cenários em que o buraco do mercado (ou o fundo do poço da economia) é mais embaixo.
Primeiro, uma recessão mais profunda do que a esperada.
Hoje, a maioria dos bancos e corretoras prevê uma contração do PIB para este ano entre 0,5% e 1%. Alguns economistas, porém, já falam em uma queda de 1,5% ou coisa pior.
“Se a economia cair mais do que isso este ano, a recuperação que todo mundo espera para 2016 pode demorar mais um ano,” diz um gestor.
É verdade que as projeções dos analistas frequentemente ficam correndo atrás da realidade, mas parte do problema atual é que o mercado como um todo parece ter subestimado os efeitos da Lava Jato na vida da Petrobras, das empreiteiras, e por consequência, do PIB. (Simplesmente não havia modelo para prever uma perturbação tão grande e sincronizada num setor tão importante da economia.)
A cada dia, o sentimento de estupefação entre o empresariado aumenta, e a paralisia política em Brasilia piora.
O descolamento da realidade exibido ontem à noite pela Presidente Dilma, que remeteu aos últimos dias de Fernando Collor no poder, e a disposição de alguns líderes implicados na Lava Jato de partir para um confronto kamikaze são apenas as evidências mais preocupantes de um clima político que pode derrubar ainda mais a economia.
Já discutimos aqui como o dólar a R$ 3 torna um aumento de capital na Petrobras uma questão de tempo — mais um bode que tem que ser retirado da sala, a um custo político que o Governo não quer bancar.
Também já abordamos a necessidade do Governo lançar uma agenda de reformas ‘micro’ que reenergize a economia, mas parece óbvio que o Planalto não tem condições políticas de ousar fazer nada hoje além de respirar, e mesmo assim, devagarzinho.
O fato é que uma recessão mais forte do que a prevista nos modelos hoje tem mais a cara de uma probabilidade do que de possibilidade.
Na semana passada, os economistas-chefe do Itaú e do BTG Pactual — ambos com um histórico de acertos sobre o comportamento do Banco Central — previram que o atual ciclo de alta de juros vai acabar na próxima reunião do Copom, com uma alta de 0,25%. Por trás dessa previsão está a ideia de que a economia vai piorar tanto nos próximos meses que a inflação vai ceder sozinha, sem necessidade de uma maior alta dos juros.
O segundo cenário em que o poço precisaria de mais escavação é o racionamento de energia. Os reservatórios continuam tão baixos quanto a moral da economia, e a temporada de chuvas termina em abril. Uma restrição de energia pode deprimir ainda mais a produção industrial.
Para todos os efeitos, a recessão já começou a aparecer nas evidências empíricas do dia a dia: as demissões nas montadoras, o gerente do restaurante reclamando que o movimento caiu, e até o trânsito nas estradas, que está desabando com a atividade econômica mais fraca.
Talvez nem no Inferno a economia seja atormentada por tantos demônios.
A boa notícia, para os adeptos da tese de que “ano que vem melhora”, é que os melhores investidores internacionais que a coluna conhece estão vendo o copo meio cheio.
Primeiro, eles acham que um país é sempre pior aos olhos de seus cidadãos educados do que o é na realidade, porque os locais sempre cobram mais de seu próprio país do que dos outros. A segunda crença, corolário da primeira, é de que o Brasil é um mercado para se comprar quando o dólar passar de R$3,20. (We’ll see you soon.)
Ontem à noite, a Presidente Dilma tentou passar uma mensagem de otimismo aos brasileiros frustrados com a persistente destruição de seu poder de compra e com um desemprego que começa a andar. Mas, sob seu comando e orientação, o País passou os últimos anos penhorando o futuro para comprar a confiança do consumidor e o pleno emprego.
Agora a conta quase impagável chegou, e não vai ter outro jeito: vai doer demais. O fundo do poço foi cavado bem lá embaixo.