Vinte e quatro horas depois que a Amazon anunciou a compra da PillPack, que entrega medicamentos sob prescrição em casa, o mercado se pergunta: o futuro das farmácias mudou para sempre?  

Ao que tudo indica, a resposta é um sonoro sim. Ao menos, para o mercado americano.

Mais que o faturamento de US$ 100 milhões – que nem mexe com o ponteiro de um mercado que movimenta US$ 560 bilhões por ano nos Estados Unidos – o que a Amazon comprou foi a estrutura da PillPack.

A empresa é dona de uma licença que permitirá à Amazon vender medicamentos nos 50 Estados americanos. Ainda mais importante: a PillPack tem contratos com as PBMs, as gestoras de benefícios farmacêuticos, figuras-chave no mercado de saúde nos Estados Unidos.

As PBMs (que não existem no Brasil na mesma escala que nos EUA) administram os custos de remédios dos planos de saúde e de grandes empregadores, que tipicamente arcam com parte dos custos do tratamento. Se a farmácia não está na rede da PBM, não dá desconto – e consequentemente vende menos.

“Com uma rede de PBM que cobre 90% das vidas dos Estados Unidos, a PillPack resolve a questão do acesso e provê à Amazon uma plataforma a partir da qual poderá se expandir”, disse o Morgan Stanley em relatório.

A notícia derrubou ações de todo o setor de saúde ontem – e hoje, não houve sinal de recuperação.

A mais castigada foi a Walgreens, que tinha acabado de entrar no Índice Dow Jones na terça-feira e despencou 9,9% ontem. (A rede de farmácias tinha acabado de divulgar resultados acima do esperado, uma recompra de US$ 10 bilhões e aumento de dividendos – mas nada é páreo para o bafo quente de Jeff Bezos na nuca.)

No sellside, a empresa foi de cinderela a abóbora. A Merrill Lynch decretou ‘venda’ no papel e o Baird saiu de ‘outperform’ para ‘neutral’, o mesmo caminho seguido pelo Jefferies – que cortou o preço alvo de US$ 85 para US$ 65.

A CVS bem que tentou se antecipar à chegada da Amazon com a fusão com a Aetna, que complementou sua oferta de serviços de saúde e diminuiu a importância relativa das vendas no balcão. Ainda assim suas ações tombaram 6% ontem e mais 1% nesta sexta.

A PillPack oferece ainda algo crucial na cartilha de Bezos: conveniência. A companhia foi fundada em 2013 por TJ Parker, um farmacêutico que cresceu na drogaria de seu pai em New Hampshire e decidiu empreender para resolver um problema comum: a dificuldade de doentes crônicos (e velhinhos em geral) de pedir e tomar um batelada de remédios por dia.

Os pacientes enviam as receitas para a PillPack, que entrega um suprimento para trinta dias, separando as pílulas em embalagens por dia e horário e com as instruções para ingestão. Um app diz ao cliente a hora de pedir reposições e um ‘painel de controle’ informa o que ele está tomando e porquê. A companhia faz toda a ponta com a seguradora e os PBMs para garantir os descontos, e avalia até se há alguma interação entre os medicamentos que possa causar uma reação adversa.

A proposta de valor é tamanha que o Walmart entrou na briga para comprar a PillPack, segundo a Bloomberg. Mas foi vencido pelo cheque da Amazon, que pagou cerca de US$ 1 bilhão pelo negócio.

Além de dar uma porta de entrada para um setor bilionário, a compra cria uma oportunidade para a Amazon fidelizar o público de mais de 55 anos, a demografia com menos adesão ao Prime – a assinatura anual que dá direito a entregas grátis e no mesmo dia.

Last but not least, há o ângulo Whole Foods. A maior parte dos analistas aposta que a Amazon vai usar as 466 lojas do supermercado para vender medicamentos na loja física e fazer mini centros de distribuição para os pedidos online.

“A forma como consumimos medicamentos é um dos piores processos que temos na vida, é um desperdício de tempo e dinheiro”, Brent Thill, analista da da Jefferies, resumiu em entrevista à Bloomberg. “A Amazon provavelmente vai mudar esse mercado da mesma forma que mudou a forma como compramos livros”.

Infelizmente, para as farmácias tradicionais, ainda não há vacina contra Jeff Bezos.

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