Historicamente dona de um dos fluxos de caixa mais confiáveis do País, a Ambev anunciou que sua geração de caixa despencou 31,3% no Brasil — a maior queda da história da empresa — enquanto, no resultado consolidado, sua margem desabou para o pior nível desde 2004.

A margem EBITDA da operação brasileira colapsou 13,3 pontos percentuais numa tempestade perfeita.

Primeiro, os custos da Ambev no Brasil explodiram 24% — e por um motivo alheio ao dia-a-dia operacional da empresa: a desvalorização do real na segunda metade de 2015 — que chegou a 55% ano contra ano — só agora está desembocando no balanço. No Brasil, 40% dos custos da Ambev são atrelados ao dólar. Bernardo Pinto Paiva

Para uma empresa habituada a racionar o uso da máquina de xerox, clipes de papel e cafezinho em sua busca obsessiva pelo controle de custos, a peça pregada pelo câmbio chega a ser uma piada de mau gosto. E o pior: pegou quase todo os analistas de mercado dormindo ao volante, incapazes de modelar um evento relativamente previsível como este.

“Com o CPV inflacionado devido à desvalorização do Real, a decisão fácil para proteger a nossa rentabilidade no curto prazo seria aumentar os preços acima da inflação,” disse a empresa. “Porém, dado os nossos hedges, sabemos que esse é um impacto temporário e que irá reduzir nos próximos trimestres antes de tornar-se um fator deflacionário.”

Para completar o tsunami, as despesas de vendas e administrativas no Brasil subiram 5,8% porque os Jogos Oli?mpicos Rio 2016 concentraram os gastos com marketing no trimestre.

O comunicado da empresa ao mercado fala por si só, e mostra a pressão sob a qual trabalha o CEO Bernardo Paiva, no cargo há menos de dois anos.

“O terceiro trimestre provou ser o mais difícil trimestre de um ano já muito desafiador. Apesar do sólido crescimento na maioria dos países em que operamos, o fraco desempenho no Brasil nos conduziu a uma queda de 14% em nosso EBITDA consolidado.

Estamos profundamente desapontados com nossa queda de EBITDA no Brasil (-31,3%) no 3T16. Somos uma Companhia de donos e donos assumem resultados pessoalmente.

Porém quando se enfrenta um cenário como este que estamos enfrentando em 2016, pode-se (i) decidir por ajustes paliativos que podem salvar o resultado de um trimestre ou ano, mas comprometer o potencial de crescimento futuro, ou, (ii) o que acreditamos ser o caminho correto, aproveitar rupturas que as crises trazem para melhor se posicionar de forma estrutural. 

Como donos, iremos sempre focar na criação de valor sustentável mesmo que a volatilidade temporária pressione nosso desempenho operacional no curto prazo.”

 
Para além da questão cambial, que vai evaporar do balanço em poucos trimestres, a Ambev enfrenta problemas estruturais como não enfrentava há uma década no Brasil: a queda do poder de compra, o aumento da concorrência (liderada pela Heineken) e a perda de ‘share’ das marcas maduras vis-à-vis novos entrantes estão segurando o crescimento da empresa.  No trimestre, o volume de cerveja caiu 4% e o de refrigerantes, 8%.

O resultado no Brasil bateu em St. Louis, onde a controladora da Ambev, a Anheuser-Busch Inbev, viu seu EBITDA encolher 2% no trimestre — mas ainda cresce 1,5% no acumulado do ano.

No consolidado, a Ambev viu seu EBITDA mergulhar 14% e sua margem cair 7,4 pontos percentuais para 38,2%.  Para se ter uma ideia do choque, o BTG esperava uma queda de 1,1 ponto percentual.