José Carlos MagalhãesNa semana passada, o Brazil Journal conversou por duas horas com o sócio-fundador da Tarpon Investimentos, José Carlos Reis de Magalhães, o Zeca.
 
Sucesso de captação e performance entre grandes investidores internacionais em seus primórdios, no início dos anos 2000, a Tarpon tem tido uma performance sofrível nos últimos três anos.
 
Como acionista mais ativa e vocal na BRF, a Tarpon embarcou num projeto ambicioso de transformar a companhia resultante da fusão entre Sadia e Perdigão. Para isto, defenestrou Nildemar Secches, um CEO idolatrado pelo management da companhia e que, a despeito das dificuldades, havia salvado duas empresas levadas à bancarrota em momento distintos.
 
O objetivo da Tarpon: deixar a BRF menos exposta ao chamado ‘ciclo de commodities’ — a alternância entre momentos de muita e pouca oferta, que ora produz margens de lucro lindas, ora escatológicas — e aumentar o retorno patrimonial da empresa.
 
Até agora, não há evidência de que conseguiu nem uma coisa nem outra. A implosão no preço da BRF nos últimos anos deu força à crítica de que a Tarpon se meteu onde não devia. Para piorar as coisas, seu principal concorrente construiu um negócio usando executivos oriundos da própria BRF.
 
Nesta conversa, cuja transcrição publicamos abaixo, Zeca reforça seu argumento de que está no caminho certo e explica como a Tarpon mudou nos últimos anos.  Para ele, a capacidade de gerar valor de uma forma diferenciada virá cada vez mais do envolvimento direto da gestora com suas empresas investidas na medida em que as arbitragens clássicas de mercado deixam de existir. Este processo, ele diz, envolve erros e acertos.
 
Zeca faz a autópsia do que deu errado na BRF nos últimos anos, fala dos resgates que a Tarpon sofreu e da mudança em sua base de investidores, e diz que a má fase tanto de BRF quanto da Somos Educação já passou. Com a queda da ação da BRF, a participação da Tarpon na empresa agora vale R$ 2,7 bilhões, quase o mesmo que sua participação na Somos (R$ 2,75 bi).  


A Tarpon lá atrás era uma gestora de ações tradicional, mas nos últimos anos se envolveu cada vez mais com a gestão das suas empresas investidas, e de uma forma cada vez mais concentrada.  O que levou a essa mudança no perfil da casa? 


Historicamente, investir em Bolsa envolvia três diferenciais: de informação, de conhecimento e diferencial emocional. Na maior parte do século passado, a arbitragem de informação era preponderante. Aí, obviamente, o pessoal começou a exagerar nesse negócio de arbitragem de informação, começaram a dar os problemas de insiders, e a SEC reagiu.  Então o fato de eu ter uma informação melhor ou antes começou a ser cada vez menos um diferencial competitivo.  O diferencial de conhecimento também está acabando.  O Buffett e a turma de value investing entenderam muito cedo, na década de 50/60/70, que olhar o valor intrínseco das companhias, ter um horizonte de longo prazo, ou seja, montar toda essa tecnologia de investimento baseada no fluxo de caixa descontado… que isso tudo era muito particular deles, que era um método pouco compreendido ou aplicado de forma consistente por outras pessoas — e isso gerou muito valor, por muito tempo, mas cada vez mais gente foi usando isso, e aquele diferencial competitivo que era muito grande começa a ser cada vez menor. A arbitragem emocional do investidor — sua capacidade de sair do efeito manada, de pensar mais com a sua própria cabeça, depender menos de fluxos e ter um estômago para atravessar as crises — continua, é um diferencial, até porque é parte da natureza humana. Agora, olhando para os próximos 10, 20, 30 anos — com inteligência artificial, com algoritmo, com ultra transparência e tudo mais —  a capacidade de geração de valor vai ser bastante diferente do que foi até agora.  Aqui na Tarpon, para o nosso tipo de cultura e expertise, a gente acha que vai conseguir gerar alfa se envolvendo diretamente na gestão das empresas. Cada um tem sua resposta a essa nova realidade: uns acham que a resposta é mais macro, outros que a resposta é mais tecnologia ainda, cada um tem seu caminho.  A nossa resposta é se envolver mais com a gestão das empresas.


Acho que seria interessante explicar para o leitor como é o passivo da Tarpon hoje, os vários dinheiros que existem aqui dentro.

Em paralelo a essa mudança no perfil dos nossos ativos, sempre tivemos preocupação e consciência da necessidade de ajustar o nosso passivo. De ter investidores que entendessem, apreciassem e estivessem preparados para suportar essa transição.  Obviamente isso é mais fácil falar do que fazer. Dentro de uma mesma instituição, tem um gestor que administra dinheiro investido em public equities (ações listadas na Bolsa) e outro que administra recursos de mais longo prazo. Estamos cada vez mais perdendo o primeiro e conquistando o segundo. Esse tem sido nosso objetivo desde 2005, quando a gente pela primeira vez foi para fora do Brasil e tentou atrair um capital mais estável, mais perene, mais flexível para suportar essa jornada.  Faz mais de 10 anos que a Tarpon vem experimentando essa reciclagem de capital.


Circula no mercado que a Tarpon sofreu muitos saques depois da Operação Carne Fraca, com investidores internacionais alegando que não poderiam ficar investidos na BRF por questões de compliance.  É verdade?

Não. Zero. Existem saques sim, mas eles estão mais associados à questão específica de performance, que nos últimos três anos não nos satisfez e não satisfez aos investidores, um pouco associado à questão de Brasil (mas menos) e também ao fato de que, em tempos de vacas magras, você realmente avalia se esse negócio (e para onde a gente está indo) faz sentido para aquele investidor — e principalmente para aquele ‘bolso’ do investidor. Como disse, nossos investidores são grandes instituições, mas o ‘bolso’ que a gente acessou historicamente ainda é o de public equities, ou seja, de Bolsa tradicional. Então temos esse desafio e oportunidade de conversar com outros bolsos das mesmas instituições que fazem investimentos diretos, em oportunidades específicas, e que analisam as companhias diretamente em vez de analisar os fundos diretamente. É isso que estamos fazendo.

O que signficou a saída do GIC e do Abilio de um veículo de co-investimento na BRF? Quais eram as participações e como ficou isso?

A Tarpon tinha em torno de 12% da BRF.  Essa participação incluía as ações detidas por um veículo chamado Makaira, em que os investidores eram o GIC e o Abilio. O Makaira foi concebido para ajudar a constituir um certo núcleo de [acionistas de] referência à época, para poder apoiar as mudanças, a nova fase da empresa. Esse veículo era um fundo com data de vencimento: quatro anos.  Ao final disso, podíamos distribuir as ações da BRF ou vender e repassar o dinheiro aos investidores. Como ambos já eram acionistas de BRF, quando o prazo venceu, eles e a Tarpon decidiram que devíamos pagá-los em ações, e agora eles carregam essa posição diretamente. A Tarpon agora tem algo como 8,5% da BRF. 

Quando a Tarpon entrou na BRF, o discurso era de transformar a companhia numa empresa de marcas de consumo, mais imune à volatilidade do ciclo.  Essa ambição foi vista com ceticismo no mercado.  Muita gente disse que era impossível transformar uma empresa de commodity em outro bicho.  Vocês já estão na empresa há quantos anos?

A gente está na empresa há vários anos, mas neste formato em que temos um nível de envolvimento maior — junto com o Abilio e outros acionistas — estamos desde abril de 2013.

A companhia parece tão dependente do ciclo quanto sempre foi.  A estratégia está certa? Você mudou alguma coisa no seu jeito de pensar sobre essa transformação da BRF?

O objetivo continua no sentido de reduzir a ciclicalidade da empresa. Isso sim. O objetivo nunca foi não existir ciclo.  Ninguém nunca falou isso. O objetivo era reduzir essas volatilidades e amplitude dos ciclos.  Eu acho que há uma grande confusão hoje no mercado, especificamente na interpretação da ciclicalidade da companhia.

Se a gente olhar especificamente o ciclo a que todos acham que estão se referindo — o ciclo de commodities mesmo, em que, quando as margens estão muito boas, os produtores aumentam a oferta, e preços e margens caem, aí todo mundo tem prejuízo, reduz a produção, aumenta de novo o preço… enfim o ciclo normal — eu acho que a companhia hoje está muito melhor posicionada e muito menos cíclica do que quatro anos atrás.  Isso é fruto de uma diversificação geográfica maior, de uma agenda de agregação de mais valor e principalmente do movimento de downstream da companhia: de mover para distribuição, força de vendas e marca em mercados que originalmente eram bastante mais ‘in natura’, commodities, e tudo mais. Isso aconteceu. Então, por que a gente teve uma queda de margem de 18% para 10%… uma amplitude tão grande quanto os ciclos históricos?  Parece ser evidência de que a companhia continua tão cíclica quanto sempre foi, né?  

A minha visão particular nesse assunto é a seguinte: a gente não viveu nestes últimos dois anos um ciclo, a gente viveu seis ciclos.  Seis ciclos simultâneos e que não tem nada a ver um com o outro.

Se você extrair os outros cinco ciclos e só olhar a volatilidade originada pela oferta e demanda, a companhia está absurdamente menos exposta ao ciclo.  Não está imune, claro que não. Mas se você fosse medir em desvio-padrão, a gente estaria em desvios-padrões de margem bastante menores do que historicamente. Quais são esses outros cinco ciclos?

Milho. A gente sempre achou que o milho que era um amigo da companhia. Quanto mais caro o milho, maior o diferencial competitivo da companhia em adquirir o milho no interior do Brasil pela sua escala e sua logística. Essa visão, para mim, continua a mesma. Mas então o que aconteceu?  Não foi o preço do milho… Foi que, pela primeira vez na História, o milho do Brasil ficou o milho mais caro do mundo!  Pela primeira vez na história, a BRF e os produtores brasileiros — que eram, sempre foram, e, já a partir do segundo semestre, vão voltar a ser os produtores de mais baixo custo do mundo por causa do milho barato — tiveram duas quebras espetaculares de safra.
 
Com o El Niño, choveu quando não era para chover, e depois não choveu quando era pra chover, e a safrona e a safrinha quebraram. Isso levou o tal do ‘basis’ [a diferença de preço do milho no Brasil em relação ao milho internacional] para um nível que nunca se observou. A gente lá no meio de Mato Grosso chegou a pagar 30% de PRÊMIO em relação a Chicago, quando historicamente era 20%, 30%, 35%, 40% de DESCONTO em relação a Chicago. E o Brasil, ao contrário da maioria dos países, não tem logística reversa nenhuma para o milho.  Quando a gente tentou importar milho para pagar pelo menos próximo ao preço internacional, você não tem como voltar para uma fábrica no meio de Mato Grosso milho vindo dos EUA.  Essa logística reversa não funciona. Foi um fenômeno meteorológico nunca dantes visto que tirou muita, muita rentabilidade da companhia. Isso aconteceu ao longo de 2016: na safrona de janeiro e na safrinha de junho/julho. Adicionou ciclicalidade e piorou nossas margens. A boa notícia é que esse fenômeno já ficou pra trás. A gente acabou de ter a safra recorde, histórica, de milho no Brasil. É uma questão de tempo esse milho transitar pelo nosso processo produtivo até esse fenômeno ficar pra trás.

 
Tem outros quatro ciclos.
 
A questão da recessão no Brasil.  Nunca tivemos uma recessão desta magnitude, que não tem nada a ver com os outros ciclos, mas aconteceu ao mesmo tempo, no final de 2015, inicio de 2016. Para nós, em particular, isso foi muito difícil, porque as nossas marcas eram as mais valiosas em termos de preço e o consumidor estava favorecendo muito as marcas de menor preço. Ao mesmo tempo, como empresa-líder, a gente teve que repassar todo esse custo do milho. Então esse ‘tradedown’ num ambiente altamente recessivo também exponencializou a nossa margem ao contrário.
 
Tem outro ciclo, associado a essa questão do ‘tradedown’, que é o CADE.  Até julho deste ano, o CADE não deixa a gente lançar uma nova marca além de Sadia e Perdigão. E por que isso pra nós é relevante? Porque, neste ambiente recessivo, o mercado de ‘primeiro preço’ [menor preço] saiu de 12% para 42% do total.  A gente não podia entrar com uma marca, e também não ia pegar Sadia e Perdigão e destruir o ‘equity’, o ‘branding’ da marca para jogar esse jogo. Agora a partir de julho vamos ter a possibilidade de atender esse mercado que ficou muito importante.
 
Um quinto ciclo é o dólar. Essa é uma companhia que na média se beneficia com o dólar menos sobrevalorizado. Mas mais do que o patamar do dólar, o processo de valorização do câmbio é o que realmente nos prejudicou entre 2015 e 2016. Ou seja, a gente esteve a quase R$4 e voltou a quase R$ 3. Essa valorização do real, na forma como aconteceu, não nos deu tempo — até porque o ciclo estava ruim e tudo mais — de reposicionar nossa rentabilidade nos mercados fora do Brasil. Esse é um ciclo que parece estar pra trás, agora pode haver até haver uma eventual desvalorização.
 
E qual é o sexto ciclo?  É o ciclo do nosso competidor. Na minha visão, Zeca, era insustentável o nível de agressividade, de práticas que agora ficaram conhecidas, que ele estava operando no nosso mercado. Esse ciclo também parece que pelo menos vai amenizar de alguma forma… a quantidade de dinheiro e de práticas vão mudar.
 
Em relação ao competidor, o que você quer dizer com agressividade de práticas?
 
Agressividade não é só de preço.  Eu não quero entrar na agenda de delação, dos crimes que estão sendo lá apurados. Vou falar exclusivamente do ponto de vista comercial. Eu acho que o principal desarranjo que aconteceu não foi em preço, não foi em custo: ele foi em quantidade de marketing e verba de trade. É o maior item de custo da BRF — entre marketing e trade estamos falando de mais de R$ 1 bilhão — e o concorrente tinha mais verba que a gente… e a gente tinha 3 ou 4 vezes o market share dele.  Então, a verba por market share era um negócio MUITO desproporcional. Eu acho que esse é o grande fenômeno que vai começar a mudar pra frente.

Você tem algum ‘regret’ sobre o nível de concentração da carteira? Todo mundo sempre disse que ter 65% dos recursos numa empresa [a BRF] — mesmo sendo OK alguém gostar de concentração — era demais.  Sua visão sobre isso evoluiu de alguma forma?
 
Eu acho que talvez a lição aqui seja mais do ponto de vista do investidor.  Estamos fazendo um fundo de public equities, que vamos começar a captar daqui a pouco, em que a gente oferece um portfólio, e o investidor deve esperar justamente isso.  Quando está tudo indo bem ninguém nota, e os investidores não prestam atenção, mas nestes anos de vacas magras — esses últimos três — o que a gente notou é que os investidores também esperam um portfólio APESAR da gente falar que não existe uma lógica de portfólio e sim uma lógica de ter boas companhias muito mais como um empresário pensa do que como um investidor aloca.  Então eu acho que o ‘regret’ está mais em não ter ido até o fim em explicar que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.  
 
Qual é a diferença entre essa empresa que a Tarpon quer ser — que se envolve na gestão das companhias — e um private equity clássico?
 
Nossa experiência tem sido de que, para transformar as empresas, a gente tem que estar disposto a embarcar em tradeoffs para que, no longo prazo, a companhia seja muito melhor e gere mais valor do que se não tivesse embarcado naquela transformação. Acontece que os primeiros anos são os mais complicados, seja pelas mudanças necessárias para entrar nessa jornada, seja pela experiência que você tem que adquirir ao longo do tempo, já que você não nasce experiente no negócio e demora tempo para construir uma cultura, um sistema de gestão e um time. Na nossa visão, nessas quatro empresas em que embarcamos mais contundentemente nessa jornada de transformação, três ou quatro anos é um prazo em que a companhia, já transformada, começa a performar melhor — em métricas objetivas de valor, como preço da ação, EBITDA, lucro… — do que se não tivesse sido transformada. Mas nestes primeiros três ou quatro anos você vai estar mais exposto.
 
Você claramente acredita na capacidade que vocês têm de transformar uma empresa, mas o mercado consegue apontar vários casos de pessoas que vieram de um background financista, com uma postura ativista, e que acabaram destruindo valor em empresas.  Você conhece esses exemplos também…  Eles estão por aí: desde o Bill Ackman na Target até o caso da Dasa lá atrás.  Que reflexão você faz sobre o limite da sua capacidade de fazer a transformação acontecer?
 
Ótimo ponto. Aliás, essa é essencialmente a razão pela qual a gente quis (já faz quase um ano) trabalhar nesta desassociação entre a nossa gestão de public equities — o olhar frio de investidor, prazo menor, e a flexibilidade de mudar posições — de uma abordagem empresarial em que você tem que ser apaixonado.  Não conheço empresário de sucesso que não seja apaixonado pelo negócio. Nos últimos cinco anos, a gente atuou empresarialmente de uma forma muito combinada com a nossa estratégia de investidor.  E, faz um ano, como reflexo desse aprendizado todo, e para poder gerar mais impacto e ter maior alinhamento, fizemos uma separação de equipe, de talentos, de comunicação com os investidores. (…)  É isso que estamos fazendo na Tarpon: desassociando a parte de investimentos de portfólio, de Bolsa, da parte empresarial.
 
Sendo menos investidor e mais empresário?
 
Dez anos atrás, a gente tinha a ideia de que existia uma co-habitação muito forte entre os dois. A gente acha que existe o empresário que se beneficia muito de uma cabeça de alocação de capital, de um olhar financeiro, etc, mas… você não pode servir aos dois senhores igualmente.  Tem que ser um capacitado pelo outro, ou vice versa.
 
Somos Educação: houve uma nota publicada recentemente dizendo que o plano B da Kroton, se não comprasse a Estácio, seria a compra da Somos.  Vocês estão lá há três anos. Já estariam prontos para vender esse ativo?
 
A gente tá super feliz com a Somos. Em linha com o que eu te comentei sobre o modelo de transformação, a gente teve aí um ano e meio, quase dois anos de desafios, até a gente produzir o novo, ganhar tração e conhecimento. Mas agora, a partir do meio de 2016 para frente, apesar do mercado de escolas continuar muito duro, a gente agora começa a produzir a real transformação e com impacto direto em resultado. Em todas as métricas de geração de valor, a gente entrou numa espiral muito positiva.  E não tem nada conjuntural nisso, muito pelo contrário: o conjuntural hoje é vento contra. A gente está bem mais convicto hoje do que estava no investimento, na tese de longo prazo e na capacidade do time de entregar. Muito pelo contrário: queremos só reforçar e fazer mais da Somos, porque o futuro dela é bem promissor.
 
A Tarpon está valendo cerca de R$ 140 milhões na Bolsa.  O ‘free float’ [as ações em circulação no mercado] é mínimo. Ao mesmo tempo, o site da Tarpon não mostra sequer uma apresentação institucional nos últimos 3 anos… Dá a impressão de que vocês desistiram o mercado de capitais.  Vocês pensam em fechar o capital? Obviamente, você não vai responder a essa pergunta assim, mas faz uma reflexão sobre a própria Tarpon hoje ser uma empresa listada. Qual o sentido disso?
 
Em 2007, a gente abriu o capital essencialmente para se alinhar mais ainda com nossos investidores, ou seja, quando eles sentem dor, a gente sente dor igual, porque a partir dali o nosso capital [investido] passou a fazer muito mais diferença para a gente em termos de geração de valor do que os ‘fees’ cobrados. A gente levantou dinheiro [com o IPO], reinvestiu todo o dinheiro — que virou capital permanente — no fundo e passamos a ser o maior ou o segundo maior investidor da Tarpon. Isso é um mecanismo de alinhamento importante, principalmente quando a gente pensa em cada vez mais ir para o empresariamento, para o longuíssimo prazo, e para realmente fazer mais o que a gente acha que deve ser feito e menos o que os outros acham que a gente deve fazer. Essas foram as grandes questões que nos levaram a abrir o capital.
 
E aí é uma questão de interpretação — o quanto, hoje, a Tarpon enquanto empresa pública serve… ou amplia… ou catapulta valor neste sentido ou não.  Obviamente eu não posso dar a resposta, e não existe aqui uma decisão nem para um lado nem para o outro, mas é uma reflexão, assim como a gente faz com todos os nossos negócios.
 
Saiu muita gente da Tarpon nos últimos dois anos.  Isso tem a ver com a underperformance dos ativos?
 
Não dá pra generalizar.  Cada caso é um caso, mas tem dois traços talvez em comum, não em todos, mas na maioria dos casos. Um é: óbvio que nos últimos três anos a geração de prosperidade aqui foi menor que nos 12 anos anteriores, então a perspectiva — principalmente de quem ainda não havia acumulado um patrimônio — é diferente num período de vacas magras.  Não dá pra afastar isso.  
 
Dois, e talvez igualmente importante, são as escolhas, os caminhos.  A gente claramente fez uma escolha pelo empresariamento e foi com tudo.  Tem pessoas que se identificam menos com isso.  Tem pessoas que se sentem mais (ou menos) capazes de agregar valor nessa dimensão e acham que podem agregar valor em outras dimensões que talvez não ficaram tão prioritárias dentro do que a gente enxerga de futuro para a Tarpon.  Tem questões específicas, mas acho esses são os dois traços comuns.
 
Mas a casa hoje é menor em termos de ‘headcount’ do que era na filosofia antiga?  A Tarpon-empresária demanda menos gente aqui dentro, ou não?
 
Nunca tinha pensado nisso… em termos de headcount. Acho que a gente hoje deve ser muito próximo do nosso tamanho médio dos últimos 10 anos. Tem horas que a gente tá um pouco mais inchado, talvez antes de ir para uma companhia como a Somos — para onde foram 6 ou 7 pessoas da Tarpon.  Obviamente você tem que ficar um pouco inchado para ‘engravidar’ um próximo investimento. Mas se não me engano a gente sempre rodou em torno de 25 pessoas e hoje devemos ter umas 23 — mas já teve 35, se não me engano no high em 2011.
 
Qual é hoje o maior ‘misconception’ do mercado sobre a Tarpon como gestora?
 
É ter um olhar estanque, e não dinâmico. A ‘foto’ hoje pauta toda a narrativa — até, muito provavelmente, por incompetência nossa em termos de comunicação.  Mas o filme dos próximos 10 anos é muito consistente, tem um ‘oceano azul’ muito interessante.  A gente sempre preferiu fazer uma coisa diferente em vez de fazer igual e melhor. Nossa filosofia desde 2002 sempre foi uma de buscar o oceano azul, aprendendo, se moldando, conquistando nos seus erros e acertos. A Tarpon está num oceano azul.  A gente tá fazendo coisas que ninguém está fazendo. Acertando às vezes. Outras vezes errando.  Na BRF a foto é mais errando que acertando. Na Somos a foto é mais acertando que errando. Varia. 
 
Mas a ‘foto’ hoje não está fazendo um dano à franquia que pode se tornar permanente?
 
Eu acho que não.  Desde que você não entre num dano de franquia que inclua fazer coisa errada… porque esse tipo de coisa é irrecuperável, mas não é o caso. Como temos uma estória muito consistente (com erros e acertos) de aproximação das companhias e de construção, assim que as coisas começarem a acontecer — ou o pessoal perceber por exemplo que Somos hoje já é maior do que BRF em termos de tamanho e Somos sobe 100% na Bolsa — o tempo vai mudar a percepção….  O único benefício de já ter 15 anos de Tarpon é entender que, nesse nosso negócio, você vai de toalha felpuda para pano de chão (e de pano de chão para toalha felpuda) muito rápido. Você tem que aceitar essa realidade e estruturar o seu sistema imunológico (que inclui pessoas e investidores) para isso, ou então você não tem que estar neste ramo.  Nesse ramo, ou você é gênio ou imbecil. O segredo é você não acreditar nem numa coisa nem na outrae manter uma consistência, uma visão, um propósito e trabalhar duro.