LAS VEGAS – Michael Dell está apostando tudo na inteligência artificial. O fundador da Dell Technologies disse que a revolução da AI será maior “maior do que as vistas com os smartphones e a internet combinadas”.

Mas, segundo ele, os serviços de nuvem não serão suficientes para sustentar essa transformação – e é aí que entra a Dell com suas “AI factories”, um conceito lançado pela companhia no ano passado e que já vem gerando pedidos bilionários.

Resumidamente, as fábricas de IA são soluções de infraestrutura que integram servidores otimizados, armazenamento e redes em um ecossistema único – permitindo que empresas implementem AI a custos menores que em uma nuvem pública.

De acordo com cálculos da própria Dell, os custos podem cair em até 62% se comparados aos serviços de nuvem pública, como os oferecidos pelo Google Cloud e AWS.

John Roese, o CTO e Chief AI Officer da Dell, disse ao Brazil Journal que além dos custos menores as AI Factories processam dados mais perto de onde eles são gerados – o que evita transferências para data centers distantes.

Isso, segundo ele, resulta em uma menor latência e maior segurança para aplicações de IA. É “um caminho sem volta,” disse Roese.

No primeiro tri, a Dell registrou US$ 12,1 bilhões em encomendas de servidores para AI – mais do que o ano fiscal de 2024 inteiro. Com isso, a empresa agora tem um backlog de pedidos de US$ 14,4 bilhões. (No fim de 2023, a receita com esse segmento era zero.) 

06 12 Michael Dell ok

Para Roese, esses números representam apenas uma fatia ínfima do potencial da Dell. Segundo o CTO, o mercado endereçável de AI está em US$ 2 trilhões, e o maior potencial está justamente no enterprise.

Roese estima que, mesmo após os avanços dos LLMs nos últimos anos, apenas 20% das empresas no mundo realmente adotaram AI em escala. 

“Nós mesmos começamos esse processo recentemente e começamos a transformar nossas operações,” disse.

Segundo o CTO, Dell já percebe ganhos internos de produtividade com um assistente digital que automatiza atendimento e suporte interno, a redução dos fluxos e trabalhos de TI e uma análise preditiva de supply chain, antecipando gargalos logísticos. 

“No último ano, crescemos US$ 10 bilhões em receita e ainda assim reduzimos nossa estrutura de custos em 4%,” disse. “Como exemplo: hoje 40% dos códigos que fazemos na Dell são gerados por máquinas.”

Roese acredita que esse tipo de ganho concreto – e não só o hype – é o que vai convencer o mercado de que a Dell pode ser uma das protagonistas da IA. A carteira atual inclui clientes como JP Morgan, a xAI (de Elon Musk) e a Caterpillar.

Com a explosão dos pedidos por novas AI Factories, o mercado começou a comprar a tese. Dos 27 analistas que acompanham o papel da Dell, 23 têm recomendação de compra ou overweight.

Ainda assim, a ação acumula queda de 20% nos últimos doze meses, enquanto o S&P 500 sobe 10% no período.

Os analistas David Vogt, Andrew Spinola e Brian Luke do UBS dizem que há uma preocupação com a queda na margem devido aos altos investimentos em IA e o impacto das tarifas de Donald Trump.

Por isso, o UBS cortou seu preço-alvo para a Dell de US$ 150 para US$ 145 – o equivalente a 15 vezes o fluxo de caixa estimado para 2026. 

Mesmo com o ajuste, o papel segue negociando a um desconto de cerca de 32% em relação ao múltiplo do S&P 500 – um reflexo do crescimento acima da média, mas ainda limitado pelos riscos macro e tarifários.

Os analistas também se mostraram preocupados em relação à imprevisibilidade da entrega dos servidores, mesmo com o backlog crescendo. 

Um dos pontos de alerta foi a empresa não ter alterado o guidance de 2025. 

Para o segundo tri, por sua vez, a Dell projetou uma receita entre US$ 28,5 bilhões e US$ 29,5 bilhões (sendo US$ 7 bilhões vindos dos servidores de IA), além de EPS de cerca de US$ 2,25 – todos números acima das expectativas.

Ainda assim, apesar das boas expectativas de curtíssimo prazo, o analista Samik Chatterjee do JP Morgan definiu a não mudança de guidance para o ano como “hesitante”. 

Raphael Figueiredo, o estrategista de renda variável da XP, vê essa falta de sinalização como estrutural.

“Esse comportamento foi disseminado entre companhias do S&P 500: apenas 16% deram guidance no último trimestre, contra uma média histórica de 40%,” disse. 

O CTO disse estar confiante com os resultados e se agarra no fato de poucas empresas terem ferramentas de IA desenvolvidas dentro de casa – no Brasil e no mundo.

Diego Puerta, o CEO da Dell Brasil, define o cenário no Brasil e na América Latina como em estágio inicial. Segundo o executivo, a principal limitação é a maturidade da organização dos dados das empresas.

“Tem muita empresa ainda começando o processo de organizar a casa,” disse. 

Uma outra alavanca de crescimento da companhia para os próximos trimestres deve ser a evolução da venda dos computadores com NPUs embarcados. 

Segundo Sam Burd, presidente da área de client solutions da Dell, com o fim do suporte da Microsoft para o Windows 10 marcado para outubro, uma série de empresas e consumidores em geral precisarão trocar seus computadores.

A expectativa: a maior parte já vai comprar PCs com AI embutida.

“A AI vai estar em todos os lugares – mas será invisível como a eletricidade,” disse Michael Dell. “E estamos apenas começando.”

 

O Brazil Journal convida gestores de ações globais a escrever sobre teses e posições de suas carteiras. Envie para globalstocks@braziljournal.com.