A certa altura de “A Fogueira das Vaidades”, de Tom Wolfe, Sherman McCoy, executivo de uma firma de investimentos, especula qual seria seu destino se viesse a público a informação de que ele esteve envolvido no atropelamento de um jovem negro no Brox. McCoy imagina o abalo em sua reputação e as dificuldades que teria para sustentar seu padrão de vida. “Eu já estou quebrado ganhando US$ 1 milhão ao ano!”
O livro é de 1987, e aquele US$ 1 milhão, ajustado pela inflação, vale US$ 2,5 milhões nos dias de hoje. Era muito dinheiro naquela época, mas mesmo assim McCoy tinha dificuldades para pagar todas as suas despesas.
Ele faz as contas. Havia faturado US$ 980 mil no ano anterior. Só para honrar as parcelas do financiamento do apartamento na Park Avenue, eram US$ 252 mil por ano, sem falar nas tarifas e manutenção. Sua casa em Southampton consumia outros US$ 116 mil. Entretenimento e restaurantes? Mais US$ 37 mil. Escola do filho, roupas, salários dos empregados, a mensalidade do clube… Sem falar nos impostos… Feita a soma, ele havia gasto mais de US$ 980 mil naquele ano.
O personagem de Tom Wolfe não é citado em nenhum momento no livro “A Psicologia Financeira” (Harper Collins, 304 páginas), do americano Morgan Housel, mas bem que poderia. O trader Sherman McCoy exemplifica perfeitamente alguns dos maiores vícios listados pelo consultor.
O livro de Housel virou um grande best-seller internacional, com mais de 1 milhão de exemplares vendidos. Sua premissa básica é que o sucesso financeiro de uma pessoa tem muito mais a ver com o seu comportamento do que com a sua inteligência.
“E a forma como alguém se comporta é uma coisa difícil de ensinar, mesmo para pessoas bastante inteligentes,” diz ele, que é um dos fundadores da empresa de investimentos Collaborative Fund e foi colunista do Wall Street Journal e da consultoria The Motley Fool.
Uma história real, narrada no livro, ilustra esse ponto. Ronald James Read deixou, após a sua morte, uma pequena fortuna de US$ 8 milhões. Detalhe: Read passou boa parte da vida trabalhando como mecânico num posto de gasolina, e outro tanto como faxineiro da JC Penney. Tinha apenas o ensino médio e levou uma vida modesta. Seu segredo foi investir o pouco que conseguia poupar em ações blue chips. Faleceu em 2014, aos 92 anos. O hábito de poupança e o efeito de capitalização, ao longo dos anos, foram suficientes para transformá-lo em um milionário.
São poucas as pessoas pobres, mesmo nos EUA, que conseguem realizar tal façanha. Mas não são poucos os milionários que chegam arruinados ao final da vida. A lição aí é o tipo de comportamento em relação ao dinheiro. E nisso o velho faxineiro não foi muito diferente de Warren Buffett.
Até os seus 65 anos, Buffet tinha “apenas” US$ 3 bilhões. A maior parte de sua fortuna foi constituída na terceira idade — e o tempo teve uma contribuição essencial para isso. Buffett tem um histórico fantástico como investidor, com rentabilidade anual média de 22%. Mas qual teria sido o efeito se ele tivesse decidido parar de investir e se aposentar aos 60 anos? Sua fortuna, hoje, seria de meros US$ 12 milhões.
“Existem mais de 2 mil livros que falam sobre como Warren Buffett construiu sua fortuna. Muitos são maravilhosos”, escreve Housel. “Contudo, poucos prestam atenção à coisa mais simples de todas: a fortuna de Buffett não se deve apenas ao fato de ele ser um bom investidor, mas sim ao fato de ele ser um bom investidor desde que era, literalmente, criança.”
Segundo o autor, os livros sobre investimentos costumam focar em questões técnicas e deixam de lado aquilo que, ao fim do dia — ou da vida — pode ser muito mais importante: a maneira com a qual as pessoas se relacionam com o dinheiro. “Há um milhão de formas de ficar rico e um monte de livros sobre como fazer isso. Mas só existe uma forma de continuar rico: um misto de frugalidade e paranoia,” resume Housel.
O consultor divide o livro em 20 breves lições. Sua ênfase está na necessidade de usar o dinheiro para comprar tranquilidade, mesmo que isso signifique perder oportunidades tentadoras de aplicações da moda ou que isso exija abrir mão de casas e carros luxuosos.
A dura realidade é que existe uma indústria enorme de fundos e consultorias financeiras, mas a grande maioria, diz Housel, não oferece um histórico de rentabilidade superior a seus respectivos benchmarks. Não é fácil bater o mercado. Os poupadores precisam ser menos ansiosos e ter paciência, porque a economia e as finanças estão sujeitas a ciclos.
Mais do que obter grandes retornos, para Housel o fundamental é ser à prova de falências. O objetivo deve ser “ficar no jogo” para que o “compounding” (juro sobre juros) faça sua mágica.
Há períodos em que o mercado entra em correção ou anda de lado; no longo prazo, porém, os resultados são expressivos. O S&P 500 aumentou em mais de 120 vezes nos últimos 50 anos. O Dow Jones mantém uma média histórica de rentabilidade de 11% ao ano. “Basta sentar e deixar o dinheiro render,” diz o consultor.
No último capítulo, ele conta como administra seu próprio dinheiro — uma maneira absurdamente simples. Procura manter uma vida confortável, mas sem luxo, e poupa uma parcela substancial de seus ganhos. As suas aplicações são todas em fundos de índice de baixo custo, numa combinação de ações americanas e estrangeiras. Acha arriscado demais e contraproducente escolher ações específicas. Mantém uma parcela de sua poupança em dinheiro para cobrir eventuais emergências e não mexer nos investimentos de longo prazo. Como já disse Charlie Munger: “A primeira regra do compounding é jamais interrompê-lo desnecessariamente.”
O consultor reconhece que sua fórmula não serve para todo mundo, mas ele prefere viver sem se sujeitar a pressões sociais ou a competições com vizinhos, colegas e familiares. E elogia uma definição feita por Nassim Taleb: “O verdadeiro sucesso é abandonar a disputa desenfreada e passar a modular nossas atividades visando obter paz de espírito.”
No Brasil, é preciso fazer a ressalva de que, historicamente, o CDI tem batido a Bolsa. De qualquer maneira, as recomendações de Housel são extremamente válidas, e podem ajudar muito os investidores que estão chegando agora no mercado.