“Depressão, ansiedade, TDAH e outros transtornos não passam de doenças do cérebro”. “Não, não… Na verdade, são desculpas de preguiçosos”. “Se é doença, tem que tratar com remédio!”. “De jeito nenhum: está todo mundo medicado e a quantidade de gente deprimida e ansiosa só aumenta — culpa da indústria farmacêutica!”

É nessa disputa de discursos “tudo ou nada” que a psiquiatra e psicoterapeuta Juliana Diniz, pesquisadora do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, embrenha-se no livro O que os psiquiatras não te contam, da editora Fósforo. (Compre aqui)

Com rigor científico e sensibilidade, a autora explora a  complexidade do debate, mas em linguagem simples. E se posiciona logo de cara: não, os transtornos mentais não são meras doenças do cérebro — o que não quer dizer que sejam mitos. 

E, sim, merecem atenção médica — o que não significa que receitar um remédio vá dar conta deles, como um antibiótico resolve uma amigdalite. 

Juliana reconhece que há boas intenções por trás do discurso que tenta explicar a origem dos transtornos psiquiátricos como um desequilíbrio químico no cérebro — entre elas, reduzir o estigma em torno do adoecimento mental. Mas a pesquisadora demonstra com detalhes que não há base científica suficiente para essa afirmação. “Não encontramos os marcadores biológicos característicos da depressão, como a disfunção da insulina, no caso do diabetes, ou o entupimento das veias coronárias, no caso do infarto,” escreve. 

E mais: a médica argumenta que essa “validação biológica” não é necessária para conferir legitimidade à atuação dos psiquiatras, nem para dar direção aos tratamentos.

“Ninguém vai saber o que te deprime olhando seus neurônios. Mas se soubermos que você teme enlouquecer porque isso ronda a sua família, (…) ou que se arrepende das suas escolhas, aí sim vamos saber por onde começar.”

Ou seja: a ferramenta mais valiosa da clínica psiquiátrica não está nas imagens coloridas que mostram o funcionamento do cérebro — por mais importantes e interessantes que possam ser os avanços das neurociências — mas na escuta.

“Essa escuta, que permite ao paciente entender melhor o contexto dos seus sintomas, é tão importante para o sucesso do tratamento quanto a medicação — se não for mais,” escreve Juliana.

Para dar força à tese, a autora traz casos como o de uma moça que melhorou os sintomas de ansiedade, que persistiam mesmo tomando remédios há meses, quando foi esclarecida sobre a ação dos medicamentos. 

A paciente, conta Juliana, “esperava demais do remédio, como se ele fosse capaz de transformar alguém ligado nos 220 volts em um iogue seguidor do zen-budismo”. 

A médica, então, tratou de explicar que o remédio não muda personalidades. O que ele faz, quando ajuda, é aliviar os picos de ansiedade que deixam a pessoa paralisada. A melhora da paciente nas semanas seguintes, avalia a médica, possivelmente veio de uma expectativa mais realista sobre o efeito do remédio, que a ajudou a se beneficiar mais dele, mesmo sem qualquer alteração na dosagem ou combinação com outros tratamentos. Ou seja, para seres complicados como o humano, não dá pra botar tudo na conta da química.

“É preciso saber usar os remédios quando eles têm mais chance de ajudar e oferecer outras opções quando não forem suficientes,” pondera a autora, deixando claro que uma boa escuta não é prerrogativa apenas dos psicoterapeutas.

“Se, ao final de uma consulta psiquiátrica o médico não souber com quem você mora, como você se relaciona com as pessoas mais importantes à sua volta, como é a sua rotina, se você gosta ou não do que faz ou quais assuntos lhe interessam, alguma coisa está errada.”

A importância dos fatores culturais, sociais e pessoais na avaliação psiquiátrica também é ressaltada pela autora ao comentar o aumento vertiginoso no número de pessoas tomando remédios para transtorno de déficit de atenção com hiperatividade, o TDAH.

Segundo Juliana, a mudança nos critérios diagnósticos, muito menos restritivos atualmente, transformaram em sintomas fatos tão cotidianos quanto abrir a geladeira e esquecer o que iria pegar ou se irritar com uma explicação longa, sem levar em conta um possível histórico de problemas de atenção na infância e sua ocorrência em diversos contextos. “Episódios de desatenção são frequentemente consequência de cansaço, ansiedade, ou da forma como selecionamos o que merece nossa atenção, mais do que sintomas de uma doença,” afirma, alertando para o uso de medicamentos sem indicação adequada.

No capítulo final, a autora traz ainda a interessante notícia de que as neurociências e as ciências sociais têm se articulado para desvendar como as experiências de vida modificam a organização do cérebro.

Estudos nessa linha poderiam embasar intervenções como a arborização das cidades e políticas antirracistas, que, segundo evidências científicas, têm impacto positivo na saúde emocional. 

“Ainda que não se restrinjam ao escopo da psiquiatria, essas medidas são capazes de favorecer uma quantidade muito maior de pessoas do que eletrodos posicionados dentro do cérebro,” escreve a autora.