Howard Marks diz que subestimar riscos é o maior risco que alguém pode correr.
Mas o fundador da Oaktree também já afirmou que não é pago para agir como um “gato assustado”.
Por isso, durante a crise de 2008, Marks decidiu ir contra seus instintos e comprar de forma agressiva: investiu em torno de US$ 500 milhões em distressed assets por semana, e durante 15 semanas.
“Os valuations estavam tão atrativos que, se ele não fosse ousado, estaria falhando com seus investidores,” o jornalista e escritor William Green disse ao Brazil Journal.
Essa é uma das histórias que Green reuniu ao longo de duas décadas de entrevistas com alguns dos principais investidores da atualidade – além de Marks, Warren Buffett, Charlie Munger, Peter Lynch, Jack Bogle, Bill Miller e outros. As entrevistas deram origem ao livro Ricos, Sábios e Felizes.
William, que estará em São Paulo no dia 18 para o evento AGF Day, da família Barsi, também falou sobre como os grandes investidores são obcecados por controlar riscos e… keep compounding.
Grandes investidores têm um jeito peculiar de pensar e analisar cenários. O que é possível aprender com eles?
Uma das melhores lições é a de Charlie Munger, que analisava não apenas os investidores bem-sucedidos, mas também os que iam mal – para saber o que evitar.
Um erro comum desse segundo grupo é a ilusão de que é possível prever o futuro. Ninguém sabe o que vai acontecer: se precisávamos de provas, a covid foi uma.
Como diz Howard Marks: em vez de nos divertirmos pensando que podemos antecipar o que vai acontecer, deveríamos gastar tempo nos preparando para um futuro incerto.
Por exemplo: diversificando, refinando maneiras de estudar negócios – nesse campo, cada investidor tem sua estratégia.
Outra lição é entender seus pontos fracos e, especialmente, suas limitações, para atuar em áreas em que você pode ter vantagens competitivas.
Como conhecem suas limitações e sabem que vão errar, muitos desses grandes investidores são obcecados com controles de risco.
Sim. É inevitável correr riscos, mas é importante evitar aqueles que podem tirá-lo do mercado.
Warren Buffett diz que a coisa mais importante para um negócio é continuar expandindo seu moat, ou seja, sua vantagem competitiva em relação à concorrência. Isso vale também para os investimentos.
Um segredo de investidores longevos como ele é keep compounding. É possível obter retornos bem acima da média ao longo do tempo fazendo incrementos graduais e evitando catástrofes.
É uma maneira de pensar que também pode ser aplicada à vida cotidiana. Há um personagem maravilhoso no meu livro chamado Ed Thorpe, um matemático que é gestor de fundos e também formulou uma teoria de como ganhar no blackjack.
Ele estava tão focado em evitar catástrofes que desistiu de andar de bicicleta depois de analisar os números de acidentes fatais com ciclistas.
De tudo o que você ouviu, quais são as características mais importantes para um investidor no cenário atual?
A habilidade de ficar calmo nunca foi tão importante, porque há muita incerteza na economia, na política, na geopolítica.
Bill Miller, que entrevistei por quase 100 horas durante os últimos 25 anos, me apresentou à filosofia estóica, que ensina que é preciso distinguir o que podemos do que não podemos controlar.
Não temos controle sobre os resultados das eleições ou de investigações políticas, mas podemos controlar como reagimos a eles.
Bill Miller perdeu uma fortuna na crise de 2008 por um erro analítico que cometeu. Foi muito difícil para ele, obviamente, e ele resolveu se concentrar não em melhorar sua reputação, mas em aprender com os erros e tentar recuperar o dinheiro para as pessoas que confiaram nele.
Além de ter calma, é preciso evitar o impulso para agir diante de qualquer mudança. Vivemos em uma época em que há muita pressão para agir – somos chamados à ação pelas notícias, pelas redes sociais.
Mas é importante separar o que está acontecendo do barulho, e reagir ao que importa de fato. A economia está crescendo? Quais ativos estão sendo negociados com desconto? Estou vivendo dentro das minhas possibilidades? É preciso navegar pelas ondas e não ser arrastado por elas.
Mohnish Pabrai me disse uma vez que o mais importante para um investidor é a paciência. Investir é esperar pelos raros momentos em que a probabilidade de ganhar dinheiro é muito maior que a chance de perder.
Como diz Chris Davis, que está no board da Berkshire Hathaway, é melhor ter uma baixa inteligência emocional: você não se preocupa com o que os outros estão dizendo, então não reage a isso.
Muitas dessas ideias são ideias simples. Algumas são senso comum. Por que só os grandes investidores conseguem colocá-las em prática e ganhar dinheiro de verdade com elas?
Primeiro, porque eles são extremamente racionais. Pensam quase como computadores.
Além disso, quando encontram uma ideia que funciona, ficam fanáticos por ela e agem com foco total para colocá-la em prática.
Esses investidores têm um foco quase obsessivo, o que é ótimo para os negócios, mas costuma gerar problemas pessoais. Frequentemente, eles negligenciam suas famílias e sua saúde, ao menos em parte da vida.
Com o tempo, alguns descobrem que o grande desafio é ter abundância também fora do trabalho. Isso gera paz de espírito, o que, como num ciclo que se fecha, é fundamental para analisar cenários e investir.
Uma diferença entre os investidores que entrevistou diz respeito à necessidade ou não de diversificar. Que conclusões você tirou a respeito disso?
Há várias maneiras de se tornar rico. Algumas pessoas, como Charlie Munger, diriam que menos é mais: poucos investimentos bem feitos são suficientes.
Para outros, esse nível de concentração é assustador. O gestor Jean-Marie Eveillard, que está aposentado hoje, chegou a ter 2 milhões de cotistas. Ele sabia que esse dinheiro era importante: seria usado para a educação dos filhos, para a aposentadoria. Então preferia diversificar em mais de 100 empresas.
É mais difícil bater o mercado com esse nível de diversificação, mas é mais fácil sobreviver às crises. Foi a estratégia que ele escolheu.
A lição que tirei ao olhar essas diferenças de abordagem é que precisamos ser conscientes do nosso temperamento e apetite para o risco. E investir de uma maneira que nos permita dormir bem.
Um comportamento que é comum a esses grandes investidores é que eles ficam preocupados quando tudo está bem e ficam animados quando a maioria está pessimista. É a maneira como eles pensam, e isso permite que eles aproveitem as oportunidades.
É necessário se adaptar à realidade. Não se trata de fazer previsões, mas de ser muito consciente sobre as condições no presente, e ajustar o comportamento de acordo com essas condições.
E qual é a importância que esses investidores atribuem à sorte?
O livro traz muitas reflexões sobre sorte e também sobre azar. A margem de segurança – um conceito que vem do Ben Graham, mas também é aplicado por Buffett, Munger, Marks e outros – busca proteger os investidores do azar.
Investir com margem de segurança significa comprar ativos que resistam a mudanças bruscas de cenário. Somos incapazes de prever o futuro, então é importante considerar que algo fora do radar pode acontecer e alterar seu investimento.
Peter Lynch contou numa entrevista que investiu numa empresa têxtil no começo da carreira. Então o filme Bonnie & Clyde foi lançado, fez sucesso, e as mulheres passaram a querer se vestir como a protagonista, interpretada pela Faye Dunaway. Só que a sua empresa não fazia essas roupas. Depois de um ano incrível, passou um período de dificuldades, impossível de prever.
Não acho que as pessoas devam se tornar pessimistas por causa disso, pensando coisas como ‘se eu não tenho controle sobre nada, não deveria investir, porque o mundo é muito perigoso’. A saída é tomar riscos calculados.
Mesmo num cenário complicado, há empresas criando produtos maravilhosos e lucrando com isso. Acho que vale a pena confiar no progresso da humanidade. Warren Buffett já disse algumas vezes que quem apostou contra os EUA perdeu dinheiro.
Ao mesmo tempo, é necessário se proteger porque desastres acontecem e temos de sobreviver a eles. Não precisamos nos tornar pessimistas, mas não devemos ser dominados pelo otimismo.