Um dos maiores exportadores de café do Brasil está à beira de uma recuperação judicial.
Responsável por cerca de 8% das vendas internacionais de café do País, o tradicional grupo mineiro Montesanto Tavares entrou na Justiça na semana passada com um pedido de carência de 60 dias para negociar suas dívidas, de forma a evitar uma RJ.
Nesta terça-feira, a Segunda Vara Empresarial de Belo Horizonte jogou um balde de água fria no cafezinho e negou o pedido de cautelar, após manifestações dos credores do Montesanto à Justiça mineira.
Tanto a petição inicial quanto as declarações de credores indicam que a situação financeira do grupo é grave.
O endividamento é estimado em R$ 2 bilhões, e desse total, R$ 100 milhões já estão vencidos. (O Banco do Brasil é o principal credor destes débitos vencidos.)
Do endividamento total, o Brazil Journal apurou que Macquarie, Pine, BB, Santander, BTG Pactual e Cargill estão entre os credores.
Fundado em 1998, o Montesanto Tavares é controlador das tradings Atlântica Coffees e Cafebras, que negociaram 12 milhões de sacas de café nos últimos cinco anos e exportaram para 50 países. Em 2022, as tradings faturaram R$ 3,3 bilhões.
Com seis unidades operacionais em Minas e uma no estado de São Paulo, o grupo compra café de cerca de 2 mil produtores rurais.
Os problemas para o Montesanto Tavares começaram com a quebra da safra 2021/2022, em função de eventos climáticos severos — geada, seca e granizo – que resultaram na perda de 24 milhões de sacas no País.
Na petição inicial, o grupo alegou que parte dos produtores não entregou o café prometido e, portanto, não cumpriu os contratos de venda acordados com os clientes. Desde então, uma sequência de problemas se acumulou.
“Na modalidade de contratos de futuros, enfrentamos um alto volume de rolagens e inadimplências durante esse período (desde 2021), e temos ainda em aberto em torno de 900 mil sacas a receber,” a Atlântica e Cafebras disseram numa nota ao mercado.
Ao longo desse tempo, o endividamento da companhia explodiu. Para financiar suas operações, o grupo alega que os bancos passaram a exigir que as tradings contratassem ACCs (Adiantamento de Contrato de Câmbio), uma modalidade de crédito para financiar o ciclo de exportação na fase de produção e pré-embarque, no lugar de linhas de capital de giro para cobrir o buraco de caixa.
Na petição inicial, o Montesanto Tavares tentou argumentar que a utilização desse instrumento foi desvirtuada, servindo unicamente para a “rolagem da sua dívida,” mas que na verdade era uma proteção aos bancos, uma vez que os ACCs ficam de fora dos créditos devidos em uma recuperação judicial.
O juiz Murilo Silvio de Abreu, que assinou a decisão, analisou os 47 ACCs apresentados pela exportadora – e não concordou com ela.
“Este juízo examinou cada um deles, tendo todos aparência real de contratos de adiantamento de crédito de câmbio, reunindo, aparentemente, todos os seus respectivos requisitos,” diz a decisão de hoje.
O BTG, que tem o Montesanto Tavares como cliente desde 2019, se manifestou na ação. “Os ACCs foram celebrados de forma regular e por um sofisticado grupo empresarial, cuja atividade principal é comercialização e exportação de produtos agrícolas. As requerentes, com notória experiência no mercado de exportação de grãos, tinham absoluto conhecimento dos termos dos ACCs, até porque confessam em sua petição inicial já terem celebrado esse tipo de contrato inúmeras outras vezes,” escreveu o escritório FCDG, que representa o BTG.
Para piorar a situação do Montesanto, a escalada no preço do café, que dobrou de preço nos últimos 12 meses, acabou por estressar ainda mais o caixa das empresas, que passaram a sofrer chamadas de margem constantes por parte das corretoras que comercializam seus derivativos.
Em maio, a receita comprometida com o pagamento de derivativos já representava 74% do volume de recebíveis do grupo. Em meados de novembro, esse percentual subiu para 158%.
“Em termos nominais, o valor de derivativos saltou de cerca de R$ 50 milhões para cerca de R$ 470 milhões. As constantes chamadas de margem tornaram insustentável a estrutura de caixa de curto prazo do grupo,” escreveu na petição o advogado Daniel Vilas Boas, que representa o Montesanto.
À Justiça, o grupo pediu a concessão de uma medida cautelar que impeça que as corretoras e os bancos façam a liquidação das operações de hedge no período de carência de 60 dias, assim como novas chamadas de margem. O juiz Abreu também negou.
No setor, a situação da Montesanto já era alvo de comentários entre os cafeicultores, que não se surpreenderam quando o caso foi parar na Justiça. “Era sabido que o grupo estava sofrendo chamadas de margem altíssimas, aumentando sua necessidade de caixa,” um experiente executivo de uma cooperativa disse ao Brazil Journal.
Para os credores, o problema pode ser muito maior.
Um credor disse que o Montesanto Tavares se recusa a executar os produtores inadimplentes – o que por si só poderia configurar gestão temerária.
“A quebra da safra, a inadimplência de produtores e o descasamento de embarques… tudo isso não justifica o tamanho do endividamento da empresa,” disse este credor.
Outro fato que causou estranheza: Ricardo Tavares, o sócio majoritário do grupo, renunciou a seu cargo na diretoria da Companhia Mineira de Investimentos em Café – uma das controladoras das tradings – em 12 de setembro, sem maiores explicações.
Com a empresa à beira de uma RJ, a saída de Tavares está sendo vista entre os credores como uma manobra para resguardar seu patrimônio.
A Cargill, outra credora, manifestou-se contra a petição inicial dizendo que “os pedidos das requerentes excedem os limites das disposições legais vigentes, de forma a impor uma blindagem patrimonial”.
Os credores querem uma investigação do que está acontecendo na empresa e pretendem pedir uma análise forense para checar a contabilidade e o histórico de contratos da empresa.
Com a negativa da Justiça mineira em primeira instância, o Montesanto Tavares deve recorrer.
Mas dado o gosto amargo que impera na disputa jurídica, talvez não reste outra alternativa ao grupo a não ser o pedido de recuperação judicial.