A história do showbiz brasileiro está repleta de figuras peculiares, mas poucas chegam perto de Raul Santos Seixas.
O cantor e compositor baiano, morto em 1989, se tornou o símbolo maior do rock brasileiro ao promover a simbiose entre o gênero americano e ritmos folclóricos nacionais, como por exemplo o baião e a embolada.
As letras de Raul, escritas com parceiros diversos, eram bem humoradas e traziam crônicas sobre sociedades secretas, um modo de vida alternativo e personagens sobrenaturais. Por conta disso, Raul ganhou certa aura mística. Em suma, não basta ser fã de Raul Seixas, é necessário acreditar em seus, digamos, mandamentos.
Raul completaria 80 anos ontem, 28 de junho, e este aniversário está repleto de comemorações. Uma das mais ambiciosas – e talvez a mais decepcionante – é Raul Seixas: Eu Sou, uma série de oito capítulos que estreou esta semana no Globoplay.
Escrita por Paulo Morelli e dirigida por Paulo e Pedro Morelli, ela desfila a história do roqueiro brasileiro (numa interpretação sem brilho de Ravel de Andrade) desde os anos 1960, quando era vocalista de Raulzito e Seus Panteras, até os últimos anos da carreira. O que, diga-se, não é uma tarefa fácil.
Nascido em Salvador, Raul se apaixonou pelo rock de Elvis Presley e Little Richard no início da adolescência. Tinha 12 anos quando criou o Elvis Rock Club, e aos 18 criou o grupo The Panters, mais tarde conhecido como Raulzito e seus Panteras.
Em 1968, o grupo lançou seu disco de estreia, que teve uma acolhida pífia entre o público e a crítica. No mesmo ano, o cantor Jerry Adriani indicou Raul para ser diretor artístico da CBS. Na companhia, Seixas produziu de Adriani a Leno & Lilian, passando por Odair José e Renato e seus Blues Caps.
O disco Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez (1971) – uma pérola de rock e MPB experimental que gravou ao lado de Edy Star, Sérgio Sampaio e Míriam Batucada – selou seu destino na CBS.
Raul bandeia-se então para a Phillips, onde cria a persona do roqueiro místico. Foi pela companhia que soltou seus principais lançamentos, como Krig-ha, Bandolo, Gita e Novo Aeon. Neste novo momento, iniciou uma parceria frutífera com Paulo Coelho que rendeu sucessos como Gita e Al Capone.
Raul, contudo, teve outros parceiros igualmente importantes: Cláudio Roberto, com quem criou Maluco Beleza; Marcelo Motta, co-autor de Novo Aeon e Tente Outra Vez, e Oscar Rasmussen, que colaborou no disco Por Quem os Sinos Dobram, baseado no livro de Ernest Hemingway.
Raul Seixas casou cinco vezes e teve três filhas. Obcecado pelo misticismo, criou, ao lado de Paulo Coelho, a Sociedade Alternativa, uma associação baseada nos ensinamentos do mago inglês Aleister Crowley.
O uso contínuo do álcool rendeu ao cantor problemas como a perda de ⅓ do pâncreas e diabetes. Mesmo nos momentos mais baixos de sua carreira, lançou bons discos como A Panela do Diabo (1989), em parceria com o discípulo Marcelo Nova.
Se está difícil condensar os altos e baixos da vida de Raul em um parágrafo, imagina socar tudo isso em oito capítulos. Tive acesso aos dois primeiros capítulos de Eu Sou, e o resultado ali é uma compilação de interpretações caricatas – além de Ravel, João Pedro Zappa entrega um Paulo Coelho sem vibração – e um estilo “limpo” de filmagem, longe da energia marcante do grande roqueiro.
As homenagens ao autor de Metamorfose Ambulante, felizmente, não param em Raul Seixas: Eu Sou.
Vívian Seixas, a primogênita do cantor, prepara um espetáculo chamado Raul Seixas e o Rock das Aranha, com músicas remixadas do cantor, além de vídeos contendo entrevistas de Raul.
O Museu da Imagem e do Som, o MIS, estreia em 11 de julho a mostra Baú do Raul, contendo preciosidades do arquivo da mãe do compositor, Dona Maria Eugênia, e do fã Sylvio Passos.
E em dezembro estreia Raul Seixas, Uma Ópera Rock Brasiliana, espetáculo com direção de Russo Passapusso, vocalista do BaianaSystem. A execução das músicas estará a cargo do grupo de Russo, da Orquestra Afrosinfônica e de músicos convidados.
Nascido e criado, como diz a letra, “com cultura para cuspir na estrutura”, Raul Seixas é a mosca que poderia pousar na grande sopa que é nossa caretice musical de hoje.