A Mar Asset acredita que há semelhanças entre o ciclo atual de investimentos em tecnologia, focado na inteligência artificial, e aquele que precedeu a bolha da internet dos anos 2000.
Numa carta a clientes, a gestora de ações carioca disse que vê similaridades de “empolgação e de ruídos cognitivos” na tomada de decisão das grandes empresas de tecnologia.
“Todo mundo fazendo a mesma coisa ao mesmo tempo, faz sentido?” questiona a gestora.
A Mar disse ainda que os ‘earnings revisions’ da Nvidia, a empresa que mais tem se beneficiado do boom da IA, têm seguido o mesmo padrão das empresas de networking no final dos anos 90.
“A cada trimestre a dinâmica era de ‘beat and raise’, com os analistas extrapolando para o futuro a trajetória do passado recente. Expansão contínua de margens, crescimento significativo, ganhos adicionais de market share (mesmo a empresa já detendo algo como 85% de representatividade do capex marginal em cloud), incorporação de novos segmentos e assim por diante.”
Para a gestora, o ‘efeito IA’ da Nvidia tem sido sentido em tudo relacionado ao tema, passando pelas empresas de componentes, servidores, memória, segurança da informação e até as companhias de geração de energia.
Segundo a Mar Asset, essas empresas têm sido avaliadas com métricas não convencionais, como o percentual do mercado endereçável, múltiplos de vendas, e margens normalizadas dez anos para a frente.
“As últimas rodadas de financiamento da OpenAI, Anthropic e outras empresas ‘core AI’ também têm chamado bastante atenção pelo componente FOMO (Fear of Missing Out) de fundos super experientes,” diz a carta.
“É o clássico ciclo de capex se espalhando em ondas e animando investidores a encontrar a segunda, terceira e quarta derivada do tema. Daqui a 10 ou 20 anos, quando analisarmos essa época, provavelmente as empresas vencedoras não serão as mesmas, ou talvez ainda nem tenham surgido.”
Apesar das semelhanças com o período pré-bolha da internet, a Mar acha que há um agravante hoje, que torna a situação ainda mais complexa: a concentração cada vez maior nos mercados globais de ações.
Hoje, mais de 40% do volume da Bolsa americana é negociado por fundos quantitativos e hedge funds multigestores — os chamados pod shops — que captaram quase US$ 100 bilhões nos últimos cinco anos e operam com uma alavancagem média de 4 a 7 vezes o capital.
Somando os ETFs e fundos indexados, a participação é ainda maior, beirando os dois terços, com o restante nas mãos das pessoas físicas e dos fundos tradicionais, com visão fundamentalista.
A Mar nota que o principal ‘trade’ que funcionou nos últimos 14 anos foi estar long em growth (em geral por meio de ações de tecnologia nos EUA) e short em índices ou ações de outros setores.
“Imaginamos que a exposição dos fundos quantitativos e dos pod shops ao tema seja muito relevante, dado que a performance de ambos os grupos tem sido bastante consistente com o desempenho do setor,” escreveu a Mar.
“Quando nos perguntam quais os grandes riscos do mercado atualmente, um dos que mais atrapalha nosso sono é essa combinação de um ciclo de produto acelerado e focado em poucas empresas – com o market cap global dominado pelas grandes empresas de tecnologia – em um mercado onde o volume diário não é mais dominado por decisões fundamentalistas, mas sim quantitativas ou impulsionadas por incentivos de aceleração/desaceleração de alavancagem e tomada de risco.”
A gestora diz que há trilhões de dólares de liquidez controlados por sistemas ou gestores “muitas vezes desalinhados ou inexperientes, extremamente sensíveis a qualquer pequena variação de preço, cujos portfólios alavancados ou baseados em algoritmos automatizados de momentum ajudam a alimentar os mesmos temas em uma grande referência circular.”
Como o trade desses fundos tem funcionado nos últimos anos, eles têm levantado mais recursos para a mesma tese. O problema, para a Mar, é que quanto mais capital, mais difícil gerar retornos excedentes.
“São cerca de US$ 2 trilhões geridos por esses fundos hoje, e já seria difícil se houvesse tomadores de decisão hábeis o suficiente para o tamanho do desafio, mas talvez quase impossível quando a realidade é de gestores cada vez menos experientes, diplomados por treinamentos questionáveis, incentivos tortos e vieses de mercado potencialmente distorcidos pelas longas tendências,” diz a carta.
“Combinado a isso, estamos vivenciando o maior ciclo de capex em tecnologia da história, capitaneado pelas maiores empresas do mundo em valor de mercado, sem clareza de prazo nem dicas sobre rentabilidade potencial ou vencedores no longo prazo.”