O arquiteto húngaro László Tóth sobe ao convés do navio e constata que chegou a seu destino: lá está a Estátua da Liberdade dando as boas vindas ao imigrante judeu que sobreviveu ao Holocausto.
Sim, a visão do monumento na chegada aos Estados Unidos é quase obrigatória em filmes sobre imigrantes. Mas em O Brutalista, vencedor de três Oscars e em cartaz nos cinemas, a ousadia derrota o clichê.
A câmera dança pelo céu de Nova York, e a Estátua da Liberdade aparece de cabeça para baixo – um prenúncio do desajuste entre o protagonista e o país que ele deseja adotar.
Nas três horas e meia do filme – realizado em VistaVision, um formato cinematográfico dos anos 1950 que oferece uma resolução de imagem espetacular – enquadramentos e movimentos deformam perspectivas e alteram percepções.
Foi muito merecido o Oscar de melhor fotografia para Lol Crawley (e o mesmo se pode dizer do prêmio conferido a Daniel Blumberg pela trilha sonora).
Terceiro filme do diretor Brady Corbet, O Brutalista ambiciona ser como os prédios que seu personagem desenha: uma obra de beleza limpa, despojada, mas também grandiosa. Quase chegou lá: uma guinada abrupta no final impediu o filme de ser extraordinário.
Personagem fictício inspirado no arquiteto Marcel Breuer, que nos anos 30 se estabeleceu nos Estados Unidos, László, como seu modelo, é um judeu húngaro que se formou na Bauhaus. Mas ele só desembarca na América em 1947.
Trazendo na bagagem o trauma do campo de concentração, László quase não fala dos horrores que viveu. Coube à interpretação segura de Adrien Brody transmitir a dor silenciosa do personagem.
Com justiça, o papel deu ao ator seu segundo Oscar – o primeiro foi por O pianista, filme em que também encarnou uma vítima do Holocauso.
Em sua chegada à América, László recorre a um primo que tem uma loja de móveis na Filadélfia, mas a parceria entre os dois não dura muito. Em seu último trabalho com o primo, o arquiteto reconfigura a biblioteca de Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce), um magnata dos transportes de carga que vive em Doylestown, cidadezinha da Pensilvânia.
Van Buren a princípio detesta a biblioteca modernista. Mais tarde, porém, descobre que ela foi desenhada por um arquiteto muito respeitado na Europa antes da guerra.
O empresário então faz uma proposta de trabalho ao húngaro: projetar um centro comunitário em Doylestown.
Conjugando auditório, centro esportivo e uma capela, o prédio ocuparia o alto de uma colina, nas proximidades da mansão de Van Buren. Levaria o nome da mãe do magnata, recentemente falecida – mas fica óbvio que Van Buren está erguendo um monumento à própria vaidade.
László aceita, mas a relação entre o mecenas e o artista é marcada por uma ambiguidade perversa, marcada por um antissemitismo velado.
A construção estende-se por anos. Cioso de sua visão artística, László desespera-se a cada concessão que lhe exigem – e busca na heroína um alívio para esses conflitos.
É assim até que o andamento da história é deslocado por um ato de violência não muito compatível com o personagem que o comete. O filme que até aqui confiava no poder de suas imagens torna-se verborrágico, estridente.
Pior: em um epílogo desnecessário, uma personagem busca explicar os significados ocultos da obra de László Tóth.
É curioso que isso aconteça em um filme que até então não se preocupara em explicar seu título (brutalismo foi um estilo arquitetônico do pós-guerra que buscou explorar as possibilidades criativas do concreto nu).
O final não está à altura da abertura que vira a Estátua da Liberdade de cabeça para baixo. Mas O Brutalista ainda é um feito: um filme independente com orçamento de US$ 10 milhões que tem muito a dizer. E, sobretudo, muito a mostrar.