A crise na Credz, que começou com a suspensão do pagamento de uma nota comercial do Banco Votorantim na semana passada, está causando calafrios na Faria Lima.
Expostos à dívida da financeira estão grandes instituições como o Itaú, a XP e o Credit Suisse, além do próprio controlador da empresa, Fábio Zogbi, que deu seu aval na pessoa física para parte das emissões.
A Credz — que atua em parceria com varejistas dando cartões de crédito para consumidores de baixa renda — tem uma dívida de mais de R$ 3,5 bilhões, dos quais R$ 1,3 bilhão estão dentro de um FIDC (na carteira de 60 gestoras), R$ 1,1 bilhão são dívida corporativa, e o restante são compromissos com a Visa, que opera o arranjo de pagamento da Credz.
Da dívida corporativa, o Itaú é o principal credor com cerca de R$ 250 milhões, seguido pelo Credit Suisse, com R$ 210 milhões, e pelo Modal/XP, com outros R$ 150 milhões.
No FIDC, o Itaú também está no topo da lista, com R$ 170 milhões, seguido pela XP e pela Icatu, ambas com R$ 56 mi.
A saída que está sendo desenhada para a Credz é a DM Card — a companhia líder desse mercado — assumir a operação da concorrente.
Segundo fontes a par das negociações, a proposta da DM já foi aceita pela Credz e recebeu uma sinalização positiva dos principais credores da companhia, mas a aprovação final depende do aval dos comitês dos bancos.
A crise na Credz é o golpe mais recente num varejo que está vivendo seu annus horribilis — com a explosão da Americanas, a reestruturação da Marisa, as Casas Bahia flertando com uma RJ, a ação da Renner fazendo uma mínima de oito anos e o Magalu perdendo bilhões de valor de mercado (por semana).
“Está ficando cada vez mais claro que essa situação toda só está acontecendo porque a Selic ficou muito tempo no patamar errado,” disse um gestor. “As empresas haviam se acostumado com uma taxa de juros muito menor e ninguém conseguiu se preparar para o que veio.”
A proposta da DM impõe algumas condições precedentes para que ela assuma 100% do capital da Credz. A principal é que a dívida corporativa da companhia suba para uma holding, que terá direito de receber uma parcela do lucro da operação nos anos seguintes, até a quitação dos compromissos. (Na prática, a estrutura equivale a uma conversão da dívida em equity.)
Além disso, a proposta inclui ainda uma injeção de capital de cerca de R$ 350 milhões por parte da DM — o suficiente para virar o PL da Credz para o campo positivo e continuar girando o negócio.
Para fazer esse investimento, a DM usaria parte dos recursos que tem em caixa, mas teria que chamar um aumento de capital com seus acionistas — entre eles a Vinci Partners, que tem 17,5% do capital. Segundo uma fonte a par do assunto, a Vinci está disposta a colocar mais capital porque o fundador da DM, Denis Correa, vê a aquisição nestes termos como uma oportunidade única de crescimento.
A DM disse em sua proposta que também buscará aumentar a captação da Credz por meio da emissão de CDBs protegidos pelo FGC, reduzindo a relevância do FIDC no funding da empresa, e que pretende quitar antecipadamente o FIDC com as captações via CDB.
Ao ver o plano, um credor do FIDC nem piscou: “A primeira coisa que eu falei foi: ‘onde eu assino?’”
“Todo o espírito desse acordo é um soft landing, converter uma situação delicada em um pouso suave,” disse ele. “Até poderíamos acelerar o FDIC para tentar receber antes, mas aí você abriria uma caixa de pandora.”
Há muito em jogo.
Caso não se encontre uma solução, o problema da Credz tem potencial de causar abalos sistêmicos na indústria de FIDCs, que financia uma parte relevante do varejo e que soma hoje cerca de R$ 50 bilhões.
Gestores e até a agência Fitch Ratings dizem que o FIDC está preservado por ter uma estrutura apartada, mas… “existe um sujeito oculto nesta oração, que seria a paralisação do arranjo,” disse outro gestor exposto à companhia. “Se a Visa resolver paralisar o arranjo e deixar de aceitar o cartão, a propensão à inadimplência aumenta muito e aí o FIDC pode ser atingido.”
A carteira de recebíveis da Credz hoje soma R$ 2,4 bilhões, mas gestores calculam que, caso o arranjo fosse paralisado, a companhia só conseguiria receber de imediato cerca de metade disso, porque muita gente ia parar de pagar.
Em outras palavras, a companhia teria cerca de R$ 1,2 bilhão para uma dívida de R$ 3,5 bi.
Nesse cenário, o Banco Central teria que decidir se a companhia usaria esses recursos para pagar o FIDC ou para pagar os compromissos com o arranjo.
Para um executivo do setor, o BC teria um dilema e tanto.
“Se optasse por pagar o FIDC, isso causaria um rombo de mais de R$ 1 bilhão num arranjo muito relevante. Já se optasse pelo arranjo, isso basicamente destruiria a indústria de FIDCs, porque o BC estaria dizendo aos investidores que a cessão de direitos não vale mais nada. Ninguém mais ia querer investir nesse produto.”
Uma outra opção seria o BC obrigar a própria Visa a arcar com o rombo, argumentando que ela teve parte da responsabilidade.
Um credor do FIDC diz que toda a jurisprudência reza que os recursos deveriam ir para o FIDC, “mas não acho que vale a pena colocar isso à prova.”
A crise da Credz teve a ver com o contexto macro difícil — mas também com decisões erradas da companhia. A Credz dosou mal seu endividamento em relação ao crescimento que entregou, e fez isso num momento em que a Selic estava a 2%. “Quando o juros subiu, o custo de funding dela explodiu em cima de uma dívida muito grande,” disse uma fonte.
Além disso, a companhia decidiu pisar no acelerador no pior momento possível do ciclo: os anos de 2021 e 2022, quando a inadimplência de cartão de crédito atingiu patamares históricos.
“Itaú, Bradesco, todo mundo perdeu dinheiro em cartões de crédito no ano passado. Com a Credz não ia ser diferente,” disse um executivo do setor.
A crise estourou agora, com o default da nota comercial, mas a Credz já estava à venda há um bom tempo. Desde meados do ano passado, a companhia vinha conversando com fundos de private equity para uma injeção de capital e com players estratégicos para uma venda.
Segundo uma fonte, em fevereiro deste ano a companhia chegou a bater na porta da DM para negociar uma venda, mas a DM não quis seguir com as conversas dada a situação delicada da companhia.
De lá para cá, a DM fez dois M&As, comprando a FortBrasil e a UZE.
Agora, os credores bateram de novo na porta da companhia para buscar uma solução para o ativo, dado que uma quebra seria danosa para todo o mercado.
Se a transação for adiante, a DM vai adicionar uma carteira de 1,2 milhão de clientes, aumentando em cerca de 50% sua base atual de 2 milhões de usuários, e se consolidando como o líder absoluto desse mercado e herdando parcerias com diversos varejistas relevantes.