As empresas americanas passam por um de seus melhores momentos, com a rentabilidade em níveis recordes e prestes a ganhar um impulso adicional com os ganhos de produtividade da inteligência artificial.
“Não creio que o mercado esteja numa bolha,” Ben Snider, o estrategista sênior de ações da Goldman Sachs, disse ao Brazil Journal.
Segundo Snider, o aumento dos juros de virtualmente zero para quase 5% não impediu as empresas de se tornarem mais rentáveis, e, “como resultado disso, os investidores estão dispostos a pagar um múltiplo mais elevado por essas empresas de alto lucro.”
Snider comentou ainda a terceira fase de alocação de investimentos em inteligência artificial, o efeito DeepSeek e as políticas de Donald Trump. “Esperamos um pouco mais de fortalecimento do dólar.”
Como os primeiros dias do Governo Trump impactaram o humor dos investidores nos EUA?
Em outubro, em conversa com os investidores, dizíamos que as perspectivas econômicas e do mercado de ações pareciam muito fortes. Tínhamos um mercado de trabalho equilibrado, um consumidor saudável, forte investimento empresarial, crescimento acelerado dos lucros e, claro, Bolsas com um desempenho muito bom.
A questão desde então tem sido como esse ambiente mudará com o Presidente Trump.
Venho dizendo aos investidores que a distribuição dos resultados se tornou mais ampla – e se tornou mais ampla em ambas as direções.
Os investidores estão muito preocupados com a possibilidade de coisas como tarifas ou políticas de imigração muito restritivas, políticas que possam aumentar a incerteza empresarial, aumentar a inflação e ser um obstáculo para os mercados.
Ao mesmo tempo, se, por exemplo, olharmos para a confiança dos empresários, o sentimento empresarial aumentou dramaticamente.
Então a questão é realmente quais políticas o presidente Trump seguirá, e quais não seguirá. E essas são perguntas que os investidores ainda se fazem todos os dias.
Neste momento, se olharmos para os dados da economia e da atividade empresarial, eles continuam muito, muito fortes.
Um relatório de seus colegas na Goldman destacou que cada aumento de 5 pontos percentuais nas tarifas reduziria o crescimento do lucro esperado das empresas de 1% a 2%. Há também toda a incerteza política, como você mencionou. Ao mesmo tempo, existe a perspectivas de corte de impostos e desregulamentação. Qual o resultado líquido de tudo isso?
Se os aumentos tarifários forem muito grandes e ocorrerem sem quaisquer outras mudanças na política, isso representaria um risco negativo para as nossas estimativas de crescimento de lucros por ação.
Mas há outras mudanças acontecendo. Todos os dias vemos manchetes sobre tentativas de reduzir o desperdício fiscal e o excesso de gastos federais, e isso poderia potencialmente reduzir o déficit e ajudar a baixar as taxas de juro, o que seria positivo para a atividade econômica e para as empresas.
Portanto, há muitas peças em movimento no momento. É muito cedo para saber para que lado a balança irá pender.
As peças estão em movimento, como você diz, então o tipo de empresa que estava indo bem no ano passado talvez não esteja tão bem neste ano. Quais setores devem sair ganhando daqui para frente?
O mercado está aumentando o foco em empresas que são sensíveis à atividade econômica doméstica. Aquelas que geram suas receitas aqui nos EUA devem apresentar um desempenho superior às que possuem elevada exposição comercial internacional.
Isso nos diz que o mercado tem uma confiança crescente na economia dos EUA, mas está um pouco preocupado com os riscos do comércio.
Um setor que é um claro beneficiário neste ambiente é o financeiro, incluindo os bancos. É relativamente isolado do comércio externo e bastante sensível à economia dos EUA.
Além disso, pode se beneficiar da perspectiva de menos regulamentação sob Trump.
Saímos de um ambiente de juro quase zero para taxas de quase 5% – e ainda assim vemos o S&P 500 renovando as máximas históricas. Como é possível? É uma bolha?
Não creio que o mercado esteja numa bolha. Há uma série de fatores além das taxas de juros que determinam o valuation das ações.
Um fator realmente importante é o nível de lucratividade das companhias. Se olharmos para as empresas americanas, o ROE, o retorno sobre o capital próprio, nunca foi tão alto.
As taxas de juro subiram, mas o aperto do Federal Reserve não impediu as empresas de se tornarem mais rentáveis do que em qualquer outro momento da história. Como resultado, os investidores estão dispostos a pagar um múltiplo mais elevado por essas empresas de alto lucro.
E por que as empresas estão conseguindo lucrar tanto?
A economia continua bastante saudável.
Embora as taxas de juro tenham subido bastante, no início do ciclo as maiores empresas dos EUA tinham dívidas de muito longo prazo a uma taxa fixa. A alta dos juros não prejudicou os balanços.
Os consumidores também permaneceram numa situação saudável, ajudando a aumentar os lucros. Temos uma situação bastante favorável.
Olhando adiante, qual pode ser o impacto da utilização de IA nos lucros das empresas?
Esperamos que a IA aumente a produtividade da economia americana em 15% ao longo dos próximos 10 anos.
Se aplicarmos isso às margens corporativas, isso significa que as margens de lucro poderiam ser 4 pontos percentuais mais altas.
Acho que esse é um bom motivo para sermos otimistas em relação ao futuro.
A verdade é que ainda não vimos isso acontecer de fato. Apenas 6% das empresas dos EUA estão usando IA hoje. Portanto, temos um longo caminho a percorrer antes de vermos toda essa produtividade.
A DeepSeek trouxe uma reavaliação dos investidores sobre as ações de tecnologia. O ‘IA trade’ vai entrar em uma nova fase?
Nos últimos dois anos, se olharmos para o mercado de ações, a maior parte do investimento se concentrou nas empresas que são beneficiárias do investimento em hardware e infraestrutura.
A DeepSeek lembrou aos investidores que essa é apenas a primeira parte de uma longa história econômica e que fez com que os investidores realmente se perguntassem: “Quem serão os próximos beneficiários depois dos semicondutores da ‘fase 1’ e das ações de infraestrutura da ‘fase 2’?”
Para nós, os próximos beneficiários são empresas como as de software que utilizam a IA para criar novos produtos. Logo depois disso, acreditamos que serão os usuários finais de IA que poderão ter maiores ganhos de produtividade.
Se você olhar para o mercado de ações dos EUA após as notícias do DeepSeek, esses grupos de ações começam a apresentar desempenho superior e alcançam algumas das ações de IA da fase 1 e da fase 2.
Como avalia a perspectiva para mercados fora dos EUA – os emergentes como o Brasil, em particular? Por que o início do ano foi mais positivo para ações fora dos EUA?
Muitos investidores esperavam que o Presidente Trump anunciasse tarifas bem elevadas. Por enquanto, não houve isso.
O alívio desse risco ajudou algumas ações globais, incluindo mercados emergentes. Até a Europa teve um desempenho superior no início do ano.
Para os gestores que quiseram reequilibrar a sua carteira, isso significou naturalmente vender algumas posições nos EUA e comprar algumas das ações que tinham sido retardatárias no ano passado. Isso também ajudou nessa dinâmica.
Por fim, temos a história da IA. Como disse antes, está mudando de um foco apenas no investimento em desenvolvimento da IA para a aplicação da IA.
Os maiores investidores em IA estão localizados nos EUA, mas empresas de todo o mundo podem usar a IA para serem mais produtivas. Isso também contribuiu para a rotação de recursos.
Então o dólar não vai se fortalecer ainda mais, como muitos previam?
Esperamos um pouco mais de força do dólar e acho que isso é função de duas coisas.
A primeira é que temos previsões muito fortes para o crescimento econômico nos EUA – e, com um bom crescimento do PIB, normalmente vemos alguma força do dólar.
A segunda coisa é que, embora seja muito difícil ter confiança nessa previsão, esperamos aumentos tarifários nos próximos meses e isso também deverá impulsionar moderadamente o dólar.