O fenômeno DeepSeek travou a valorização das empresas de inteligência artificial, mas uma companhia misteriosa, que pouca gente sabe ao certo o que faz, passou ao largo do estrago causado pela startup chinesa.

As ações da Palantir subiram de maneira exponencial nos últimos dias, e com a alta de 37% esta semana acumula ganhos de 340% nos últimos seis meses.

A Palantir – cujo nome vem de uma pedra mágica usada para ver o passado e o futuro em O Senhor dos Anéis, foi concebida em 2003 por Peter Thiel – o libertário que ficou bilionário com o PayPal e investimentos como os feitos no Facebook.

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Para Thiel, softwares de segurança como o do PayPal poderiam ser aplicados para combater e preservar as liberdades individuais – e essa era a missão original da então startup.

Originalmente uma empresa de big data analytics e especializada em visualização e interpretação de dados, a Palantir cria softwares para processar quantidades gigantescas de dados e auxiliar organizações e vislumbrar cenários e tomar decisões – ajudando, por exemplo, a flagrar terroristas ou executivos relapsos.

Seu modelo de negócios continua basicamente o mesmo, mas seu lema atual é AI-powered automation for every decision (automação com tecnologia de IA para cada decisão).

A companhia demorou para decolar, mas o futuro vislumbrado por Thiel 20 anos atrás está se tornando realidade.

A maior parte da receita da Palantir vem de contratos com o setor público. A empresa está se tornando um dos maiores fornecedores de serviços ao Governo dos EUA, sobretudo para o Pentágono e agências federais de segurança e defesa, entre elas a CIA e o FBI.

Em dezembro, ainda no Governo Biden, a Palantir fechou um de seus maiores contratos, com o Exército dos EUA, no valor de US$ 400 milhões. Desde então, a ação não para de subir.

A empresa tem se posicionado como uma peça fundamental para os americanos na corrida tecnológica e militar contra a China. Agora, com Donald Trump na Casa Branca e Elon Musk dando as cartas, a Palantir se prepara para voos mais ambiciosos.

“Amamos disrupção – e tudo aquilo que é bom para os EUA será bom também para a Palantir,” Alex Karp, o CEO da companhia, disse em um call com investidores esta semana, depois da apresentação de resultados que bateram o consenso.

Falando sobre o trabalho do Department of Government Efficiency (DOGE), comandado por Musk, Karp disse que “a disrupção expõe coisas que não estão funcionando. Haverá altos e baixos. É uma revolução. Algumas pessoas terão suas cabeças decepadas. Esperamos ver coisas surpreendentes – e sair ganhando.” 

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No último tri, as receitas originárias dos contratos com o Governo dos EUA cresceram 45%, totalizando US$ 343 milhões. O faturamento em serviços prestados ao setor público de outros países avançou 28%, para US$ 112 milhões.

Um grande cliente fora dos EUA é o National Health Service (NHS), do Reino Unido. Durante a pandemia, o software da Palantir ajudou a traçar cenários sobre os efeitos da covid nos hospitais e organizar a vacinação.

No ano passado, a companhia superou a resistência de opositores e ganhou um contrato de US$ 415 milhões com o NHS para atualizar a plataforma de dados do sistema de saúde britânico.

Entre companhias privadas a Palantir mantêm contratos com a farmacêutica Merck e a scuderia Ferrari de Fórmula 1. A Airbus também é cliente.

“Somos um juggernaut [rolo-compressor] do software,” Karp escreveu na carta aos acionistas, citando a demanda “indomável” e sem precedentes para seus serviços.

O guidance para o próximo ano surpreendeu os analistas: crescimento de mais de 30% nas vendas. O faturamento deve alcançar US$ 3,75 bilhões, com margem bruta em torno de 80%.

“É uma das poucas empresas com uma trajetória de aceleração no crescimento com escala e lucratividade,” disse o analista Tyler Radke, do Citi, que apesar disso mantém um rating ‘neutro’ para o papel.

O papel entrou no S&P 500 só em setembro e passou de US$ 100 pela primeira vez na terça-feira passada, catapultado pelos ótimos resultados no trimestre. 

A ação negociava a US$ 114,50 no final da tarde, dando à Palantir um valor de mercado de US$ 260 bilhões.

O sellside não está conseguindo acompanhar a alta. O preço-alvo médio é de US$ 86,50, variando de US$ 40 a US$ 125.

“Com o mercado de IA ficando a cada dia mais congestionado, acreditamos que a proposta de valor da Palantir esteja se tornando ainda mais destacada,” escreveram os analistas do BofA, que acaba de elevar o preço-alvo para US$ 125.

Muitos analistas, entretanto, consideram os múltiplos exagerados. Pelas projeções atuais, a ação negocia a mais de 60x o faturamento – o mais elevado entre todas as ações do S&P 500 – e mais de 190x lucro.

O Jefferies considera os múltiplos descolados da realidade. O banco elevou o preço-alvo de US$ 28 para US$ 60, mas não recomenda a compra e prevê uma performance abaixo da média de mercado – a não ser que as vendas nos próximos anos fiquem bem acima do guidance.

O desempenho dependerá – e muito – do novo governo americano, embora Karp, o CEO, tenha apoiado Kamala Harris – ao contrário de Thiel, seu ex-colega de Stanford e um Trumpista de longa data.

A empresa deverá ganhar crescente relevância no arsenal de Trump em diversas frentes. A Palantir presta serviços, por exemplo, para o Immigration and Customs Enforcement (ICE).

“Temos uma visão pró-Ocidente,” disse Karp ao New York Times no ano passado. “Se você acredita que devemos apaziguar o Irã, a Rússia e a China dizendo que seremos mais e mais gentis, é claro que você olhará para a Palantir negativamente. Não pedimos desculpas por aquilo que acreditamos. Não vou me desculpar por defender o Governo dos EUA, defender as Operações Especiais. Não vou me desculpar por oferecer nosso produto para a Ucrânia ou Israel.”

Em dezembro, a Palantir lançou um documento chamado The Defense Reformation – um tratado de 18 teses sobre o futuro da defesa assinado por Shyam Sankar, o chief technology officer da companhia, analisando a esclerose produtiva, a burocracia e a falta de inovação na indústria americana em geral e na área de defesa em particular.

Uma de suas teses é que o Pentágono reduza suas compras de fornecedores focados exclusivamente no mercado de defesa e amplie as compras de companhias comerciais, como a SpaceX de Musk – algo similar ao que fazem os chineses hoje e os americanos no passado.

Segundo o executivo, antes da Queda do Muro de Berlim, em 1989, apenas 6% dos contratos do Pentágono eram com “especialistas” em defesa. Agora o percentual atinge 86%.

“A segurança nacional dos EUA exige uma base industrial robusta, ou perderá a próxima guerra e mergulhará o mundo na escuridão sob regimes autoritários,” escreveu Sakar.

Segundo o CTO da Palantir, a indústria americana não consegue produzir uma “linha mínima” de navios, submarinos, munições e aeronaves.

“Leva uma ou duas décadas para entregar em escala novos sistemas de armas,” disse ele. “Se estivéssemos em uma guerra, teríamos apenas dias de munição e armas disponíveis. “Dadas as vastas somas que gastamos em defesa nessas décadas de Pax Americana, seria razoável se perguntar: o que deu errado?”

A Palantir terá a resposta? Só o tempo dirá, mas ela já passou a RTX – a antiga Raytheon – e a Lockheed Martin como a empresa mais valiosa na Bolsa entre as grandes fornecedoras das Forças Armadas e agências de segurança dos EUA.

 

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