O crédito pode ser uma ferramenta de desenvolvimento econômico inclusivo. Ele possibilita, por exemplo, a aquisição de bens custosos demais para serem pagos à vista ou a cobertura de despesas emergenciais que nos pegam desprevenidos. A trajetória econômica de inflação persistente e poder de compra reduzido, porém, traz à tona uma consequência indesejada do crédito: o endividamento.

Uma recente pesquisa da McKinsey sobre o perfil de consumo de crédito no Brasil revela que o número de inadimplentes cresceu quase 10 pontos percentuais em dois anos, chegando hoje a quase metade da população. Além disso, dois em cada dez tomadores de crédito comprometem mais de 30% da renda para a quitação de dívidas.

Esse contexto convida as instituições financeiras a repensarem sua atuação. Como conciliar a necessidade de crescer, atuar como aliadas na vida financeira dos clientes e melhorar sua percepção das jornadas? Oferecer um crédito cada vez mais adequado às necessidades, preferências e realidade das pessoas é um dos caminhos. O resultado esperado é um ambiente de maior segurança, em que os consumidores ficam mais protegidos da insolvência e os credores, dos riscos.

O retrato da inadimplência

O que tem levado as pessoas ao endividamento é diferente. As classes mais altas utilizam crédito para financiar despesas diversificadas, com destaque para saúde (31%), educação (31%) e viagens (23%). As classes D/E, por sua vez, usam o crédito como renda adicional e entram no vermelho para atender a necessidades básicas: supermercado e alimentação (46%) e água e luz (37%).

Independentemente das motivações, os diferentes grupos buscam se planejar para a tomada de crédito: 80% dos respondentes afirmaram pesquisar opções e condições disponíveis. E cerca de dois terços disseram se organizar financeiramente para acomodar o pagamento da dívida; ainda assim, quase 60% já precisaram limpar o nome em plataformas de negociação.

Começando do começo

O alto endividamento de uma parcela significativa da população aponta para a necessidade de evoluir a análise de risco por meio do desenvolvimento de capacidades analíticas sofisticadas. Com uma visão holística do cliente, incluindo sua situação de endividamento com outras instituições, é possível construir um cenário mais fiel à sua capacidade de pagamento, beneficiandoa todos. As instituições, que já dispõem de uma fonte valiosa de recursos em bases de dados proprietárias e de parceiros que compõem o seu ecossistema, têm ainda no Open Finance a oportunidade de ampliar a captura e o alcance das informações.

Mas, antes mesmo de analisar a solicitação de crédito dos clientes individualmente, as instituições precisam definir qual nível de risco consideram aceitável e com qual nível de inadimplência é possível operar. Ter esses limites claros ajuda a estruturar um portfólio de produtos capaz de impulsionar o crescimento do crédito com exposição controlada.

Personalização como aliada da recuperação

Alavancar capacidades analíticas também melhora a abordagem do cliente. Combinar o uso de dados disponíveis com técnicas avançadas de modelagem permite aos credores customizar os contatos – e a personalização se mostra cada vez mais determinante para alcançar um cliente que quer ser reconhecido em suas necessidades e preferências individuais.

A dor é latente, como mostra a pesquisa. Cerca de 40% dos respondentes dizem que, no processo de negociação, o agente que os contatou não entendeu as razões para a sua inadimplência, além de não ter utilizado o canal de sua preferência. Em contrapartida, nossa experiência mostra um aumento de 15% a 20% na recuperação quando as organizações abordam os clientes com uma oferta customizada em seu canal preferido. Hoje, o WhatsApp é esse canal para um quarto dos clientes de todas as classes sociais, e o pix é a forma de pagamento considerada mais fácil por clientes até 54 anos.

Experiência: a chave da jornada de excelência

A personalização nas interações de cobrança – que tipicamente geram atrito e insatisfação – traz outros benefícios. Um contato customizado, fluido e resolutivo cria uma boa memória, fideliza o cliente e melhora a percepção que ele tem da experiência com a instituição. Experiência que, aliás, tem sido cada vez mais decisiva no setor.

Na hora de contratar um empréstimo, taxa de juros baixa e tamanho da parcela são os critérios mais importantes. Mas nossa pesquisa mostra que alavancas de experiência têm peso equiparável, com impacto combinado de mais de 40% na decisão dos clientes. Informação fácil e acessível, processo simplificado e rapidez na aprovação de crédito estão entre os atributos de experiência mais valorizados nesta etapa da jornada.

Bancos digitais cada vez mais em cena

O crescente protagonismo da experiência como fator de escolha tem seus desdobramentos na dinâmica competitiva, principalmente entre incumbentes e novos players. Em cartões de crédito, o alcance dos bancos digitais já é de 76%, ante 52% dos bancos tradicionais. E, enquanto a penetração de produtos de empréstimo se manteve inalterada para os incumbentes (63%), para os novos players, ela foi de 31% para 55%.

No recorte socioeconômico, observa-se que as classes D/E obtêm mais de duas vezes mais produtos de crédito com bancos digitais do que com os tradicionais (66% versus 28%). Embora o jogo ainda não tenha se equilibrado nas classes mais altas, o avanço dos bancos digitais impressiona: na edição anterior da pesquisa, apenas 14% dos clientes das classes A e B contrataram produtos de crédito de bancos digitais. Hoje, 44% dos entrevistados da classe B e 39% da classe A já aderiram aos players digitais.

Servir bem para servir sempre

As instituições financeiras têm uma lição de casa e tanto para fazer. Do lado do negócio, devem identificar as preferências e necessidades de cada segmento para disponibilizar produtos atrativos, com uma proposta simplificada e transparente, ajudando o cliente a se expor menos ao risco. Do lado da tecnologia, devem avançar rapidamente na modernização da infraestrutura tecnológica e fortalecer os canais digitais de cobrança.

E, com a expectativa de um contexto macroeconômico mais desafiador, elas devem definir uma visão prospectiva do portfólio, determinando o apetite de risco de forma granular e considerando as particularidades – e a evolução – de diferentes produtos e segmentos.

Servir bem para servir sempre é uma máxima que segue valendo, mas o tempo das soluções de prateleira já passou.

Elias Goraieb é sócio sênior da McKinsey em São Paulo e líder das práticas de Risco Estratégico e Advanced Analytics & Data na América Latina.

Bruno Batista é sócio da McKinsey em São Paulo e líder de Crédito na América Latina.

Este artigo teve a colaboração de Carla Ioshiura, sócia associada da McKinsey em São Paulo, e Luiz Secco, gerente sênior da McKinsey em São Paulo.

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