Trabalhando há mais de duas décadas no mesmo hotel, a camareira Elba valoriza a segurança de seu emprego. Chandra, presidente de um grande conglomerado internacional, fez toda sua carreira nesta empresa, começando como estagiário. Karthik, engenheiro de robótica, começou sua vida profissional em uma startup que desenvolve veículos automatizados, mas, com o crescimento da empresa, sentiu que já não era tão valorizado e rapidamente encontrou outro emprego.

Essas três trajetórias profissionais tão diferentes são apresentadas em Working: What We Do All Day, uma série documental da Netflix que pretende compor um painel da experiência do trabalho em uma era de rápidas mudanças econômicas e tecnológicas. Working conta com um apresentador de luxo: Barack Obama.

O documentário é resultado de uma parceria da Netflix com a Higher Ground, a produtora do ex-presidente e de sua mulher, Michelle. (Consta que a plataforma de streaming pagou US$ 65 milhões pelo contrato com o casal.)

A série é inspirada por um livro de 1974, também intitulado Working, no qual o escritor e radialista Studs Terkel coletou testemunhos de mais de cem americanos sobre a relação deles com o trabalho.

Em quatro episódios de aproximadamente 45 minutos, Working entrevista apenas doze trabalhadores. Cada episódio ocupa-se de um degrau da hierarquia social: o funcionário que faz serviços de baixa qualificação, o trabalhador de classe média, o profissional especializado, o CEO ou dono de empresa.

O documentário centra-se em três empresas: a Aurora Innovation, de Pittsburgh, na Pensilvânia, que desenvolve caminhões automatizados; The Pierre, hotel de luxo em Nova York, parte da divisão hoteleira do Tata Group, multinacional indiana; e At Home Care, uma pequena empresa que oferece cuidados domiciliares para idosos nos grotões do Mississipi.

Nessa seleção de profissões representativas, vale notar uma ausência: o operário. É significativo que a primeira produção da Higher Ground tenha sido American Factory, de 2018, documentário oscarizado sobre uma decadente cidade industrial de Ohio que deposita suas esperanças na chegada de uma empresa chinesa. Depois desse retrato da dissolução da indústria pesada americana, Working marca a mudança para uma economia de serviços.

Working pode ser visto com proveito e prazer por conservadores ou progressistas – mas é claro que o documentário sustenta os pontos de vista de seu apresentador. Essa linha editorial se afirma sobretudo em breves retrospectos históricos, narrados em off pelo ex-presidente. Obama exalta o New Deal de Roosevelt por conferir novos direitos aos trabalhadores e critica o liberalismo de Milton Friedman por celebrar a “ganância empresarial”; celebra a expansão da classe média americana no pós-guerra e lamenta seu encolhimento em anos mais recentes.

O forte do documentário são os depoimentos. Com a camareira dominicana Elba – todos os entrevistados são identificados só pelo prenome, para conferir um tom íntimo à narrativa –, ouvimos a voz da imigrante que chegou ao país sem saber inglês e construiu uma vida confortável para sua família. Por contraste, Carmen, mãe solteira em Pittsburgh, não encontrou o caminho da dignidade: sonha em ser maquiadora, mas tem de se virar como entregadora do UberEats. Chris, o CEO da Aurora, prevê que os motoristas de caminhão hoje em atividade nos Estados Unidos vão trabalhar com tranquilidade até a aposentadoria – mas os motoristas das gerações seguintes já serão substituídos pela inteligência artificial.

O próprio Obama vai a campo como entrevistador. Acompanha Randi, uma cuidadora de idosos do Mississipi, em um supermercado para ouvi-la explicar o peso de uma caixa de cereal em seu orçamento. E desce ao porão da casa de Luke, gerente da dados da Aurora, para ouvir a duvidosa música eletrônica que ele compõe em suas horas de folga. Para Luke, computar os diferentes modos com que um caminhão automatizado pode entrar em uma rodovia não chega a representar sua realização profissional. O que ele realmente deseja é ser reconhecido como músico.

Working trata também dessa dimensão intangível que escapa aos indicadores sócio-econômicos: o sentido que o trabalho confere – ou deveria conferir – a nossas vidas. Este é um tema demasiado subjetivo para ser esgotado em quatro episódios – mas tampouco os impasses e dilemas objetivos são plenamente explorados. Muito bem realizado, com depoimentos sinceros e pungentes, Working poderia ter ido um tanto além no exame dos problemas que levanta.

O carisma e a personalidade política do apresentador, sempre otimista mas também vago em suas propostas, talvez limite um tanto o alcance do documentário. A série acaba em uma nota positiva que seria respaldada apenas por três ou quatro de seus personagens.

Barack Obama, pelo menos, parece realizado em sua nova encarnação como produtor e apresentador de programas da Netflix.