Um dos grandes hits brasileiros dos últimos tempos nas redes sociais é um cachorro.

Mais precisamente, um vira-lata caramelo.

Agora, o reconhecimento está prestes a ganhar contornos internacionais.

Ainda sem data oficial de lançamento – mas aguardado para ainda este ano – o filme Caramelo, da Netflix, tem como protagonista Amendoim, um vira-lata com menos de um ano que faz o papel de companheiro de um chef, interpretado pelo ator Rafael Vitti.

Rodado em São Paulo, o longa presta “homenagem a um dos maiores patrimônios culturais do Brasil”, destaca a plataforma de streaming. Essa mensagem começou a ser propagada nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Índia e em outros países em que foram publicadas reportagens na virada do ano falando do filme e da paixão que temos por esse cão sem raça definida (SRD), que “representa o país mais do que futebol e samba,” como diz o meme.

A Netflix disse à Associated Press que o filme é uma superprodução, uma grande aposta da plataforma. 

“É o primeiro filme brasileiro com um cachorro como protagonista, e ele não podia ser outro senão o caramelo, um ícone nacional.” 

O longa teve a consultoria do treinador norte-americano Mike Miliotti, que atua na indústria cinematográfica e televisiva há mais de 20 anos. Eu tive a oportunidade de trabalhar nesse projeto, atuando junto com Milliotti, e também treinando os cães.

O orçamento de Caramelo não foi detalhado, mas a produção está dentro do investimento de R$ 1 bilhão destinado a projetos brasileiros de 2023 e 2024, todos de olho na audiência global.

De certa forma, o mundo já vem sendo impactado pela popularidade do caramelo. Isso porque o brasileiro é também um entusiasta das redes sociais. Onde puder falar do caramelo, ele o fará.

Em outubro, um atleta norte-americano de esportes de aventura, Marshall Mosher, publicou o vídeo de um voo de parapente no qual revelou um cachorro no alto de uma das pirâmides de Gizé, no Egito. O post viralizou, acumulando milhões de views nos primeiros dias. Os brasileiros tomaram o Instagram com comentários do tipo, “tinha de ser um caramelo.”

O termo pode estar em alta e o filme capta “o espírito do tempo”. Mas o fato é que o Brasil é apaixonado por vira-latas, independentemente de serem caramelo, ou fiapo de manga (outro SRD que vem conquistando fama na internet) ou preto. Afinal, ele é um símbolo de resiliência, e normalmente é descrito como um bicho simpático, afável e esperto.

Outra forma de perceber o apelo que o vira-lata tem hoje está na presença dos SRDs em campanhas e ações de marcas nas redes sociais, veiculadas nos últimos dois anos, de anunciantes como Claro, Havaianas, Google, McDonald’s e Guaraná Antarctica.

O Banco Central também recorreu a um SRD ao lançar a nota de R$ 200, que tem estampada a imagem de um lobo-guará. A campanha fez conexão com uma petição online que pediu o vira-lata caramelo como ilustração – e que teve mais de 144 mil assinaturas. Na peça publicitária, um SRD apresentou o lobo-guará como seu primo, o “caramelo do cerrado.”

Com tudo isso, o vira-lata está bastante presente nos nossos lares? Sim. 

Mas é o cão de raça que ainda prevalece, de acordo com uma pesquisa global da Mars sobre o perfil de tutores de cachorros e gatos, divulgada no ano passado. O estudo mostrou que, entre os brasileiros que têm cães, 49% reportam que os companheiros são SRDs.

Essa presença pode ser maior, a depender do trabalho dos abrigos e protetores de animais e do aumento das campanhas de adoção, inclusive encampadas por marcas fora do universo pet (como Lagunitas e Hyundai). Yohanna Perlman, head de comunicação e captação do Instituto Caramelo, observa que, no passado, o cão era tratado como coisa e ter um animal de uma determinada raça virava uma questão de status. “Estamos saindo desse lugar e mostrando que cachorro tem lugar no coração,” disse Yohanna.

Essa transformação abriu espaço para o SRD, que começou a ser percebido de forma diferente, conquistando a simpatia geral e cativando mais gente. “Hoje é cool ter um vira-lata. Tem até essa mescla: o tutor tem um pet de raça e também um SRD,” diz Yohanna. 

Vale lembrar a existência de uma data nacional dedicada a ele, 31 de julho, que surgiu exatamente para incentivar a adoção.

Há um intenso trabalho do instituto e de várias outras entidades espalhadas pelo Brasil para ajudar a encontrar um lar para os bichos que estão nos abrigos. 

Neste ano, uma escola de samba do Rio de Janeiro, a São Clemente, levará para a avenida um enredo que “dá voz a quem não tem,” destacando a importância da adoção e tendo como parceira a ONG Paraíso dos Focinhos. Mas ainda há muito a fazer, ressalta Yohanna. “Existem em torno de 20 milhões de cães abandonados no País.”

Quando estrear, Caramelo poderá dar mais um impulso para a adoção. Pelo menos um vira-lata já encontrou  sua família por conta do filme. Leôncio, um SRD malhado de três patas (teve uma amputada por causa de um atropelamento), entrou no elenco de cães escalado pela Netflix e participou das filmagens como figurante. Rafael Vitti se apegou a ele e o adotou. Agora, Leôncio tem um lar e faz sucesso nas ruas do Rio de Janeiro.