Em 11 de outubro de 1975, o primeiro Saturday Night Live foi ao ar pela rede NBC, fundando uma nova linguagem humorística na televisão – mas por muito pouco, o programa não se tornou um mico de proporções catastróficas.
Agora, o filme Saturday Night Live – A Noite que Mudou a Comédia recria em tempo real os 90 minutos que antecederam a tumultuada estreia. Sob a direção de Jason Reitman, o longa foi lançado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo em outubro de 2024, e migrou direto para o streaming sem passar pelas salas brasileiras.
O desinteresse dos exibidores é compreensível. Em tempos de internet, em que qualquer um se julga capaz de colocar no ar o próprio conteúdo, soa improvável um filme sobre os bastidores da TV gerar movimento nas bilheterias.
Mas A Noite que Mudou a Comédia é um retrato geracional de artistas que – munidos de ousadia e uma saudável arrogância – empreenderam transformações sem se limitarem a um excessivo rigor profissional.
Quem assistir ao filme sob esse ângulo estará diante de uma obra provocativa que injeta adrenalina no espectador mesmo que todo mundo saiba o desfecho da história.
Obstinado, o idealizador do programa, Lorne Michaels (interpretado por Gabriel LaBelle), dribla infinitos imprevistos e egos inflados para não desperdiçar a grande chance confiada a ele na grade da NBC.
Equipamentos que pegam fogo, cenários construídos de última hora, droga correndo solta nos camarins, convidados que se agridem… Conforme o relógio avança, o desastre é cada vez mais iminente.
“Alguém perguntou a Thomas Edison o que era uma lâmpada antes dele criar a eletricidade?” indagava Michaels aos diretores da emissora ou artistas convidados que pediam explicações diante do caos e da falta de objetividade do roteiro. “Eu conheço os ingredientes, mas não a quantidade,” completava.
Naquela época, o cinema, a música e o teatro já reverberavam a contracultura e as rupturas sociais e políticas que agitavam a sociedade há pelo menos uma década.
Mas a televisão estava estagnada nos programas de auditório dos anos 50, que reproduziam modelos do rádio, e na mentalidade dos executivos veteranos, muito bem representada no filme por David Tebet (papel de Willem Dafoe).
Havia chegado a hora de dar uma chance aos jovens que nasceram e cresceram diante do aparelho de TV para promover o engajamento de novos espectadores.
A fórmula proposta por Michaels reunia diferentes atores, humoristas e cantores a cada semana para protagonizarem, diante de uma plateia, esquetes, números musicais e improvisações sem temas rigidamente definidos.
O espírito irreverente dá o tom até hoje, nesta que é a atração humorística mais longeva da televisão norte-americana.
No Brasil, o efeito Saturday Night Live seria sentido nos anos 80 com o programa de auditório Perdidos na Noite, comandado por Fausto Silva na Band, e o humorístico TV Pirata, da Globo, protagonizado por um time estelar que incluía Marco Nanini, Ney Latorraca, Regina Casé e Debora Bloch, entre outros.
Logo no começo do filme, o espectador é avisado por uma tarja exposta na tela. “O programa não está pronto. Ele acontece porque são 23h30”.
Mesmo que tenha mantido parte da essência anárquica, é impossível pensar que, nos dias de hoje, uma produção não obedeça, por exemplo, a contratos publicitários e possa ser realizada com tanta liberdade.
É neste contraste que o filme seduz, como uma cápsula do tempo em que um certo amadorismo e até irresponsabilidade serviam de combustível para alavancar jovens e inventivos artistas.
O espectador se vê em um divertido jogo para identificar aqueles que, no futuro, se consagraram como astros do cinema.
O ator Matt Wood personifica um rebelde e autodestrutivo John Belushi (1949-1982), enquanto Cory Michael Smith é o novato Chevy Chase e Dylan O’Brien aparece como um estressado Dan Aykroyd.
Lamorne Morris representa Garrett Morris, o comediante preto que, escaldado pelo racismo, cobra por função relevante na história.
As atrizes Ella Hunt e Emily Fairn aparecem respectivamente como as comediantes Gilda Radner (1946-1989) e Laraine Newman, as mulheres dispostas a não servirem de escada para as piadas machistas dos colegas.
O diretor e roteirista Jason Reitman, de 47 anos, é filho de outro cineasta, Ivan Reitman (1946-2022), responsável pelas comédias Os Caca-Fantasmas, Irmãos Gêmeos e Um Tira no Jardim de Infância. Estreou como um nome promissor com os longas Obrigado por Fumar (2005) e Juno (2007), este indicado ao Oscar, mas sua carreira não manteve a curva ascendente na última década.
Reitman cresceu em meio aos profissionais do riso devido aos contatos do pai e, certamente, a memória afetiva lhe deu segurança na realização de A Noite que Mudou a Comédia. Só que, como realizador, ele foge das obviedades.
O longa é filmado com extensos planos-sequências e descompromissado com o caráter documental – que garante à obra uma pulsação cinematográfica permanente.
Por estas e outras qualidades, a fita envolve até quem jamais assistiu a um episódio do programa ou considera bobo o tom sarcástico e depreciativo comum aos humoristas norte-americanos.
Além disto, tamanha mudança nos moldes de produção e o rigor profissional da atualidade podem fazer acreditar que tudo o que aconteceu naquela noite não passa de uma absurda ficção.