“Para mim, não me interessa propriamente uma vida ‘feliz’, mas sim uma vida interessante, que valha a pena ser vivida.” — Contardo Calligaris
Sempre achei ralo e superficial quando alguém me perguntava se eu estava feliz com a minha vida. Para não me prender a obviedades, respondia de forma displicente que sim.
Mas quando a conversa ganhava um tom mais instigante e profundo, acabava recorrendo à resposta mais autêntica e honesta: havia momentos em que sim e outros em que não. E acrescentava que nunca acreditei — ou persegui — a ideia de uma “vida feliz”.
O que sempre busquei, como o Calligaris, foi uma vida interessante, que valesse a pena ser vivida. Uma vida que, ao olhar para o passado, eu pudesse dizer a mim mesmo que a vivi intensamente — que fiz tudo o que era possível realizar dentro do meu potencial e limitações. Em outras palavras, viver essa tal de “vida completa” (fulfiling life).
Essa busca é mais antiga que a própria filosofia.
Os gregos antigos se dedicaram a incontáveis reflexões sobre o tema. Para alguns, principalmente Epicuro e seus discípulos, a “boa vida” estava na vida hedonômica. Ao contrário do que muitas vezes se pensa hoje, não era viver em busca de prazeres desenfreados, mas cultivar prazeres simples e duradouros, reduzindo sofrimentos desnecessários e buscando a tranquilidade da alma.
Já Aristóteles oferecia outra resposta: para ele, a vida “feliz” estava na vida eudaimônica. Isso significava viver de acordo com a própria essência, guiado pela virtude e pelo propósito, realizando o potencial humano em sua plenitude. Ao longo da história, esse conceito atravessou séculos e foi retomado por pensadores tão distintos quanto Santo Agostinho, Kant, Jung, Maslow, Frankl, Seligman, entre outros. Tratava-se menos de buscar prazer imediato e mais de tornar-se a melhor versão de si mesmo — em harmonia com o “bem comum” e com as virtudes que sustentam a vida em sociedade.
Mais recentemente, o psicólogo Shigehiro Oishi, da Universidade de Chicago, acrescentou uma terceira perspectiva: a da vida psicologicamente rica. Ela se soma à vida hedonista (centrada no prazer) e à vida significativa (centrada no propósito), destacando o valor de uma existência marcada pela curiosidade, pela abertura intelectual e pela disposição de viver experiências diversas — mesmo quando desconfortáveis ou desafiadoras. Trata-se de reconhecer que a diversidade de experiências, com suas reviravoltas e aprendizados, pode e deve contribuir para a jornada da realização humana.
Para mim, uma “vida completa” é justamente esse mosaico de prazer, propósito e curiosidade. Aliás, não vejo esses caminhos como excludentes ou conflitantes; mesmo porque juntos, a meu ver, compõem o tecido de uma vida que merece ser vivida.
Como fundador — e também aluno — da Casa do Saber, investi muito tempo e energia para descobrir a base teórica, psicológica e filosófica do que estava vivendo e perseguindo. E, mais importante, em como aplicá-las no meu dia a dia. Agora, entrando na terceira fase da vida, lembro das palavras de Arthur Brooks: esse é o momento em que passamos naturalmente a ensinar e compartilhar.
Por isso, inicio aqui uma série de artigos em que pretendo dividir o que estudei e aprendi, na esperança de contribuir com quem queira explorar essa questão tão essencial ao ser humano.
Já ofereço aqui um disclaimer: não vou me aprofundar em questões espirituais ou esotéricas no sentido tradicional. Além de serem temas muitas vezes controversos, minha natureza é mais cartesiana, mais racional — preciso de alguma explicação científica para aceitar determinado conceito.
Não que eu não tenha tentado: participei de vários retiros espirituais, fiz peregrinações existenciais no Oriente, medito há mais de 30 anos e estudei religiões em profundidade — mesmo sem crer nelas. (Como entender a natureza humana sem estudar a fundo as religiões?)
Já procurei esse contato com o chamado “cosmo”, mas sinceramente não o encontrei; talvez por alguma limitação cognitiva ou de sensibilidade minha. Ou, quem sabe, a espiritualidade seja um tema a ser desenvolvido no meu último quartil de vida — o que deixaria a minha mãe, cristã estudiosa e dotada de muita fé, bastante feliz.
A base do que considero os pilares teóricos de uma “vida completa” foi construída a partir de diferentes referências. Começa com a individuação em Carl Gustav Jung (1875–1961), passa pela autorrealização em Abraham Maslow (1908–1970), segue pela tradição judaico-cristã e pelo Vedanta (filosofia secular hindu) — que nos ensina, por exemplo, a lidar com a ansiedade de sempre querer algo mais e a compreender a lei da causalidade.
Sigo, mais à frente, pelas reflexões de Baruch Spinoza (1632–1677) e da neurociência sobre livre-arbítrio (principalmente Robert Sapolsky e Sam Harris), e me inspiro nos inúmeros estudos e pesquisas compilados por Arthur Brooks, de Harvard, em especial aquelas que mostram como a segunda parte da vida pode ser vivida em sua plenitude, com mais propósito, sabedoria e contribuição.
Esses conceitos estão longe de serem exaustivos em relação a um tema tão vasto e fascinante. Tenho certeza de que não contemplam várias concepções que você, leitor, pode considerar essenciais — e respeito isso. Mas foram esses que mais me marcaram nessa busca de algumas décadas pelo embasamento teórico do caminho que vinha — e venho — trilhando.
Este primeiro artigo é apenas a contextualização da série que começa aqui. Nos próximos textos, pretendo detalhar cada um dos pilares apresentados e mostrar como essas ideias se conectam à prática.
Não se trata de um manual, nem de um caminho universal, mas de reflexões que talvez possam inspirar você a desenhar a sua própria jornada para uma vida que valha a pena ser vivida.
Jair Ribeiro é empresário, fundador e presidente da Casa do Saber e da Associação Parceiros da Educação. Passou o último ano em Harvard no programa Advanced Leadership Initiative, que apoia empresários a transformarem sua trajetória em projetos de impacto social.