Alerta de conteúdo lúdico: para conversar com Alex Allard, deixe as planilhas no escritório e abra sua mente.
Quatro ou cinco vezes por ano, o empresário Alex Allard – o visionário criativo por trás da Cidade Matarazzo – visita aldeias indígenas na Amazônia, uma peregrinação que já faz há 25 anos.
Foi a partir dessas incursões à floresta que Allard idealizou e está botando de pé o que ele mesmo define como uma “plataforma de lançamento e divulgação de uma nova maneira de ser.”
Chamar de “centro cultural” a Casa Bradesco de Criatividade – que abre suas portas no prédio do antigo Hospital Matarazzo no próximo dia 15 – não seria suficiente para traduzir o que Allard tem em mente.
“Isso aqui será um grande portal inspirador. Um caldeirão permanente. Uma grande caixa de som,” Allard disse ao Brazil Journal enquanto comia um pan au chocolat num dos restaurantes de seu Hotel Rosewood.
“Aqui não terá qualquer artista morto. São vivos. São de hoje. Têm coração. Têm nível de vibração super alto e conectados com o nosso tema central de regeneração da beleza. A metamorfose da nossa sociedade vai acontecer através da beleza, que é o arquétipo feminino e não masculino.”
Allard parte da premissa, aprendida nos tempos em que conviveu com o lendário publicitário francês Jacques Séguelá, de que a cultura é passado. O presente é a criatividade.
Foi também Séguelá que o apresentou a Alain Dominique Perrin, da Fundação Cartier, um grande colecionador, admirador e divulgador da arte brasileira na França.
Não foi fácil para o próprio Allard descobrir sua missão de vida. Foi só depois de duas décadas se conectando com a natureza, a ancestralidade e a vida indígena que a proverbial ficha caiu.
Para o francês – que adquiriu a Cidade Matarazzo em 2011 depois de quatro anos estudando como poderia revigorar a área num dos projetos arquitetônicos mais ousados do País – o Brasil será o maior centro de peregrinação de artistas do mundo. (Mas por via das dúvidas, ele mesmo quer garantir que isso aconteça.)
“Nos últimos 4 mil anos, o coração da humanidade foi migrando de um lugar para o outro. Começou com a Grécia, depois o Egito. Depois os romanos. Amsterdam, Paris, Nova York. Esse centro muda de tempos em tempos para o lugar que vai exprimir o que vai acontecer nos próximos anos na Humanidade.”
Para ele, a vez do Brasil está chegando.
O mundo vai entrar em um ciclo profundo de divisão causado pelos eventos climáticos, a imigração incontrolável, desigualdade social e guerras.
“Se queremos resolver o problema da humanidade, nós temos que trazer o ser humano de volta para a natureza,” disse Allard.
Ele tem dois planos para o caldeirão que vai ser inaugurado semana que vem. Um é pegar artistas brasileiros – geralmente já conectados com a natureza – e lhes dar um ecossistema (a Casa Bradesco) para que possam existir internacionalmente.
A outra maneira é trazer o artista internacional e colocá-lo na floresta – para que ele possa exprimir o que aprendeu.
Para iniciar esta peregrinação, o primeiro a expor na Casa Bradesco será o artista plástico indo-britânico, Anish Kapoor, um dos maiores escultores contemporâneos.
“Colocar um artista que é unânime globalmente é a melhor maneira de batizar um lugar, porque queremos essa energia,” disse Allard, que se interessa “pelo propósito de Anish como um artista que trabalha com a ideia do feminino, que vem contrastar com essa sociedade masculinizada, de abusos e relações mediadas pelo mundo financeiro. O feminino é a base de toda a nossa narrativa – da regeneração, que é algo feminino.”
Para o Bradesco, que via seus concorrentes com casas culturais concorridas por São Paulo, foi uma grande oportunidade.
A ideia era lançar o centro cultural em 2021, mas a restauração de um prédio antigo como o Hospital Matarazzo, tombado pelo patrimônio histórico, levou mais tempo do que o planejado.
Não é fácil captar a visão de Allard, mas a CMO do Bradesco, Nathalia Garcia resume a empreitada como “um espaço de encontros de todo tipo de artistas.”
O curador das exposições itinerantes e permanentes será Marcello Dantas, que concebeu instituições como o Museu da Língua Portuguesa e o Museu do Futebol, em São Paulo; o Museu da Natureza, no Piauí; o Museu da Cidade de Manaus, o da Gente Sergipana, das Minas e do Metal.
A Casa Bradesco terá outros três espaços: um para crianças com oficinas de estímulo à criatividade, um coworking/laboratório para adultos, voltado à criação e troca de ideias, e um espaço multifuncional no térreo para eventos, shows e teatro.
“Se você acredita que precisamos de um mundo diferente… Se você acha que os loucos e as ‘pessoas erradas’ são os únicos que podem salvar a Humanidade, bem-vindo ao Matarazzo.”
“Mas se você acha que tudo o que aconteceu nos últimos 20 anos é a regra, e tem que ser mantida, fica na Faria Lima. Vai dar certo pra você, vai ganhar talvez mais dinheiro. Mas a Humanidade vai piorar.”