A litigância climática deixou de ser um tema jurídico e passou a ser uma variável financeira.
Projeções recém-publicadas pela London School of Economics (LSE) indicam que os grandes emissores de carbono americanos acumulam um passivo potencial superior a US$ 200 bilhões em ações relacionadas a danos ambientais.
Considerando as ações que estão em andamento com alta probabilidade de condenação, o passivo é estimado em US$ 15 bilhões. Mas de acordo com a LSE, ações futuras e estimativas de indenizações típicas do sistema de Justiça americano podem elevar esse valor para US$ 209 bilhões.
Outro alerta vem do Banco Central Europeu, que identificou que 70% dos 95 bancos avaliados têm operações que contradizem as metas climáticas que declararam publicamente.
O movimento é global. Desde 1986, foram registradas 2.967 ações judiciais envolvendo questões climáticas. O Brasil chegou a 100 processos em apenas quatro anos, aponta a LSE.
Só em 2024 foram abertas 226 novas ações, das quais 164 nos Estados Unidos. Um quinto delas mira diretamente executivos e conselhos de administração. A Shell e a empresa de energia RWE já foram responsabilizadas em tribunais por impactos climáticos de suas operações, e a insegurança jurídica começa a afetar decisões estratégicas.
No ano passado, a TotalEnergies suspendeu novos projetos de óleo e gás no Reino Unido após a justiça britânica considerar ilegal que governos locais concedam permissão a expansão de poços de petróleo sem avaliar as emissões de gases de efeito estufa associadas à queima do petróleo extraído.
O CEO da companhia, Patrick Pouyanné, foi direto: o risco jurídico tornou o ambiente de negócios inviável.
O episódio simboliza uma nova dinâmica em que a litigância passou a ser parte do custo de capital.
“A sociedade civil e o Ministério Público estão pressionando os estados e as empresas: eles assinam tratados, mas não cumprem. A litigância virou o único meio efetivo de fazer valer compromissos climáticos”, disse Rafael Guimarães, sócio do Medina Guimarães Advogados.
Enquanto isso, cresce a onda de processos por marketing verde enganoso. Na Austrália, a gestora de fundos de previdência Mercer Superannuation pagou 11,3 milhões de dólares australianos por propaganda climática falsa, e o Greenpeace arrancou US$ 660 milhões da Energy Transfer, uma empresa de transporte de combustíveis, pelo mesmo motivo.
A reação anti-ESG nos Estados Unidos agrava o quadro. As empresas estão sendo criticadas tanto por adotar políticas consideradas ineficazes quanto por não fazer nada. O resultado é um ambiente de dupla penalização, o que torna a precificação de risco mais complexa e cara.
Mas a lacuna regulatória ainda pesa. Na COP28, em Dubai, o Brasil assinou o compromisso de cortar as emissões de metano. “Somos o maior produtor de carne do mundo. O gado emite mais metano que as queimadas. Política de redução? Zero”, resume Guimarães.
Em 2024, o País registrou sua primeira ação por danos climáticos contra uma termelétrica, a UTE Portocem, no Ceará. A ação foi movida por organizações ambientais e pesquisadores que contestaram o licenciamento ambiental conduzido pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente. O argumento central é que o processo não avaliou adequadamente os impactos climáticos de longo prazo.
O alerta agora chega ao sistema financeiro. A maioria dos bancos ainda não integrou o risco de litigância climática aos frameworks ESG. Mas o diagnóstico do BCE, que expôs a vulnerabilidade de 70% das instituições, vai aumentar a pressão por uma reavaliação de carteiras e políticas de crédito.
O litígio climático saiu do jurídico e entrou nas decisões de alocação de capital e gestão de risco.