A operação desenhada pelo Carrefour para deslistar o Carrefour Brasil desagradou os acionistas minoritários. Fundos locais e internacionais – que fizeram posições de longo prazo na empresa – estão descontentes com o preço oferecido e a governança da transação, e devem contestá-la. 

O controlador francês quer incorporar a subsidiária brasileira pagando R$ 7,70 por ação. A proposta é inferior aos cerca de R$ 9 de valor patrimonial da ação e ainda mais abaixo do intervalo entre R$ 12 e R$ 14 que alguns minoritários consideram “justo”. 

“O Carrefour Brasil vem de uma reestruturação e, depois de dividir com outros acionistas os ‘tempos difíceis’, o controlador agora quer capturar sozinho o resultado desse processo,” o gestor de um fundo com sede em Nova York disse ao Brazil Journal. “Eles fizeram uma oferta que leva em consideração a cotação da ação em janeiro, um mês muito difícil para os mercados. Não levaram em consideração o valor dos ativos do grupo.” 

Em janeiro, a ação do Carrefour Brasil bateu na mínima histórica. A proposta do controlador embute um prêmio de 32,4% sobre o preço médio ponderado por volume nos 30 dias anteriores a 10 de fevereiro. Desde então, a ação na Bolsa se aproxima desse preço. Hoje, negocia a R$ 7,30. 

O Carrefour tem 67,4% do Carrefour Brasil. A Península, o family office da família Diniz que apoia a proposta do controlador, tem outros 7,3%. 

A operação precisa ser aprovada pelos acionistas do free float, que é de 25,3% e bastante pulverizado entre investidores locais e internacionais – a maioria de longo prazo. Estão na base acionária gestoras brasileiras como a Vokin, Tempo Capital e Onyx. 

A bronca dos minoritários, que montaram posições quatro ou cinco anos atrás, é também com o timing da operação. 

O Carrefour Brasil comprou os grupos Makro (em 2020) e WalMart (em 2022), e desde então vinha fazendo a reestruturação dessas operações, fechando as lojas e bandeiras problemáticas e convertendo as outras para as marcas Atacadão, Sam’s Club e Carrefour. 

Segundo um minoritário, o projeto inicial era fazer esse processo em 2-3 anos, mas ele foi acelerado pelo controlador e concluído em 12 meses por conta dos bons resultados com a conversão. No ano passado, o grupo passou a revisar o desempenho das lojas e fechar ou colocar à venda aquelas com os piores resultados.

“Esse processo tem muito custo no curto prazo, com reformas, promoções, demissões. Então era claro para todo mundo que 2023 seria horrível como foi. Mas a partir de então, com as lojas ‘maturando’…,” disse este acionista. 

O Brasil responde por 22% da receita líquida e 33% do lucro operacional do grupo, que também está na Espanha, Bélgica, Itália, Romênia, Polônia e Argentina.

No ano passado, a receita no Brasil ficou em € 18,8 bilhões, atrás apenas da França, com € 39,5 bilhões. 

“É evidente que a operação brasileira está se tornando a que mais contribui para o resultado do grupo e que o preço de mercado em janeiro era muito baixo,” disse o gestor americano. 

A jóia da coroa é o Atacadão, que tem um ROCE (retorno sobre o capital empregado, um indicador que mede a eficiência e a rentabilidade) entre 20% e 25%.

Com a perspectiva de que as lojas do Atacadão reestruturadas entre 2022 e 2024 alcancem a maturidade entre 2025-2027, além de um potencial de expansão nos próximos 5-10 anos, o fundo americano estima que só o Atacadão deveria valer R$ 39 bilhões em 2026 – atribuindo um múltiplo de 6,5x ao EBITDA de R$ 6 bilhões. 

“O Grupo Mateus cresce mais rápido e negocia a 7x EBITDA. Provavelmente o Carrefour Brasil mereceria um desconto de 25% em relação ao Mateus, mas com um prêmio de deslistagem de 30%, um múltiplo justo ronda os 6,5x. Com este múltiplo, só o negócio de atacarejo valeria R$ 39 bi.”

O grupo tem ainda cerca de R$ 1,5 bilhão em imóveis não operacionais e a participação de 51% do Banco Carrefour que, nas projeções do gestor americano, vai gerar R$ 600 milhões de lucro líquido em 2026 com um valor patrimonial de R$ 4 bilhões. 

“Um banco com esse ROE merece um múltiplo de 1x valor patrimonial. Então, a participação do Carrefour Brasil valeria cerca de R$ 2 bilhões,” disse. 

O enterprise value total do Carrefour Brasil seria de cerca de R$ 42 bilhões; descontando a dívida, o valor de mercado potencial no fim de 2026 seria perto de R$ 30 bilhões. O valor presente, descontando o custo de capital até o fechamento da operação, seria R$ 25 bilhões que, dividido pela base de 2,1 bilhões de ações dá o valor de R$ 12/ação. 

Segundo o gestor americano, este ainda seria um preço “conservador” porque atribui “valor zero” aos supermercados e Sam’s Clubs, anulados pelas despesas da holding. “O que é bastante comedido, uma vez que a rentabilidade dos supermercados está melhorando, e o Sam’s Club tem lucro operacional.” 

Hoje o Carrefour Brasil vale R$ 15,4 bilhões na B3. 

A operação proposta não é um fechamento de capital: o Carrefour Brasil não será mais listado na B3, mas manterá o registro de emissor categoria “B” da CVM, o que permite acesso ao mercado de dívida local. 

Em vez disto, a proposta do Carrefour é de incorporação, que segue ritos mais simples e rápidos do que o fechamento de capital, podendo ser concluído em um mês. 

O Carrefour disse que formou um comitê independente de três integrantes para analisar a operação. 

O comitê é formado pelos conselheiros independentes Alex Szapiro, CEO do Softbank no Brasil; Vânia Neves, a ex-CTO da Vale; e Cláudia Almeida e Silva, a sócia-gerente da Singularity Capital em Lisboa. Ao mesmo tempo em que divulgou os nomes do comitê independente, o Carrefour informou que Claudia, que também é conselheira do Carrefour na França, “não foi considerada como ‘independente’ para fins dos trabalhos do Comitê Independente”. 

O comitê foi formado em 17 de janeiro e contratou como assessores o Machado Meyer e Rothschild & Co.

Em 11 de fevereiro, o Rothschild entregou uma fairness opinion indicando que a oferta é financeiramente justa. No mesmo dia 11, o comitê recomendou a operação. 

A transação precisa ser aprovada em assembleia de acionistas ainda a ser marcada, na qual votarão apenas os acionistas do free float

Além de receber o valor em dinheiro, o Carrefour está oferecendo a possibilidade de receber ações na França, mas nem todos os fundos têm mandato para isso. Quem votar contra a incorporação terá direito de retirada de R$7,42/ação – o estatuto da companhia permite o direito de retirada abaixo do valor patrimonial. 

O Carrefour disse que está oferecendo a todos os acionistas “a oportunidade de assegurar liquidez em termos justos e atrativos.”  

O objetivo da deslistagem é “dar à administração maior capacidade para focar exclusivamente nas operações principais e contribuir ainda mais para a estratégia do grupo de continuar a oferecer retorno superior aos acionistas.”   

Um gestor do buyside que não tem o papel diz que o Atacadão é um excelente negócio. “Essa mesma companhia, com as margens no lugar, deveria valer muitas vezes mais. É a maior rede de supermercado do Brasil, tem R$ 130 bilhões de receita e um poder de barganha sem igual. Conseguem os melhores preços e as melhores condições de pagamento da indústria.” 

Outro gestor, que tem Carrefour na carteira, diz que depois do negócio começar a entrar no lugar em 2024, com as vendas mesmas lojas crescendo acima do mercado, a “companhia tem tudo para ter crescimento 70-80% de lucro este ano. Mesmo com as expectativas reduzidas pela administração recentemente,” disse. 

Ele espera que, em vez de 1%, o Carrefour Brasil volte ao passado glorioso de uma margem líquida próxima a 4% já este ano, só que com uma receita num patamar muito maior.