Richard Serra, um dos maiores escultores do nosso tempo, morreu essa semana aos 85 anos.
Durante um percurso de seis décadas, Serra revolucionou a escultura do século XX, com obras de tamanho monumental que chamam a atenção até de quem as tenta ignorar. Diferente da escultura tradicional – em que há uma figura, forma ou imagem tridimensional – as esculturas de Serra extrapolaram os limites espaciais.
Tamanho, peso, densidade: tudo é superlativo comparado a uma obra “normal”, criando um ambiente próprio, incômodo e belo que engole o indivíduo silenciosamente.
Richard Serra nasceu na Califórnia em 1938. O pai era espanhol e trabalhava em um estaleiro; a mãe, filha de imigrantes judeus, era muito sensível. Quando foi chamada na escola por uma professora impressionada com o potencial artístico do aluno, Gladys passou a chamá-lo de “Richard, o artista”. A partir de então, não o deixou parar de desenhar – ela recolhia pedaços de papel em mercados e açougues para levar para casa.
“E eu desenrolava o papel na rua e fazia desenhos de tudo, desde cachorros, aviões, até navios no mar perto da praia,” ele disse em uma entrevista.
Aos 15 anos, Serra foi trabalhar com metais em uma siderúrgica durante as férias da escola – mas sua mãe não desistiu de um futuro nas artes.
Para orgulho materno, em 1957 Serra começou a estudar literatura inglesa em Berkeley. Quando estava para se formar, mandou um conjunto de desenhos para Yale e foi admitido no programa de artes plásticas, onde conheceu os artistas Chuck Close, Philip Guston, Robert Rauschenberg e Frank Stella. Na mesma época foi revisor do livro “Interaction of Color,” de Joseph Albers, e no final do curso, em 1964, ganhou uma bolsa para passar um ano em Paris.
“Quando morava em Paris, era uma espécie de groupie de Giacometti. Philip Glass e eu íamos ao La Coupole todas as noites e Giacometti chegava às duas da manhã com gesso preso no cabelo e na companhia de Beckett. Se alguém provou que trabalhar diariamente como artista era uma luta, esse alguém era Giacometti”.
Outro gênio da escultura, Brancuși causou forte impacto na formação do artista americano, que passou quatro meses frequentando o ateliê do romeno numa época em que Serra apenas pintava.
O contato com as maiores figuras artísticas daquela época marcaram profundamente o jovem Serra.
Foi apenas em 1966 que ele se afastou definitivamente da pintura. Começou de forma experimental, enchendo gaiolas com animais vivos e empalhados, o que não teve sucesso crítico ou comercial.
Nos anos 70, passou um período no Japão, onde conheceu os Jardins Zen de Kyoto. “Quando estava no Japão, passava horas naqueles jardins (…) estava em campo aberto, lidando com o tempo e o espaço de uma forma muito calma e subjetiva, prestando especial atenção à matéria e ao detalhe (…) finalmente cheguei ao ponto em que comecei a construir primeiro com o vazio, e o material simplesmente se tornou o recipiente para o vazio.”
Ao se mudar para Nova York no final dos anos 70, teve que trabalhar com móveis para pagar as contas. Depois de todas as experiências vividas fora da América, o desenvolvimento artístico de Serra foi rápido, passando de experiências com borracha, fibra de vidro, tubos de neon até a escultura em metal. Quando começou a ser representado pela Leo Castelli, a galeria do momento em Nova York, fez sua primeira exposição usando chumbo derretido na parede. O resto é história.
Com prêmios definitivos como o Leão de Ouro da Bienal de Veneza, a Légion d’honneur, da França, o Praemium Imperiale do Japão, obras expostas nos maiores museus do mundo – do MoMA ao Pompidou e ao Guggenheim de Bilbao – e nas ruas de Chicago, Berlim, Paris e Tóquio, a carreira de Serra teve a dimensão titânica de suas obras monumentais.
Suas esculturas têm vocação arquitetônica, o que despertou o interesse e a admiração de arquitetos pelo mundo; trabalhou em parceria com vários grandes nomes do meio.
A relação próxima de sua arte com a arquitetura o fez ser laureado com o prêmio Architectural League of New York President’s Medal, o único artista da história a receber a honraria.
Como nenhuma carreira vive só de sucessos, em um livro de depoimentos Serra narrou seus diversos fracassos e momentos de crise, histórias de projetos rejeitados por arquitetos e instituições, além de brigas públicas em defesa de obras e ideias.
Tirando os percalços usuais, a carreira de Serra continuou a florescer até sua morte. Ele expôs frequentemente em museus e na Gagosian, sua galeria em Londres, Nova York e Paris. Sua última individual foi em 2021.
Em 2019, o Instituto Moreira Salles, da avenida Paulista, inaugurou a primeira escultura de Serra aberta à visitação pública permanente na América Latina.
Um dos seus maiores trabalhos, East-West/West-East (2014), está no deserto do Catar: quatro placas de aço de 15 metros de altura instaladas na paisagem de areia, com os topos nivelados entre si.
Ele dizia que o deserto era como o oceano, só que sem água. “Esta é a coisa mais gratificante que já fiz,” disse na inauguração.
Amante da poesia, apaixonou-se por Fernando Pessoa. Além de citar o Livro do Desassossego como um dos seus favoritos, dedicou uma exposição e uma obra ao português. Serra sempre morou perto do mar, uma inspiração para seus trabalhos – e para Pessoa.
“Ela foi encontrada! Quem? A eternidade. É o mar misturado. Ao sol,” Pessoa escreveu. Mas poderia se dizer que a eternidade é o mar misturado ao sol e às esculturas de Richard Serra.