Iris Apfel não morreu de overdose.

Por mais que abusasse dos óculos, anéis, pulseiras, braceletes, colares, broches, berloques, balangandãs, miçangas, estampas e demais penduricalhos que usava no dia-a-dia, Iris estava sempre no tom e nas cores certas.

A empresária do ramo têxtil, decoradora, designer, colecionadora, professora, modelo, musa e ícone fashion morreu na sexta-feira, em sua casa de Palm Beach, na Flórida. 

Ela tinha 102 anos.

Iris foi uma figura única na paisagem da moda internacional, com mais de sete décadas dedicadas ao métier.

Em 2016, já com 95 anos, Iris disse à Harper’s Bazaar: “A aposentadoria é um destino pior que a morte”. Afinal, na ocasião ela andava ocupadíssima. No ano anterior havia perdido o marido, Carl, um empresário com quem dividiu os negócios – uma empresa de tecidos de decoração, entre 1950 e 1992 – e a vida, um casamento que durou de 1948 até a morte dele, aos 100 anos. 

Mas Iris não era mulher de se entregar à viuvez, nem de retirar-se de cena para envelhecer “graciosamente” longe do mundo.

Naquele mesmo ano, lançou uma coleção de acessórios com seu nome, uma coleção de roupas para a Macy’s e uma coleção de emojis para dispositivos digitais baseados em sua figura inconfundível.

Ela também estava trabalhando em uma autobiografia –  Iris Apfel: Accidental Icon, publicada em 2018, que podia ser comprada junto com a Barbie Iris, lançada pela Mattel. 

Pouco depois, aos 97 anos, assinou contrato com a IMG, uma das maiores agências de modelo do mundo, já que várias marcas a queriam como estrela de comerciais e campanhas publicitárias. Quebrando todos os paradigmas e recordes de idade na profissão, foi chamada de “starlet geriátrica” na imprensa. E devolveu: “Sou a adolescente mais velha do mundo”.

De sua lista de conquistas da terceira idade constam ainda uma retrospectiva de seu estilo no Costume Institute do Metropolitan em 2005; o documentário Iris, dirigido por Albert Mayles em 2014; uma temporada como mestre visitante do departamento Têxtil e de Vestuário da Universidade do Texas em 2012; e até uma peça no Brasil. Em 2017, o ator e escritor Cacau Hygino encenou o monólogo Através da Iris, com Nathalia Timberg vivendo a designer.

Iris Apfel nasceu Iris Barrel em 29 de agosto de 1921, a filha única de um casal de origem judaica do Queens. Sua mãe era russa de nascimento, seu pai produzia espelhos.  

A jovem estudou História da Arte na New York University e na Universidade de Wisconsin. Trabalhou brevemente no jornal de moda Women’s Wear Daily e com um decorador de Manhattan, Elinor Johnson. Mas seu olhar apurado para o original, o diferente e o francamente extravagante – e por vezes bizarro – ela dizia ter cultivado desde a adolescência, frequentando e comprando em brechós, antiquários, bazares beneficentes, feiras ou qualquer outro tipo de comércio alternativo. 

“Foi quando comecei a colecionar. Na verdade, acredito que virei colecionadora 15 minutos depois de nascer porque herdei isso da minha mãe,” disse certa vez.

Em 1950, Iris e seu marido fundaram a Old World Weavers, fornecendo tecidos de decoração para uma clientela que incluía a magnata dos cosméticos Estée Lauder e a diva Greta Garbo, entre outros membros do jet set de Nova York. 

Logo conseguiram seu contrato mais cintilante, tornando-se fornecedores da Casa Branca ao longo do mandato de nove presidentes, de Truman a Clinton.

Iris considerava a tarefa simples: apenas restaurar ou substituir o que estava velho e gasto. Até a chegada de Jacqueline Kennedy: “Ela apareceu com um decorador francês e tivemos que refazer tudo de novo,” reclamou. Iris gostou mais de Pat Nixon, a quem definia como “adorável”.

Os Apfel optaram por não ter filhos, dedicando-se totalmente ao trabalho e (muitas) viagens pelo mundo — principalmente pelo Oriente Médio e o Norte da África — tanto a negócios quanto para pesquisa. Iris comprava tudo que via e gostava em matéria de roupas, objetos étnicos, obras de arte, joias, bijuterias, tapeçarias, porcelanas e todo o bric-a-brac possível para o amplo apartamento em que viviam na Park Avenue.

Assim, a Iris Apfel personalidade fashion e pop, que surgiu para o mundo quando ela já tinha mais de 80 anos, foi o resultado de anos de trabalho minucioso e um tremendo joie de vivre. Iris passou a frequentar a vida social de Manhattan atraindo a atenção tanto de seus contemporâneos quanto de uma geração de jovens estilistas, artistas e intelectuais, encantados com sua capacidade de misturar hippie vintage, alta costura e surrealismo em um mesmo modelo, fosse para uma noite de gala ou uma feira de antiguidades no final de semana.

Sua morte encerra uma era de personas excêntricas e brilhantes da moda do século XX, uma lista que inclui nomes como Elsa Schiaparelli, Diana Vreeland, Anna Piaggi e Karl Lagerfeld. Tudo o que resta é uma sociedade cada vez mais uniforme e carente de humor.

 

Iris Apfel, in her own words

“Quando me pedem para definir o meu estilo, digo que não cabe a mim responder, mas a você descobrir”

“Quando você não se veste como todo mundo, você não precisa pensar como tudo mundo”

“Estar na moda e ter estilo são coisas completamente diferentes. É fácil pagar para estar na moda. Mas o estilo está no seu DNA, ele exige originalidade e coragem”

“Ao assumir riscos, o pior que pode te  acontecer é falhar. E isso não vai te matar”

“Eu gosto dos meus óculos com armação redonda, me fazem parecer uma coruja. Adoro!”

“Na moda é preciso chamar a atenção. Como quem diz: ‘Olá, cheguei!’”

“A diversidade é o tempero da vida”

“Quando vejo que cheguei aos 100 anos e continuo me comunicando com as pessoas é sinal que alguma coisa que eu fiz deu certo”