Marcelo Claure, que montou toda a operação do Softbank na América Latina, está deixando o conglomerado japonês depois de meses de atrito com o fundador Masayoshi Son.
O cenário mais provável neste momento é que Claure, que também é o COO global do grupo, monte sua própria plataforma de investimentos em venture capital, diversas pessoas a par do assunto disseram ao Brazil Journal.
O movimento tem implicações para o venture capital da América Latina, um ecossistema que a chegada do Softbank em 2019 fez mudar de patamar.
A notícia da saída iminente foi dada com exclusividade pela CNBC, que disse que o executivo deixará o cargo ainda hoje.
O Softbank tem quase US$ 8 bilhões investidos em 80 empresas na América Latina, incluindo nomes como a Buser, Unico, Hashdex, VTEX, Rappi, Avenue, Creditas, Loggi, Loft, QuintoAndar e Inter (e a lista continua).
Dentro do Softbank, a expectativa é que Michel Combes, que hoje ocupa o cargo de presidente do Softbank Group International assuma a posição de Claure, evitando que a região seja absorvida pelo Vision Fund, que é controlado pelo arquirrival de Claure, Rajeev Misra. O problema: algumas pessoas temem que essa substituição seja apenas temporária, e que a América Latina com o tempo passe à jurisdição de Tóquio.
Ao longo de oito anos no grupo, Claure teve diversas atribuições e se tornou um dos braços direitos de Masa – mas sempre dividiu poder com Rajeev, o outro executivo próximo ao fundador.
A hostilidade entre os dois era tão grande que, quando Masa quis nomear Claure para o board do Vision Fund, Rajeev contratou uma empresa de background checks e tentou ligar Claure ao tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, a Bloomberg reportou à época. A investigação não encontrou nada, mas o episódio foi a gota da água na relação dos dois.
O atrito mais relevante entre Claure e Masa – que parece estar por trás da saída – foi a respeito da compensação financeira do executivo. Segundo o The New York Times, Claure achava que merecia ganhar US$ 2 bilhões por ter feito o turnaround do WeWork e a fusão da Sprint com a T-Mobile. Masa não concordou.
A saída de Claure coloca em dúvida o futuro da operação do Softbank na América Latina.
Como foi ele que contratou todos os executivos que fazem os investimentos na região – Paulo Passoni e Shu Nyatta (que tocam o fundo no dia a dia), Alex Szapiro (o operating partner no Brasil), Marco Camhaji e Rodrigo Baer (ambos managing partners de early stage) – existe a possibilidade de uma migração em massa destes executivos para se juntarem a Claure em sua nova placa.
Nas últimas semanas, pelo menos um executivo já deixou o time da América Latina: Nicola Calicchio, o ex-CEO da McKinsey, que havia se juntado ao time em maio passado para negociar transações estratégicas. (Uma mensagem enviada para a caixa de email de Nicola no Softbank retornou.)
Pessoas no ecossistema do Softbank – que acompanham o desenrolar do drama nos últimos meses – dizem que Masa ainda não conversou com o time da região.
A perda de Claure vem num momento de fragilidade do Softbank, cuja ação despencou 60% do topo em grande parte graças a seus investimentos em empresas de tecnologia chinesas, que sofreram nos últimos meses com a intervenção de Beijing. A posição em Alibaba representa metade dos ativos do Softbank Group.
Em setembro, o Softbank anunciou que destinaria US$ 3 bilhões para criar seu segundo fundo para a América Latina, dos quais US$ 2,5 bi já foram alocados.
Para empreendedores e investidas do Softbank na América Latina, a boa notícia é que o próprio Masa estaria satisfeito com os retornos obtidos na região.
Segundo pessoas a par do assunto, Masa recusou meses atrás uma proposta de Claure para um spinoff da região. Além disso, Masa é o maior investidor do Softbank Latin America Fund enquanto pessoa física: ele é dono de 17% das cotas.
Mesmo antes do Softbank montar a operação na América Latina, o Vision Fund já estava fazendo negócios na região — quando entrou em campo, o time de Claure herdou investimentos que já haviam sido negociados com a Rappi, Creditas, Gympass e Loggi.
Na prática, o Softbank tem dedicado 10% de seus investimentos globais à América Latina. Como este ano o grupo deve investir apenas metade dos US$ 40 bilhões que desembolsou no ano passado, a região ainda deve receber cerca de US$ 2 bilhões (o número varia dependendo da alavancagem que o grupo consegue acessar).
“A América Latina é 2% da economia mundial, mas no Softbank ela é 10%, em grande parte graças ao prestígio do Marcelo lá dentro,” diz uma pessoa com trânsito no grupo. “O pior cenário aqui é ela ser reduzida à sua dimensão real.”
Os próximos meses dirão se o Softbank Latin America tem sua sorte ligada ao destino de um homem, ou se é uma aposta institucional do Softank, capaz de prosperar apesar de mudanças na liderança e guerras fratricidas.