Tapete vermelho para quem investir no Centro do Rio, transformando imóveis ociosos em residenciais.
Essa é a promessa do secretário de Planejamento Urbano da Prefeitura do Rio de Janeiro, Washington Fajardo, que explica as isenções fiscais, os estímulos tributários e a desburocratização para quem se arriscar no despovoado coração carioca.
Nesta conversa com o Brazil Journal, o arquiteto, que foi pesquisador pela bolsa Loeb em Harvard, anuncia uma plataforma 3D para facilitar os olheiros de oportunidades na região central do Rio, sugere que as políticas ESG levem em conta o desperdício urbano e o crescimento horizontal das cidades e diz que a palavra ‘gentrificação’ é muito mal usada no País.
Existe um grande ceticismo quando se fala de investir em centros históricos no Brasil, promessas que nunca se cumprem. O que de fato muda desta vez?
Estamos desregulamentando a produção residencial no Centro do Rio. Oferecemos tapete vermelho a quem converter espaços comerciais sem uso em moradia. O licenciamento que levava três meses foi reduzido para quinze dias pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico. O Reviver Centro dá isenções de IPTU, do ITBI na primeira compra, e bonificação construtiva na área central, depois de 20 anos sem prédios residenciais no Centro. Fizemos uma operação interligada. Para cada 100 m² residenciais novos ou retrofitados no Centro, o incorporador ganha o direito de construir 40 m² no resto da cidade. É uma contrapartida, com um modelo mais simplificado. Você ainda pode vender esses 40 m² para terceiros.
Acabamos de lançar uma plataforma em 3D do Centro, que vai mostrar toda vez que alguém pedir ou ganhar uma licença. No painel, teremos 36 terrenos vazios, com um total de 87.303 m² e 625 edificações que pertencem a um proprietário único, que facilitam as negociações. O painel já vai trazer o “envelope” do que dá para se fazer em cada imóvel, o potencial construtivo. No futuro, seria ótimo termos todos os imóveis vazios no Centro mapeados com precisão. Só a União tem 800. O INSS tem 2.500 de imóveis, lojas, escritórios. Nem estamos contando os imóveis de propriedade dos militares e das universidades.
Ao contrário de São Paulo, o Centro do Rio ainda é a sede das maiores empresas. O foco será na atração residencial?
A gestão Eduardo Paes tem metas. Tenho que aumentar em 15% a quantidade de moradores no Centro, que hoje é de apenas 41 mil. Para controlar a expansão da cidade para suas bordas, temos que repovoar o Centro. Temos o Real Gabinete Português de Leitura em uma área sem moradores. Precisamos reciclar essas áreas, habitá-las.
Nossos índices de aproveitamento [do que se pode construir em cima de um terreno] louvam o espraiamento. Criamos ojeriza ao prédio e achamos tudo bem que as cidades cresçam para os lados, onde ainda não existe infraestrutura. O Jardim do Méier é do mesmo tamanho que o Bryant Park em Nova York. Ambos bem servidos pelo transporte urbano. Só que, ao redor do Méier, você pode construir três vezes os m² de um terreno [em um lote de 500 m², a autorização é para 1500 m² de área construída]. Já ao redor do Bryant, pode 13 vezes. Eles lá têm alta capacidade; nós limitamos. No Plano Diretor, estamos propondo que sejam 7 vezes. A Zona Sul do Rio, por exemplo, é bem mais adensada que isso.
O que está mais em falta?
Até o momento só se fazem estúdios para executivos no Centro, por exemplo. E o preço ainda é alto, R$ 10 mil, R$ 11 mil por metro quadrado. Precisamos ganhar escala, produzir muito mais e fazer esses preços caírem para atrair famílias. O Centro recebeu grandes investimentos, como o VLT, melhorias, museus, urbanismo tático, mas ainda não se traduziu em mais moradores.
As universidades cariocas são um ímã, e eu sou fruto disso. Saí de São Paulo para estudar no Rio. Só na UFRJ são 3.500 estudantes de fora, e existe um alojamento para apenas 250 pessoas. Eles precisam ir ao mercado, de forma pulverizada e “se viram”. É uma demanda induzida que a universidade poderia entrar em parceria.
A oposição ao Prefeito Eduardo Paes reclama que pode haver gentrificação no Centro, mesmo com a ociosidade de tantos imóveis. Como evitar?
Gentrificação é uma palavrinha muito mal usada. Virou uma trincheira para uma certa esquerda que, paradoxalmente, se une aos ultraconservadores “Nimbys” (os “não no meu quintal”), que lutam pelo congelamento de vizinhanças inteiras. A vitalidade urbana precisa ser defendida, até porque ela distribui riqueza, e não o “deixar tudo como está”.
Em alguns casos, alguma mobilidade, alguma valorização do bairro, alguma gentrificação é sadia. Significa novas oportunidades. Por trás de um novo bar ou um novo café em um imóvel antes abandonado, há empregos acontecendo. Há movimento.
Não existe ainda uma palavrinha tão mágica para definir o oposto de gentrificação. Mas é degradação. Quando um bairro se degrada e todo mundo quer sair dali. É um coma urbanístico. Fica uma ilusão de acesso — “vão ocupar o que ficou ruim”. Isso não é defesa dos mais pobres. É bom lembrar que governos ditos progressistas geraram subsídios fortíssimos para criar moradia distante para os mais pobres, gastaram bilhões para dar casa a duas horas de distância de qualquer emprego, de tudo.
Sempre falam de higienização, muitas vezes sem conversar com os maiores interessados. Comi uma feijoada no Bar do Joia, tradicional e popular. A dona quer mais clientes por ali. Um reflexo de nossa sociedade ser tão desigual é que temos uma casta intelectual muito distante da vida real, urbana. De gente que não usa transporte público, não vai ao boteco, mas que gosta de determinar o que seria melhor para esse povo imaginado.
Como produzir moradia para faixas de renda diversas?
Os maiores benefícios são para quem reservar 20% das unidades para programas de locação social, para quem tem renda de até 6 salários mínimos e para estudantes universitários cotistas. Nesse caso, serão 60 m² para quem fizer 100 m² em um empreendimento assim. É um padrão universal, dominante pelo mundo, esses 20% de compensação.
As políticas para se resolver a estratificação social dos bairros acabam refletindo a polarização política. Quer se forçar a colocar o mais pobre entre os mais pobres ao lado do mais rico milionário, o que é um desenho de política urbana que reivindica essa polarização.
Não seria melhor algo incremental, do pior bairro para o menos pior, e assim sucessivamente? Há muitos estudos que mostram como as crianças ganham, inclusive em performance escolar, quando se mudam para um bairro um pouco melhor. Não temos mobilidade territorial e todos deveriam sonhar com a cidade inteira.
No Brasil, parte da burocracia estatal, especialmente no urbanismo, é anti-negócios e prefere que edifícios tombados virem centros culturais do que qualquer outra ocupação que vise o lucro. Como será no Rio?
Os edifícios históricos devem abrigar o que tiverem capacidade de suportar, simples assim. Um grupo hoteleiro se interessou por um imovel tombado da prefeitura, e alguns técnicos questionaram “não poderia virar um centro cultural?”
Como se o bem arquitetônico não fosse por si só um bem cultural, se não tivéssemos uma epifania estética ao apreciá-lo. Ele não precisa abrigar outras artes para ser “cultural”, ele precisa ser bem mantido.
Ninguém aprecia uma pintura rasgada. É curioso que os centros históricos foram abandonados pelos militares e redescobertos na redemocratização, com o Vale do Anhangabaú do Wilheim e da Kliass, a Lina em Salvador… nos últimos anos, o bichinho da grandeza, do ufanismo, voltou a atacar, e voltamos a construir centros administrativos fora do centro, projetos habitacionais bilionários que ignoravam o centro, até em gestões ditas progressistas.
Aprovamos a mudança de uso em bens tombados. Não faz sentido um palacete de 1200 m² vazio e onde ninguém quer morar há anos continuar sendo uma residência para apenas uma família. O conceito “unifamiliar” já é excludente e bem equivocado urbanisticamente. Vários destes imóveis poderão ter outros usos, inclusive ser parcelados em apartamentos. Você preserva o palacete, mas permite modificações nos interiores.
A mudança de uso legaliza algo que já acontece na prática. Se você olhar o Google Maps, vai ver que em bairros “exclusivamente residenciais” funcionam estúdios de pilates, de acupuntura, moças que vendem doces orgânicos, escritórios de arquitetura, produtoras de cinema. A pessoa divulga no Google Maps, mas não no zoneamento. É a hipocrisia urbana, da exposição digital que não consegue registrar legalmente. Com pequenas regras, você pode autorizar serviços e comércio de baixo impacto em áreas residenciais. De um restaurante sem música ao vivo ou comércios com limite de frequentadores.
Alguns desses bairros reclamam de trânsito, mas você é o trânsito se pega o carro para tudo, porque não tem comércio por perto. Nesses bairros residenciais, há 2,5 carros por domicílio. Quem é o trânsito? O problema não é quem chega de fora, é quem já está e usa carro para tudo.
O sr. tem falado que as políticas corporativas de ESG deveriam levar em conta o urbanismo e o reaproveitamento de áreas ja construídas e ociosas. Poderia explicar?
O investimento na recuperação de áreas centrais tem sinergia com muitos outros negócios. Não é extrativismo, explorar e vender. Tem uma riqueza imobiliária para franquias, fortalecer o varejo, a hotelaria, serviços.
É uma economia que pode se aproveitar do mercado de créditos de carbono. A recuperação de áreas centrais pode inaugurar iniciativas ESG no mercado imobiliário, que está atrás de outros setores. Como o imobiliário depende muito do capital financeiro, leva muito tempo – é bem mais lento que uma manufatura simples – é uma cobrança que será cada vez mais feita.
Vai na direção oposta das fortalezas corporativas, esses office parks distantes de tudo. Os CEOs que nos leem têm o papel de estudar como será o mundo em 10, 20 anos. Se não se posicionarem em um compromisso ambiental, serão vistos como dinossauros. Pior, como ossadas de dinossauros.
E o Porto Maravilha? Agora vai?
O Porto Maravilha pode se tornar um bairro novo com escala residencial. Veja o que aconteceu com o lançamento da Cury: 470 unidades em duas torres, vendidas em duas semanas, 70% para o usuário final. Não existe transformação rápida de porto, até porque portos não são municipais, são várias esferas públicas envolvidas. Hafencity, em Hamburgo, está em processo, Puerto Madero, em Buenos Aires, levou anos.